Pesquisa da Fiocruz avaliou a transmissão da Covid-19 em uma comunidade do Rio de Janeiro e pode nortear a reabertura das escolas
Pesquisa da Fiocruz avaliou a transmissão da Covid-19 em uma comunidade do Rio de Janeiro e pode nortear a reabertura das escolas| Foto: Bigstock

O papel das crianças na transmissão do novo coronavírus ainda não está claro, mas um estudo brasileiro a ser divulgado na revista científica Pediatrics oferece respostas para algumas dúvidas. De acordo com a pesquisa, que analisou 667 participantes, de 259 domicílios, entre maio a setembro de 2020, as crianças tendem a ser mais infectadas por terceiros do que a transmitirem o vírus para os adultos.

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Dos participantes da pesquisa, 323 eram crianças, entre zero a 13 anos; 54 adolescentes, entre 14 a 19 anos; e 290 eram adultos. O estudo foi conduzido pela Fiocruz juntamente com a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e com a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, na Inglaterra.

A prévia do artigo "A dinâmica da infecção de Sars-CoV-2 em crianças e contatos domiciliares em uma comunidade pobre do Rio de Janeiro" foi divulgada pela Agência Fiocruz de Notícias nesta segunda-feira (10).

Resultados

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores acompanharam crianças com menos de 14 anos que buscavam algum tipo de atendimento médico no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos, bairro do Rio de Janeiro.

Na sequência, essas crianças passaram a ser visitadas em casa, onde fizeram testes RT-PCR (com a haste via nariz, que identificam a presença genética do coronavírus) e de sorologia (de sangue, que identificam a presença de anticorpos IgG para o coronavírus – os anticorpos IgG dão indícios de infecções mais antigas). Os adultos e adolescentes que vivem nas mesmas casas também foram testados.

De acordo com os pesquisadores no artigo da pesquisa, caso a transmissão do Sars-CoV-2 fosse principalmente dos adultos e adolescentes para as crianças, "aquelas com PCR positivo teriam tido contato com um adulto ou adolescente com anticorpos IgG positivos para o Sars-CoV-2 ou uma história clínica anterior sugestiva de Covid-19".

Para isso, eles avaliaram o momento do pico de prevalência dos anticorpos IgG – que indicam que aquele organismo enfrentou o coronavírus há mais tempo – em crianças versus em adultos e adolescentes. "Nossa hipótese é que se a transmissão fosse principalmente de adultos e adolescentes para as crianças, o pico de prevalência de IgG em adultos e adolescentes ocorreria antes do pico de prevalência de IgG em crianças".

Dos testes que avaliam a presença do vírus (PCR), 45 crianças (13,9%) deram positivo. Entre essas crianças, 26 tinham tido contato com um adulto também positivo. As demais 19 tiveram contato com adultos que não aceitaram fazer o teste, mas que relataram sintomas que eram suspeitos para a Covid-19.

Com relação ao teste sorológico, das crianças com menos de 14 anos testadas, 32,6% tiveram resultados positivo. Entre os familiares, 31% receberam exames positivos, indicando que a família toda já tinha sido exposta ao vírus até setembro de 2020.

"A menos que essas crianças fossem portadoras do Sars-CoV-2 por um longo período, nossos resultados são compatíveis com a hipótese de que elas se infectam por contatos domiciliares, principalmente com seus pais, em vez de transmitir para eles", detalham os pesquisadores.

Fechamento das escolas

Os pesquisadores lembram de um fator que pode ter influenciado o estudo. O período em que a pesquisa foi realizada coincidiu com o fechamento das escolas.

"Os adultos podem ter sido os propagadores mais importantes porque continuaram a trabalhar fora de casa, continuamente expostos nos transportes e locais de trabalho", destacam no artigo.

Das principais conclusões da pesquisa, os pesquisadores destacam que, nos cenários que se assemelham aquele estudado, "escolas e creches poderiam potencialmente reabrir se medidas de segurança contra a Covid-19 fossem tomadas e os profissionais adequadamente imunizados".

"Mesmo não sendo as principais fontes de infeção nos domicílios no estudo, é necessário incluir crianças nos ensaios clínicos de vacinação. Se os adultos forem imunizados e as crianças não, elas podem perpetuar a epidemia. Se no mínimo 85% dos indivíduos suscetíveis precisam ser imunizados para conter a pandemia de Covid-19 em países de alta incidência, esse nível de proteção só pode ser alcançado com a inclusão de crianças em programas de imunização, principalmente no Brasil, onde 25% da população têm menos de 18 anos". 

Ainda, os autores lembram que os resultados do estudo se referem a um contexto onde não havia ainda uma nova variante, mais transmissível, em circulação.

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