Avanço de pandemia do novo coronavírus vai deixar para depois apenas cirurgias que possam ser adiadas
cancer cirurgias eletivas| Foto: Bigstock

Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, que deve agora ter progressão geométrica de casos, como o ocorrido em outros países, os hospitais terão de, em um futuro próximo, transferir leitos cirúrgicos para atendimento a pacientes com diagnóstico de Covid-19.

Até o momento, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgias Oncológicas (SBCO), as cidades de Juiz de Fora, em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro iniciaram o processo de suspensão de cirurgias eletivas (aquelas nem emergenciais, nem urgentes), voltadas a pacientes com câncer. A medida deve se expandir a todo o país.

No Paraná, por exemplo, alguns hospitais também começaram a paralisar as cirurgias, com o objetivo de reduzir o risco de infecções e diminuir o número de pacientes em risco para a Covid-19. Além disso, as cirurgias favorecem a fragilização do organismo, podendo levar a quadros mais graves da doença.

Câncer agressivo

Para que pacientes oncológicos que tenham necessidade rápida de cirurgia não sejam prejudicados, o presidente da SBCO, Alexandre Ferreira Oliveira, diz que serão mantidos os procedimentos em casos emergenciais.

Esses dizem respeito às doenças de tipo mais agressivo e de rápida progressão, como boa parte dos cânceres de pâncreas, fígado e vias biliares, estômago, cólon e reto, pulmão, ovário avançado, endométrio avançado e melanoma. "A priorização deve ocorrer considerando-se ainda o perfil molecular do tumor e a saúde geral do paciente", diz.

Por outro lado, as cirurgias consideradas urgentes podem ser postergadas em dois ou três meses, segundo estimativa, sem que a saúde do paciente seja comprometida. "São aqueles tumores que têm comportamento biológico mais favorável, como câncer de pele não melanoma, mama e próstata iniciais, lesões pré-malignas e precursoras de câncer, assim como procedimentos associados à reparação de sequelas relacionadas à doença", diz Oliveira, assinalando que exames realizados para doenças de baixa morbidade talvez possam ser adiados, mas essa decisão deve ser tomada caso a caso pelo médico e paciente.

Procedimentos em análise

De biópsia a procedimentos extensos, nove entre dez pacientes oncológicos devem, em algum momento do tratamento, passar por cirurgias, seja no sistema público, seja no sistema privado. A cirurgia, por si, não amplia a possibilidade de infecção, que é igual para todos, mas aumenta as chances de o paciente desenvolver quadros mais graves da Covid-19.

"Para o paciente poder fazer a cirurgia ele vai ficar em jejum no pré-operatório, e em cirurgias de tumores digestivos como pâncreas, estômago e esôfago o paciente pode ficar vários dias sendo subnutrido. Isso faz com que a imunidade em razão do trauma da cirurgia e da baixa oferta nutricional, ou mesmo pela subnutrição causada pelo tumor, aumente ainda mais o risco de desenvolver formas graves decorrentes do novo coronavírus", diz o cirurgião oncológico Marciano Anghinoni, membro da diretoria nacional da SBCO.

Exposição no hospital

Segundo Anghinoni, uma simples biópsia, colocação de dreno, prótese ou ablação de tumor que o paciente precise fazer em ambiente hospitalar poderá expô-lo ao vírus. "O problema é o paciente ir até um ambiente favorável à infecção. Por isso recomenda-se que o paciente discuta com um especialista se vale a pena fazer neste momento ou se é melhor esperar", diz.

Se com procedimentos menos invasivos a exposição ao vírus já aumenta, imagine com os mais extensos que, ao contrário do procedimento de cirurgia de mama, por exemplo, em que o paciente fica um dia hospital e vai embora, o paciente pode ficar até 15 dias no ambiente hospitalar? "São casos como as cirurgias de câncer de esôfago, de pulmão e pâncreas", diz ele, assinalando que toda interrupção de tratamento deve pesar prós e contras.

Quimioterapia adiada?

Além do adiamento de cirurgias eletivas para câncer estável, a Sociedade Brasileira de Cirurgias Oncológicas recomenda também postergar a quimioterapia para neoplasias menos agressivas.  

"A quimioterapia é prescrita pelo médico quando é a melhor opção de tratamento para o paciente naquele momento. Cada pessoa é única, e deve ser avaliada pelo médico para decisão do melhor tratamento", diz Tiago Tormen, diretor técnico do Hospital Erasto Gaertner, alertando que a quimioterapia pode também tornar o organismo mais suscetível a infecções.

Essa é a recomendação da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica que, em nota, alerta ao paciente que não pare a quimioterapia desde que esteja bem assistido e cumpra as orientações de isolamento, justamente para não prejudicar o tratamento do câncer. "Se o paciente está fazendo quimioterapia e o tumor tem certa agressividade, se busca de modo efetivo realmente aumentar a chance de cura. Então, adiar a quimioterapia é uma questão que deve ser avaliada caso a caso com o médico oncologista clínico, que vai levar em conta a situação clínica do paciente, o comportamento biológico do tumor, o quanto já fez e se parar vai impactar no prognóstico", diz Anghinoni.

"Por outro lado, a  radioterapia é um tratamento local, não tem o mesmo efeito que a quimioterapia na baixa da imunidade, a preocupação é muito menor e somente em casos excepcionais", completa o especialista.

Exames postergados

Entre as recomendações das sociedades oncológicas está a suspensão imediata das consultas e exames de acompanhamento de pacientes assintomáticos, até segunda ordem. "No nosso hospital recomendamos o adiamento das consultas de pacientes fora de tratamento. Pacientes em tratamento e investigação de câncer devem manter a rotina de consultas", diz Tiago Tormen, diretor técnico do Hospital Erasto Gaertner.

"Consultas, exames e acompanhamento daqueles pacientes que já trataram e estão sem o câncer, não fazem mais quimio e estavam só fazendo consultas a cada seis meses para mostrar seus exames, essas pessoas não têm a urgência de irem ao hospital e clínicas, para reduzirem a exposição ao meio", diz Anghinoni.

"Agora, para consultas e exames de casos novos de câncer se recomenda que permaneça. Quem teve um câncer recém diagnosticado deve definir junto ao médico se há ou não urgência no tratamento", finaliza.

Cuidados

Para pacientes oncológicos, valem os cuidados para menor exposição à infecções: evitar contato físico, como cumprimentos com beijos, abraços e apertos de mão.

  • Evitar contato com pessoas provenientes de áreas endêmicas do COVID-19, com ou sem sintomas gripais.
  • Reforçar higienização das mãos com água e sabão ou álcool 70%.
  • Seguir as recomendações de etiqueta da tosse e do espirro.
  • Manter os ambientes abertos e arejados.

Emergências e adiamentos

São consideradas cirurgias elegíveis a serem feitas neste momento para pacientes com câncer, segundo o cirurgião oncológico Marciano Anghinoni, membro da diretoria nacional da SBCO:

Recomendados

Devem se submeter a cirurgias de emergência:

  • Quando o tumor estiver sangrando ou fazendo obstrução intestinal, pois há chance de evoluir a óbito.

Ocorrem ainda casos com certa urgência, em que, se o paciente não for operado, em alguns dias pode haver o óbito, como em situações de:

  • Suboclusão intestinal;
  • Tumores muito agressivos, como os de cabeça do pâncreas, que obstruem o canal do órgão;
  • Pacientes que já fizeram quimioterapia e têm indicação de operar e que, caso não passe por cirurgia em três a quatro meses, como os tumores de pâncreas, via biliares, e às vezes de pulmão, pode-se perder a chance de cura.

Postergados

Sempre a partir de uma análise caso a caso, com orientação do médico, a retirada de alguns tipos de tumores benignos ou mesmo malignos pode ser adiada. São eles:

  • Alguns tumores de pele, não melanoma, como o carcinoma basocelular, por exemplo, que não resulta em metástase;
  • Cânceres que evoluem lentamente, como tumor de próstata em fases iniciais.
  • Em tumores em estado inicial e de baixo grau de agressividade, que demoram meses a evoluir, esses pacientes não têm recomendação de fazer agora a cirurgia.
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