Precisamos fazer nossa parte mantendo distanciamento social, mas temos obrigação de amenizar a carga mental das crianças
Precisamos fazer nossa parte mantendo distanciamento social, mas temos obrigação de amenizar a carga mental das crianças.| Foto: Bigstock

Diariamente, recebo mensagens de pais de crianças e adolescentes pedindo socorro. Recebo também no consultório essa gente tão nova que está passando por um sofrimento tão grande.

São casos que vão desde a ansiedade, manias exacerbadas, medo de sair de casa, até pensamentos de morte. Sim, crianças com menos de 10 anos estão ansiando pelo fim, porque não estão dando conta. Muitos casos requerem até o acompanhamento psiquiátrico com administração de medicamentos, algo que deixa uma marca muito séria nesse ser em desenvolvimento.

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Mas como identificar que nossos filhos estão sofrendo emocionalmente nesta pandemia? O primeiro sintoma é o medo que tira a criança da zona de segurança e a coloca em estado de alerta constante. Medo de pegar coronavírus, de morrer, da morte dos pais, avós ou outros parentes. E esse medo se manifesta também no aumento da ansiedade: eles ficam mais agitados, têm dificuldade de concentração, pensamento acelerado, às vezes uma fala descontrolada, e isso afeta toda a família.

As manias podem surgir: roer as unhas, puxar os cabelos, até tirar os pelos da sobrancelha, ou seja, comportamentos que diferem dos de uma criança tranquila. Um fator que prejudica muito a saúde física e emocional das crianças e adolescentes é a falta de sono – seja por ausência de rotina ou porque não conseguem dormir (aliás, para evitar isso, convém retirar todo o estímulo eletrônico à noite). Por vezes é o sono agitado que impede o descanso reparador.

A depressão é a outra face desse sofrimento: crianças com muito medo de sair de casa, de se relacionar com os amigos, por vezes com pensamentos persecutórios e mente muito acelerada. Surgem ainda os reflexos psicossomáticos: falta de ar, taquicardia, dor de cabeça, sintomas gastrointestinais, como úlceras, e até doenças da pele. Uma consequência da falta de estímulo e socialização relatada pelas fonoaudiólogas tem sido o atraso da linguagem e da comunicação, que acaba retardando a própria construção de pensamento e da escrita.

Ainda mais grave é a mudança de comportamento pelo uso excessivo de telas, que pode se tornar muito grave se não for tratada, especialmente no caso de autismo ou mesmo no desenvolvimento do chamado “autismo virtual”. Em casos extremos, tenho recebido crianças na segunda infância que planejam a própria morte. Você está atento ao seu filho?

É verdade que precisamos fazer nossa parte em nos cuidar, com distanciamento social, tomar a vacina e cobrar os governos por boas decisões, até que a pandemia vá embora. Mas podemos e temos a obrigação de amenizar a luta que esses seres em formação estão enfrentando, sem a capacidade de compreender que nós adultos temos (ou deveríamos ter).

Felizmente, existem algumas diretrizes para amenizar o sofrimento. Em primeiro lugar, é muito importante que haja rotina em casa, com seguimento de horários para refeições e hora de dormir. As crianças também ficam muito mais tranquilas quando passam um período de brincadeira com os pais, e o ideal é que seja logo de manhã. Quando possível, os pais ou outros cuidadores podem se alternar para prover essa atenção.

O tempo para brincadeiras é tão importante quanto o espaço – organizar locais específicos na casa e direcionar as atividades. O tempo de telas, seja televisão, tablet ou celular, deve ser reduzido – o ideal seria uma hora de manhã e uma de tarde – , quando necessário.

Em relação às aulas remotas, considero excessivo o tempo de cinco horas diárias que muitas escolas praticam. Apesar de muitos pais até desejarem isso, é importante lembrar que a própria Organização Mundial da Saúde preconiza limites bem inferiores a isso para o uso de telas entre crianças. As crianças também precisam sair de casa para o ar livre, tomar sol, com a orientação sobre o correto uso da máscara. Da mesma forma, os pais precisam se cuidar, alternando entre si as saídas para exercícios físicos, por exemplo. Dessa forma, cria-se uma válvula de escape para o stress, que funciona como uma verdadeira “panela de pressão” dentro de casa.

Algumas atividades que ajudam a gastar energia e descarregar a tensão da criança são mexer com massinha, areia ou fubá, e, quando possível, brincar na grama, pois tudo isso irá deixá-la mais calma. Para aqueles cujas escolas estão funcionando em lotação reduzida, a recomendação é: visite as instalações, certifique-se do seguimento dos protocolos sanitários, e não deixe de enviar seu filho. Trata-se de um convívio importantíssimo para seu desenvolvimento, com interações fundamentais para a manutenção da saúde mental e emocional.

Por fim, gostaria de deixar uma última recomendação aos pais: tentem filtrar as notícias sobre a covid-19 nas conversas em casa. O ideal é permitir que haja um fôlego, um tempo sem essa pressão externa nesse lugar que precisa ser um porto seguro para as crianças e adolescentes.

*Márcia Canova é psicóloga com abordagem sistêmica familiar, ludoterapeuta e psicopedagoga.

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