Crítica ao Guia Alimentar Brasileiro de 2014 levantou a discussão sobre o impacto real dos alimentos ultraprocessados à saúde
Crítica ao Guia Alimentar Brasileiro de 2014 levantou a discussão sobre o impacto real dos alimentos ultraprocessados à saúde| Foto: Bigstock

Os alimentos ultraprocessados ganharam destaque nesta quinta-feira (17), depois de o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirmar que a classificação a partir do nível de processamento do alimento — feita pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, de 2014 — seria "confusa" e representaria um ataque à industrialização. A afirmação foi feita em ofício da pasta para o Ministério da Saúde, com a solicitação de que o documento fosse revisado com urgência.

Elaborado pela pasta de Saúde há seis anos, o guia traz diretrizes sobre uma alimentação adequada e saudável, e enfatiza a recomendação de que as pessoas prefiram alimentos in natura ou pouco processados nas suas refeições diárias. Por serem alimentos nutricionalmente "desbalanceados", os ultraprocessados devem ser consumidos com moderação, e sendo evitados sempre que possível, em prol da saúde.

"A composição nutricional desbalanceada inerente à natureza dos ingredientes dos alimentos ultraprocessados favorece doenças do coração, diabetes e vários tipos de câncer, além de contribuir para aumentar o risco de deficiências nutricionais", destaca o Guia.

O pedido de alteração do documento pelo Mapa foi enviado à Saúde na terça-feira (15) pouco menos de dois meses após a ministra Tereza Cristina realizar reunião com representantes da indústria de alimentos cuja pauta era justamente a revisão do guia alimentar. No dia 23 de julho, a titular do Mapa realizou videoconferência de uma hora com o presidente-executivo da Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas.

Mudanças solicitadas

Na nota técnica enviada pelo Mapa ao Ministério da Saúde são feitas críticas a classificação de alimentos utilizada no guia, que separa os produtos em quatro grupos de acordo com seu nível de processamento:

  • No primeiro grupo, estão os alimentos in natura ou minimamente processados (como vegetais, frutas, ovos, cereais);
  • No segundo, estão os óleos, açúcar e sal.
  • No terceiro, estão os processados, que inclui alimentos in natura que tiveram a adição de óleos, açúcar sal ou outras substâncias para aumentar sua durabilidade, como conservas.
  • No quarto, estão os alimentos ultraprocessados, geralmente fabricados industrialmente e com substâncias como corantes e conservantes, em refrigerantes, biscoitos recheados e salgadinhos.

De acordo com o guia, esses alimentos — ricos em açúcares, sódio gordura e outras composições industriais — devem ser evitados por aumentarem o risco de obesidade e outras doenças relacionadas a uma composição nutricional desbalanceada, como diabetes, problemas cardíacos e alguns tipos de câncer.

Apesar de vários estudos científicos terem comprovado esses riscos, a nota técnica do Mapa argumenta que "pesquisas demonstram que não existem evidências de que o valor nutricional e a saudabilidade de um alimento estejam relacionados aos níveis de processamento". A pasta diz ainda que a classificação de alimentos ultraprocessados como nutricionalmente desbalanceados seria "uma incoerência".

Contrariando especialistas em nutrição e saúde pública, o Mapa chega a criticar os alimentos in natura e as preparações culinárias feitas em casa, afirmando que a "regra de ouro" trazida pelo guia alimentar (de evitar alimentos ultraprocessados) não alerta que uma alimentação que utiliza "sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias é perigosa".

Em resposta, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) — responsável pela formulação do guia em parceria com técnicos do Ministério da Saúde e com o apoio da Organização Panamericana da Saúde (Opas) — classificou os argumentos da pasta como frágeis e inconsistentes.

Eles destacam que a classificação de alimentos por nível de processamento foi utilizada em mais de 400 estudos científicos e que cinco revisões sistemáticas (pesquisas que reúnem evidências de vários estudos) "demonstraram a associação inequívoca do consumo dos alimentos ultraprocessados com o risco de doenças crônicas de grande importância epidemiológica no Brasil e na maior parte dos países, como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais".

O Nupens/USP afirmou ainda ser "absurda e desrespeitosa" a avaliação do guia alimentar feito pelo Mapa e disse confiar o que o Ministério da Saúde e a sociedade brasileira "saberão responder à altura ao que se configura como um descabido ataque à saúde e à segurança alimentar e nutricional do nosso povo".

O que são os ultraprocessados?

Alimentos ultraprocessados são aqueles fabricados industrialmente e que recebem uma mistura grande de ingredientes. Para distinguir um alimento que foi apenas processado de um ultraprocessado, basta olhar a lista de ingredientes localizada nos rótulos dos produtos.

Quando há cinco ou mais ingredientes listados naquele produto e, principalmente, itens com nomes pouco familiares ou não usados em preparações culinárias, como a gordura vegetal hidrogenada, óleos interesterificados, xarope de frutose, isolados proteicos, agentes de massa, espessantes, emulsificantes, corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e aditivos, esses são considerados ultraprocessados.

Entram nessa classificação os seguintes produtos, de acordo com informações do Guia Alimentar para a População Brasileira:

  • Biscoitos;
  • Sorvetes;
  • Balas e guloseimas em geral;
  • Cereais açucarados para o café da manhã;
  • Bolos e misturas para bolo;
  • Barras de cereal;
  • Sopas, macarrão e temperos "instantâneos";
  • Molhos prontos;
  • Salgadinhos "de pacote";
  • Refrescos e refrigerantes;
  • Iogurtes e bebidas lácteas adoçados e aromatizados;
  • Bebidas energéticas;
  • Produtos congelados e prontos para aquecimento como pratos de massas, pizzas, hambúrgueres;
  • Extratos de carne de frango ou peixe empanados do tipo nuggets, salsichas e outros embutidos;
  • Pães de forma, pães para hambúrguer ou hot dog, pães doces e produtos panificados cujos ingredientes incluem substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos.

Como os ultraprocessados impactam a saúde?

A grande quantidade de ingredientes faz com que os ultraprocessados sejam, com grande frequência, ricos em gorduras, açúcares e sódio, que intensificam o sabor (favorecendo que a pessoa coma quantidades maiores desse produto) e aumentando a durabilidade do alimento.

Uma alimentação que se baseie principalmente em alimentos com essas características favorece o ganho de peso, e isso pode ser comprovado por qualquer pessoa que consuma produtos ultraprocessados de forma exagerada. O excesso de peso, por sua vez, favorece o risco da obesidade, bem como diabete, hipertensão e outras condições de saúde.

Ainda, os alimentos ultraprocessados costumam ser pobres em fibras, vitaminas e minerais, que estão presentes em alimentos in natura ou minimamente processados. As fibras, por exemplo, são substâncias importantes para a prevenção das doenças citadas acima, além dos cânceres.

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