A amizade em Aristóteles: algumas observações.
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Encerrando este breve ciclo sobre a Amizade na perspectiva aristotélica, que resultou nos posts Amizade e Amor Mútuo; Quando tenho um amigo?; e Aristóteles e as três bases da amizade, gostaria hoje de comentar um pouco sobre o autor que iluminou nossas reflexões.

Aristóteles foi o primeiro filósofo a investigar o tema da amizade e organizá-lo, sistematizando suas estruturas e possíveis relações. Daí vem o interesse em continuarmos estudando seu belo trabalho, que está presente em dois capítulos (VIII e IX) de sua “Ética a Nicômaco”. Considerando que este livro tem 10 capítulos, podemos ver como o tema da amizade é importante e extenso na obra de Aristóteles, e de fato durante todo o século XX se estudou bastante sobre o assunto. Por isso mesmo, temos consciência de que as reflexões que trouxemos (e que trouxermos) sobre este autor são mais comentários pessoais a partir do básico da sua obra do que estudos intensos sobre o autor.

Se o leitor percebeu, as citações que fizemos foram feitas de um modo “diferente”. Após a frase destacada, não colocamos uma página do livro, mas um número e uma letra (por exemplo, 1156a). Isso porque existem muitas edições diferentes das obras de Aristóteles, mas todas elas foram tiradas a partir de uma única edição, que reuniu todas as obras deste filósofo, organizada no século XIX por Immanuel Bekker. A citação que usamos de exemplo refere-se, portanto, à página 1156, coluna A, desta edição. As melhores traduções do filósofo trarão, ao lado do texto traduzido, esta indicação, utilizada em todo o mundo. Ao final deste artigo, apresentaremos ainda a bibliografia que utilizamos para a realização destes quatro textos publicados. Não é extensa, mas pode ser um bom início para quem quiser se aprofundar mais sobre o assunto.

Por fim, eu gostaria de explicar, rapidamente, sobre a dificuldade de traduzir a palavra mais básica do tratado: “amizade”. Isso porque o substantivo grego, “Philia”, que traduzimos por amizade, é derivado de um verbo, “to philein”, que significa amar ou gostar. Mas não necessariamente de uma pessoa: os gregos usavam esse verbo para as coisas em gerais, desde os nossos familiares e amigos até aos animais de estimação ou objetos quaisquer (como uma boa garrafa de vinho). Por isso, a tradução mais lógica para aqueles que praticam o philein seria o de “amantes” e os que o recebem, “amados”. Mas como sabemos, este termo, em português, traz um caráter extremamente erótico, inexistente na língua grega. Carecemos de uma palavra com o mesmo sentido: poderíamos até pensar em “ser amigo”, mas ainda assim isso não expressa totalmente o verbo grego.

Você deve ter percebido que, em comparação com os outros três artigos que já publiquei sobre o Aristóteles, esse é o mais técnico e, num primeiro momento, o menos reflexivo. De fato, ele nem é exatamente um texto, mas um conjunto de notas de rodapé que achei importante publicar, sobretudo para aqueles leitores que gostaram do tema e desejam aprofundar mais no seu estudo. No entanto, esta última nota, sobre a tradução do termo philia me parece mais profunda do que as outras: isto porque faz ressaltar que a amizade é amor, e se vivemos para amar, também vivemos para sermos amigos.

 

Bibliografia:

Kraut, Richard. Aristóteles: A Ética a Nicômaco. Porto Alegre, Artmed, 2009

Wolff, Ursula. A Ética a Nicômaco de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 2010

Aristóteles. Nichomachean Ethics. Cambridge (EUA): Harvard University Press, 1934

Aristóteles. Nichomachean Ethics. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2000.

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