Amizade e amor mútuo
| Foto:

No primeiro post sobre a amizade em Aristóteles, falei sobre a importância de querer o outro enquanto outro (eunoia), e no segundo post falei das três características fundamentais da amizade: eunoia, reciprocidade, consciência da amizade. Prometi, ainda, que retomaria a questão da reciprocidade, justamente porque parece haver um entrave entre a eunoia e a reciprocidade (sobretudo para os cristãos, que vão elevar a ideia de “amor ao próximo” a um novo patamar). Para agravar o problema, devemos notar ainda como o próprio filósofo inicia sua reflexão sobre a amizade:

“… a próxima etapa será a discussão sobre a amizade, uma vez que ela é uma virtude ou envolve a virtude, e é uma necessidade absoluta na vida. Ninguém escolheria viver sem amigos, mesmo que tivesse todos os outros bens” (1155a). Ainda mais: um amigo é um “outro eu” (cf. 1170b, 6-7), e toda a ética de Aristóteles se volta para a noção de uma vida feliz, de modo que o nosso agir fundamental seja voltado para o “ser feliz”. Como, então, é possível que tenhamos uma amizade desinteressada, se ela é fundamental para nos fazer feliz, e se de algum modo ela é uma completude de mim mesmo?

Alguns filósofos, ao tentar entender melhor esta questão, conceberam a ideia de “Egoísmo Racional”, em que valorizavam muito a ideia do amigo como “outro eu” e afirmavam que, se o amigo é outro eu e o “eu” precisa ser feliz, então o amigo também precisa ser feliz. No entanto, Aristóteles ressalta muito a ideia de valorização do amigo pelo amigo, e não tendo em vistas a felicidade própria. Creio que uma possível solução possa ser encontrada na compreensão do ser humano como zoon politikon, isto é, animal social. Quando Aristóteles nos dá essa definição do ser humano, lembra que todos nós somos chamados à comunhão, ao diálogo, à vida política. Nós nos organizamos em cidades, clãs, famílias, justamente porque dependemos uns dos outros para existirmos. Ora, a amizade só faz esse laço social ainda mais visível. Faz parte do nosso ser buscar os amigos, que são, como o filósofo diz, os maiores bens que podemos ter. A reciprocidade, por sua vez, não é algo que devemos buscar, mas algo com o qual nos deparamos: amamos alguém, somos amados, e então descobrimos que, nesta relação, há amizade.

Deixe sua opinião