Todo mundo diz que os primogênitos são líderes naturais e os caçulas são mimados. Mas a ciência sustenta essas afirmações
| Foto: Annie Spratt/Unsplash

Todo mundo diz que os primogênitos são líderes naturais, os filhos do meio são rebeldes e o bebê da família é mimado, mas muito seguro de si. Pelo menos, é o que a sabedoria popular nos transmite. Mas algo disso é verdade? E de onde vieram essas concepções?

Na década de 1930, o psicoterapeuta austríaco Alfred Adler foi o primeiro a estudar a ordem de nascimento entre os filhos e seus efeitos sobre a sua personalidade. Ele acreditava que “toda dificuldade de desenvolvimento é causada pela rivalidade e pela falta de cooperação no interior da família”.

Segundo Adler, um filho único nunca precisaria competir pela atenção de seus pais e nunca seria “substituído” por outros irmãos. De um modo similar, o filho mais velho receberia a maior parte da atenção dos pais e provavelmente se sentiria responsável em relação aos irmãos mais novos, o que se refletiria em traços de personalidade como perfeccionismo, laboriosidade e responsabilidade.

Um segundo filho, para Adler, estaria constantemente competindo com o irmão mais velho e tentando alcançá-lo. O filho do meio ficaria espremido entre o irmão mais velho e o mais novo, que poderiam frequentemente ignorá-lo ou se aliar contra ele. Como resultado, o filho do meio poderia se tornar alguém que se irrita facilmente e que é muito sensível a críticas.

O filho mais novo costuma ser o mais mimado da família. Segundo Adler, eles dependem da família mais do que qualquer outro irmão e podem exigir que tudo seja feito em favor deles. Caso esse desejo não seja atendido, eles podem se sentir indesejados, detestados ou até ignorados.

Um novo filho afeta a maneira como a família funciona. Mas Adler sugeriu que outros fatores também têm o seu papel, como o tamanho da família e a saúde, idade, cultura ou sexo da criança. As teorias de Adler continuam a predominar e a ordem de nascimento ainda é uma área importante de pesquisa na psicologia. E o papel do primogênito é um assunto que tem um fascínio particular.

O efeito primogênito

De acordo com um estudo recente realizado na Suécia, os primogênitos têm traços de personalidade mais positivos, como a abertura a novas experiências, a responsabilidade, a extroversão, a afabilidade e uma maior estabilidade emocional em relação a seus irmãos. Como resultado, é mais provável que eles se tornem executivos-chefes e gerentes seniores, enquanto os filhos mais novos – que gostam de correr riscos – com frequência se tornam trabalhadores autônomos.

Os primogênitos tendem a possuir características psicológicas relacionadas à liderança, incluindo a responsabilidade, a criatividade, a obediência e a capacidade de serem influentes. Eles também são mais propensos a ter habilidades acadêmicas e níveis de inteligência mais elevados do que seus irmãos mais novos. Acredita-se que essas qualidades tornem os primogênitos mais bem-sucedidos. Entretanto, o caçula da família é mais propenso a correr riscos, se rebelar, se envolver em comportamentos de risco e ter menos autonomia em comparação com seus irmãos mais velhos.

Existem duas explicações que poderiam justificar esse efeito primogênito. Do ponto de vista evolutivo, os pais favorecem e investem – abrigo e comida – em seus primogênitos para aumentar suas chances de sobrevivência e reprodução. Mas isso tem um custo, porque os pais não conseguem investir a mesma quantidade de recursos no restante da prole.

Assim, os irmãos mais novos precisam competir por esses recursos e atenção limitados. (Portanto, pode ser que a razão de os pais gastarem menos tempo ajudando os filhos mais novos nos trabalhos escolares seja a falta de recursos disponíveis.)

Porém, o caçula costuma receber tratamento preferencial. Isso ocorre porque os pais agora têm a última chance de investir seus recursos. Eles também são mais velhos e tendem a ter mais dinheiro nesse momento. Os pais tendem a investir mais na educação de seus caçulas.

As expectativas dos pais também podem explicar esses traços de personalidade mais favoráveis ​​entre os primogênitos. Os pais tendem a ser mais rigorosos no exercício da parentalidade em relação ao filho mais velho. Eles também o incentivam a ser resiliente, porque querem que ele atue como modelo – e pais substitutos – para seus irmãos mais novos e defenda os valores transmitidos pelos pais.

Os primogênitos geralmente mantêm sua posição primacial e nunca ficam para trás dos irmãos mais novos. A rivalidade e o conflito entre os filhos primogênitos e os nascidos mais tarde são o resultado da necessidade do irmão mais novo de estabelecer sua posição na família. Embora eles tentem competir e copiar o papel de seu irmão mais velho, essa posição privilegiada já tem dono. Os mais novos precisam, assim, se diferenciar para atrair os recursos dos pais, o que poderia explicar seu comportamento rebelde.

Evidências ambíguas

Essas explicações soam sólidas, mas as evidências que apoiam o vínculo entre traços de personalidade e ordem de nascimento são ambíguas. Alguns estudos mostram uma forte associação entre habilidades de liderança e ordem de nascimento, mas outros não apoiam essas descobertas.

As inconsistências nas descobertas podem resultar de fatores que às vezes são negligenciados, como o sexo dos irmãos. O efeito primogênito (e as chances de se tornar um executivo-chefe) é mais fraco em irmãos mais velhos que têm um menino como caçula, em relação a irmãs mais velhas que igualmente têm um menino como irmão mais novo.

O espaçamento entre as idades de cada irmão também precisa ser levado em consideração, pois distâncias maiores entre irmãos resultam em um papel de pai substituto mais reforçado por parte do irmão mais velho e reduzem as rivalidades.

A idade em que a mulher deu à luz também pode influenciar os traços da personalidade dos filhos, porque o fato de a mãe ser mais velha ao ter o caçula pode fazer a diferença e muitos estudos não controlam esse fator. Por tudo isso, parece que os perfis psicológicos dos primogênitos podem ter sido muito generalizados.

*Professora de Psicologia na University of South Wales, no Reino Unido.

©2020 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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