"A súbita morte do pai de família me forçou a assumir inesperada autonomia. Tudo mudou em nossas vidas."
“A súbita morte do pai de família me forçou a assumir inesperada autonomia. Tudo mudou em nossas vidas.”| Foto: Bigstock

Conheci o medo da solidão quando forçada a tomar as rédeas da família como mãe solo. Por razões maiores e aquém da minha vontade e poder, levei adiante o projeto familiar inicialmente construído a dois corações, sozinha... ainda que tomada pelo súbito medo da solidão.

Siga o Sempre Família no Instagram!

Primeiro tive de aceitar a nova condição de mãe solo. Do contrário, o medo continuaria e me impediria de seguir. De fato, o medo me espreitou por um tempo. O novo arranjo de mãe solo de dois pré-adolescentes me exigia decisões a priori mais difíceis do que as já experimentadas com parceiro.

Sentia-me profundamente frágil, insegura e só. Assustada e machucada pelas circunstâncias impostas por uma tragédia, paralisei diante dos novos desafios. Parecia a cada dia morrer em vida e, junto, levando filhos para o mesmo fim. Assim convivi com a morte súbita do parceiro: inicialmente entorpecida pelo medo da solidão; depois, pelo medo de não lograr com o plano familiar. Mas o considerava muito bom para deixa-lo simplesmente sucumbir aos fatos. Decidi, então, me ajustar e quem sabe assim, aperfeiçoa-lo sob nova configuração.

A voz que não conhecia

A súbita morte do pai de família me forçou a assumir inesperada autonomia. Tomada de auto piedade, duvidei de minha capacidade e mergulhei na tristeza. De repente, só e, por isso, infeliz, seguir o plano sozinha perdeu a graça.

Pensei e, por alguns momentos, realmente desejei desistir. Largar de mão, jogar para o alto ainda que não soubesse bem como fazê-lo. Mas voz maior me sacudia internamente quando tomada por tais pensamentos e, então, voltava à realidade para conduzir a vida familiar.

Tudo mudou em nossas vidas. Um piscar de olhos e experimentamos – filhos e eu – o ruir de uma vida construída a partir de um plano amoroso, alegre e cuidadoso. Fora e dentro, tudo – absolutamente tudo – precisou ser repensado e reconstruído. O novo – e completamente desconhecido – diariamente surgia me exigindo atitude e decisão às quais não sabia e me sentia inapta a tomar. Ao mesmo tempo, contudo, curiosamente também passei a escutar uma voz igualmente desconhecida. No meu íntimo um soar instigante ecoava baixinho: "Seu projeto continua. Não tenha medo. Siga adiante."

Mudança que aperfeiçoa

Entre a paralisia e a ação, escolhi sobreviver. Para isso, tive de encarar o medo da imposta solidão assumindo a tal autonomia de mãe solo surpreendida pela vida. Como de esperar, os primeiros passos foram os mais difíceis até que o instinto de sobrevivência cedeu ao senso de dever. O medo da solidão continuava à espreita mas filhos precisavam mais de mim.

Ao despertar para as necessidades de meus bens mais preciosos, uma fresta de esperança em um plano melhor começou a me parecer possível. Ainda que configurada de forma bem distinta do plano inicial, com dor e perdas impresumíveis, finalmente consegui despertar do torpor do medo da solidão e desmistificar seu poder.

Escancarado o fantasma por mim nutrido, quis superá-lo, único meio de assumir minha nova atribuição de mãe de três... solo. À medida em que tomava as rédeas da família com mais determinação, mais entendia a nova configuração familiar como aprimoramento próprio no mundo. Mexer no plano familiar nos aperfeiçoou para o mundo.

O medo da solidão sob nova perspectiva

Quando filho decidiu alçar voo solo e concretizar seus planos ousadamente arquitetados, revivi o conhecido medo da solidão. Agitada pela memória de um sentimento paralisante, me assustei com a ideia de ser novamente tomada pela prostração incapacitante um dia vivida. Desta vez, contudo, a ameaça veio com alerta e, em vez de sucumbir, escutei mais alto a voz interna ecoar: “Não tenha medo. Novos projetos de vida por vir.” A dolorosa experiência de outrora me presenteou com a capacidade de escutar a voz interna sempre a me encorajar em momentos de medo e dúvida a encarar mudanças como oportunidade de aperfeiçoar pessoas... e planos.

Novo olhar sobre a solidão

A vida sem apego a planos foi aprendizado dos mais difíceis Ser mãe solo e, depois, ver filho seguir caminho próprio longe de casa foram algumas das muitas experiências dolorosas que vivi, mas que hoje entendo terem sido parte necessária ao aperfeiçoamento de minha história. Este novo olhar sobre a solidão suscitou nova perspectiva sobre a vida. O medo da solidão um dia sentido tornou minha história mais rica e singular, porque aprendi a viver as surpresas comigo mesma e, sem vitimizações, descobrir a capacidade e a satisfação de seguir adiante... mesmo quando só.

A história muda

Mudar de planos, projetos, mudar de fase... mudança é fato e também necessidade e quem souber se desapegar e ser flexível, seguir adiante vira jornada incrível de aprimoramento pessoal. A paralisia me imunizou contra o medo limitante. Reconfigurar meu plano familiar – e vários outros – aprimorou minha lente sobre a vida para assim encorajar filhos a viverem em um mundo em constante de incontroláveis mudanças. O medo da solidão permanece à espreita mas conhecedora de suas artimanhas não o valorizo mais. Em vez disso, me atento à voz curiosamente descoberta neste processo que a cada dia ecoa mais eloquentemente: “Sua história pode ser melhor do que um dia sequer imaginou. Mude... siga adiante.” E sigo.

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

Deixe sua opinião