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Há sete anos, seis meses e alguns dias, de acordo com suas contas, Maria de Lourdes Silva Araújo vive na instituição de longa permanência para idosos Bezerra de Menezes, na Penha, zona leste de São Paulo. Como as visitas foram canceladas para evitar o risco de contaminação da Covid-19 entre os quase 100 idosos, a maranhense de 82 anos desenha e pinta, na maior parte do tempo. Mas sente falta dos parentes e dos 35 voluntários que iam todos os dias desenvolver oficinas ou atividades de lazer, como apresentações musicais, e de teatro ou simplesmente para fazer companhia.

Dona Lourdes faz parte de um grupo que sofre de maneira ainda mais dramática os efeitos do isolamento social: os idosos das casas de acolhimento. Essas casas foram obrigadas a adotar medidas drásticas. A maioria suspendeu as visitas desde março. Nesta instituição da Penha, atividades de lazer e oficinas foram reduzidas em 80% para diminuir a circulação de pessoas e o risco de contágio. Hoje, elas são realizadas apenas por um orientador socioeducativo com máscara e luvas.

Só existe contato dos idosos com os trabalhadores essenciais. Os poucos com autonomia para atividades externas não têm mais o direito de ir e vir. Duas famílias decidiram levar os idosos temporariamente para casa. “É um período muito triste”, diz a ex-empregada doméstica Romilda Feliciano, que está no abrigo há 14 anos e tem uma agulha de tricô nas mãos.

O jardim se tornou um dos locais mais frequentados da instituição. Além de vistoso e bem cuidado, o espaço tem um muro de vidro que permite uma visão ampla da Rua Dona Vicentina Alegretti. No jardim, eles leem, passeiam, fazem crochê, conversam, ouvem música, olham o movimento e até acenam para quem passa. Essa parede isola, protege, mas também aproxima os idosos do mundo lá fora. A reportagem não teve acesso direto aos idosos. Vê-los? Só por essa parede de vidro. Ninguém está com suspeita de Covid-19, nem mesmo gripe comum.

Como a maioria dos idosos sabe o que está acontecendo, vê e entende o que está passando na TV, a pandemia mudou o convívio interno. Eles trocaram os abraços e beijos nos funcionários pelos coraçõezinhos com as mãos. A distância é motivo de preocupação até na hora do banho de sol. “No começo, foi difícil evitar um abraço e dizer que não pode”, diz a gerente de serviço Cristiane Duque.

O telefone é o único elo com a família. Os celulares – nem todos têm o seu – são simples, só fazem e recebem ligações. A maioria das chamadas é feita no aparelho fixo do setor de serviço social. Aos 85 anos, Geraldo Teressani liga para os dois filhos todos os dias. Ele trabalhou como lustrador de móveis por mais de 40 anos e está no local desde o ano passado.

Além da moradia e alimentação, o local oferece atendimento de equipe multiprofissional. Os quartos são coletivos, com 16 leitos cada um, separados em alas feminina e masculina. Além do endereço na Penha, a instituição acolhe mais 53 idosos em Itaquaquecetuba, região metropolitana. A pandemia teve impacto na situação financeira dos dois endereços. As duas casas dependem de doações de dinheiro ou alimentos e insumos. Desde o início da pandemia, a queda foi de 80%.

A saída foi recorrer às campanhas de pedido de ajuda nas redes sociais, mas elas não têm sido suficientes para cobrir as despesas mensais de cerca de R$ 850 mil. Por isso, a instituição pede ajuda. “A situação é dramática. Ainda não existem programas definidos pelo governo federal, estadual ou municipal de apoio às instituições como a nossa, que estão sofrendo muito”, diz Cristiane.

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Videochamadas

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Na outra ponta da cidade, na zona oeste, o telefone também se tornou a principal união dos 46 idosos da Morada do Sol, em Perdizes, com as famílias. Mas ali os aparelhos permitem videochamadas. As conexões são feitas, quase sempre, com ajuda dos funcionários. Mesmo assim, o uso da tecnologia como forma de compensar a falta do contato físico ainda causa estranhamento. “É comum perguntarem como o filho foi parar dentro do aparelho celular”, diz o proprietário Armando Iaropoli Neto.

A instituição de Perdizes que recebe idosos com mais de 80 e cobra entre R$ 8 mil e R$ 13 mil também cancelou visitas, mas criou uma campanha nas redes sociais para compartilhamento de abraços virtuais. Dezenas de fotos de idosos com cartazes com frases como “Daqui a pouco mataremos a saudade. #Vai passar” circulam na internet. A instituição tem 30 quartos individuais, duplos e triplos, com internet e TV por assinatura.

O risco de contaminação diminuiu o fluxo de pessoas e suspendeu atividades. A instituição não permitiu o contato do Estado com idosos ou parentes. Os funcionários argumentam que as famílias estão fragilizadas com o distanciamento.

Há grande preocupação com o isolamento dos idosos porque fazem parte do grupo de risco da Covid-19 – entre eles, o índice de letalidade é de 14,8%. Número elevado quando comparado aos índices de morte entre jovens, que é de 0,2%.

Um profissional, exclusivo da instituição, cuida de atividades terapêuticas na Morada do Sol. Funcionários recebem máscaras para ir e voltar ao trabalho diariamente e, no início dos plantões, passam por triagem para medição de temperatura e questionário de saúde. Eles também recebem vale combustível para se deslocar em seus carros, organização de caronas e uso de transporte por aplicativos. Cuidadores particulares foram incluídos nos treinamentos e seguem as mesmas diretrizes.

Situação vulnerável

Lares como Bezerra de Menezes e Morada do Sol são instituições de longa permanência de idosos (ILPI), voltados a pessoas com 60 anos ou mais, com diferentes graus de dependência. Podem ser públicas, filantrópicas ou privadas.

A prefeitura de São Paulo possui 14 ILPIs, que oferecem 480 vagas. De acordo com o poder municipal, os locais são higienizados constantemente, as janelas estão mantidas abertas e as camas foram remanejadas para que haja 1 metro de distância entre os idosos. Mesmo com os cuidados, algumas identificaram casos suspeitos de Covid-19. Nessas situações, os idosos ficam isolados, com remanejamento de hóspedes. Situações mais graves são encaminhadas para os serviços de saúde.

As atividades coletivas na maioria das instituições municipais foram interrompidas e as visitas, canceladas. “Muitos idosos das nossas instituições não recebem visitas. Foram abandonados pela família ou são pessoas em situação de rua há muito tempo. Todos estão preocupados. Eles sabem que têm uma situação vulnerável e têm receio mais que os outros, mas estamos tentando manter a rotina”, diz Berenice Gianella, secretária de Assistência e Desenvolvimento Social.

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Para lembrar

A cidade de São Paulo registrou na semana passada as primeiras duas mortes confirmadas por Covid-19 nas Instituições de Longa Permanência para Idosos. Ao todo há ainda quatro casos suspeitos. Levantamento do Ministério Público Estadual mostra que em 678 estabelecimentos públicos, privados e filantrópicos há 29 casos suspeitos da doença e 15 confirmados em 17 instituições.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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