É preciso enxergar o filho adolescente pelo que ele é e está se tornando, e não pelas diferenças saudosistas da criança que já foi| Foto: Bigstock
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Certo dia, fui surpreendida por inusitada pergunta de filho adolescente (ou você pensa que quando filho é adolescente perde a capacidade de fazer perguntas, e além de tudo, incomuns?):

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- Mãe, no que sou bom?

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- Como assim? Não entendi. - respondi um tanto perdida.

- Ué... no que você acha que sou bom? Tenho que responder essa pergunta pra um trabalho na escola mas não sei o que dizer... Saco, o cara viaja!

Também não sabia responder àquela inusitada pergunta. Nunca havia analisado filho adolescente tão criteriosamente. Ainda que não lhe poupasse elogios, me desconcertei. A momentânea incapacidade de lhe responder sobre suas qualidades mais notórias me alertou sobre sua essência ainda a ser descoberta. Precisei de tempo para aquela resposta.

A inusitada pergunta de filho adolescente

Ainda engasgada com a inusitada pergunta de filho adolescente, lhe pedi tempo disfarçadamente:

- Ah, filho... você é sensível, fiel às suas amizades...

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- Aaah, mãe! Quero saber o que faço bem! Simples, pô! - insistiu irritado; decerto reconhecendo que, de simples, a inusitada pergunta não tinha nada.

Na mesma medida perturbada e embaraçada, respondi a questão tentando devolver ao "dono do problema" a responsabilidade de se desvendar desde cedo:

- Bem, eu tenho minha opinião - disse disfarçando minha própria dificuldade de resposta - mas te sugiro: que tal refletir sobre a pergunta antes de escutar minha opinião?

E em uma sofrida e torturante prova de presença de espírito, parafraseei a pergunta como meio de torna-la mais palatável e, sobretudo, "desvendável"... a ambos:

- Então: o que você faz bem naturalmente e te rende elogio ou, quem sabe, a aproximação de pessoas a você por isso?

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O vácuo do silêncio e o semblante pensativo escancararam o que antecipadamente temia: a dificuldade de responder àquela inusitada pergunta, na verdade, muito longe de ser simples. A resposta permaneceu pendente e, ambos, frustrados, nos demos um tempo.

A desconexão com filho adolescente

Frequentemente reclamava de desconhecer filho adolescente repetindo frases de quão diferente ele se tornara na nova fase de vida. Por exemplo: me ressentia - e lhe exprimia o mau sentimento - de não mais reconhece-lo como o menino de outrora.

Apegada à criança do passado, não sabia mais quem ele estava se tornando. Recusando-me a aceitar o adolescente do presente em busca de identidade própria e naturalmente diferente de antes, me ceguei às suas novas habilidades e capacidades em construção.

A inusitada pergunta soava simples mas, na verdade, escondia uma complexidade inquietante. Enfim desperta para a acobertada recusa e negação do jovem em expansão, enxerguei de repente minha desconexão com filho em nova fase de vida e descobertas sobre si mesmo.

Filho adolescente de outro ângulo

Neste hiato, a inusitada pergunta incomodou o bastante para se fixar em minha mente por dias e dias. Por meio dela, entendi mais as constantes lamúrias expedidas contra filho adolescente onde residiam conflitos internos típicos de mãe de adolescente resistente às mudanças de filho.

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A inusitada pergunta perdurou em mim além do que filho sequer imaginasse. Inicialmente movida pelo desejo de ajuda-lo no exercício de autoconhecimento; depois, por assumir também meu dever de aproximar-me mais dele, agora adolescente, para desvenda-lo como realmente é e está se tornando hoje.

Às custas de muito esforço, fui mudando minha lente sobre filho e adolescência. Precisava. Devia. Enxerga-lo de outro ângulo se tornou necessidade absoluta. Só então conseguiria (re)conhecer o adulto em crescimento e amadurecimento... em formação.

O aprendizado aprimora

Atenta ao filho, observei mais - e melhor - suas atitudes; passei a escutar - de fato e pacientemente - suas ideias e opiniões; me dispus - conscientemente - a escutar mais do que falar, a perguntar mais do que julgar e a considerar mais do que criticar. Surpreendentemente, a relação ganhou novos ares; as de adultos que, de fato, se relacionam.

Abandonada a lente infantil, permiti ao filho experimentar ser quem quisesse, se desapegar de quem um dia foi e buscar quem quisesse ser hoje. Sua "personalidade tão mudada" - como costumava apontar - deixou de ser motivo de reclamações e comparações; se tornou meio de descobrir o novo indivíduo em crescente formação e busca de identidade própria. Enxergar filho adolescente não só me surpreendeu como me agitou por dentro. Menos pelas diferenças saudosistas do antes e agora; mais pela constatação de sua natural - e saudável - transformação diária e perene. Observar suas mudanças de comportamento, perceber a solidificação de sua personalidade e notar seu progressivo amadurecimento evidenciaram o adulto almejado... por ele.

Pais e professores viajam

Descobrir as próprias habilidades e aptidões é exercício complicado, longo e difícil, inclusive a adultos. Ingênuo crer portanto, que de uma só tacada teria a resposta pronta àquela difícil pergunta. Somente a partir das dicas - enfim evidentes aos meus olhos de mãe então atentos e limpos da lente do passado infantil - poderia ajudar filho a responder com mais propriedade à sua inusitada pergunta.

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Foi quando depois de muitos dias refletindo e ajustando a nova lente sobre filho adolescente que inspirada pelo novo olhar e caminho encontrados, retomei o tema com ele:

- Filho, voltando àquela inusitada pergunta sobre você posso te dizer que descobri novas e talvez das mais preciosas: além das habilidades que já vínhamos discutindo sobre, seguramente você me faz ser pessoa melhor a cada dia porque abre meus olhos para novas possibilidades de ver a vida e você de ângulos diferentes do habitual.

- Ai, mãe... pirou? Que que isso significa? Não sei como isso pode me ajudar no trabalho da escola, mas tudo bem... vou incluir na lista que iniciamos juntos. Aliás, acho que já podemos parar por aqui porque tá grande e o professor viajandão vai reclamar disso. Saco! Nêgo viaja demais...

A jornada de crescimento de pais e filhos

Tornar-se adulto independente e autônomo é exercício que começa cedo e traz muitas inquietações a toda família. Desta pergunta aparentemente simples, tive de deixar as respostas superficiais para conhecer filho adolescente de perto e mais profundamente.

Na verdade, responder questões do adolescente são eterna construção que vai ganhando forma a cada fase da vida. Às vezes demora a vir e o hiato denuncia nossa resistência em mudar de lente para enxergar mais e melhor o próprio filho.

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Consegui troca-la por uma atualizada e menos manchada pelo passado; descobri mais sobre meu adolescente e mim mesma. A nova ótica evidenciou mais do que imaginava e, a partir dela, nos aprimoramos mutuamente.

A lista ficou “longa” e não me engano: mudará continuamente. A resposta, talvez profunda demais ao meu adolescente em amadurecimento, seguramente me desafiará no decorrer da vida, mas este é o exercício de autoconhecimento: complexo, longo, profundo... inquietante para todos; inclusive para pais dispostos a completa-lo... junto com filho.

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês