Foto: Secretaria de Comunicação/STF
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Lenise Garcia é doutora em microbiologia e professora da Universidade de Brasília. Além disso, há 12 anos ela é a presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto, o grupo mais relevante no que diz respeito à luta contra o aborto no país. Durante a audiência pública sobre o aborto, que o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou no início de agosto, Lenise destacou a necessidade de se dar atenção à toda essa movimentação, olhando sob a perspectiva do neocolonialismo econômico, como o interesse de empresas que querem se estabelecer no Brasil. Ela também mostrou que o parâmetro de 12 semanas para que o aborto seja feito é arbitrário e não se sustenta com fundamentação científica. Confira a entrevista do Sempre Família com Lenise:

 

Sempre Família: Para sugerir a descriminalização do aborto, os defensores da prática colocam como parâmetro a 12ª semana de gestação para que seja a “data limite” em que a mulher possa abortar. Quais fatores são ignorados na definição dessa data?

Lenise Garcia: dizer que a vida começa com 12 semanas é uma incoerência tão grande que é até difícil de argumentar. Porque é preciso dizer o óbvio: nenhum mês começa pelo dia 12. Se falo que “deve estar com 12 semanas” estou logicamente contando a partir da primeira. Mas, qual é de fato o ponto a partir do qual eu tenho que contar a vida de um embrião? É na fecundação, porque é nela que surge um novo ser vivo, um novo individuo humano com todas as características marcadas no DNA. A vida humana, como toda vida tem as suas próprias características e é um processo contínuo. Eu não posso dizer que tenho o que seria um ser humano em formação e só depois um ser humano pronto, já que tudo em nós está em contínuo processo desde a nossa geração, na fecundação, até nossa morte. Eu não sou hoje igual ao que eu era quando eu tinha 40 anos, 20 anos, 5 anos, 1 ano, quando eu nasci ou quando eu estava sendo gestada. Há características que variaram durante todo esse tempo, no entanto eu sou sempre a mesma pessoa. Então, essa identidade que existe no ser humano desde a sua fecundação até sua morte, ela precisa ser evidentemente considerada e faz parte da dignidade humana. Se eu desconsidero essa dignidade em qualquer momento desse processo, com muita facilidade eu vou desconsidera-la em outros momentos. Por isso que a nossa constituição fala que não posso fazer distinção a nenhuma pessoa em idade e nem do que é direito básico à vida.

 

SF: Então porque essa referência de 12 semanas é tão usada?

Lenise Garcia: a referência de 12 semanas consta no texto da ADPF 442 e é admitida por alguns porque quando o assunto foi debatido nos Estados Unidos houve a divisão da gestação em três trimestres. A etapa de primeiro trimestre foi a que se considerou mais segura para a mulher que iria fazer um aborto. Ou seja, não tem relação com o desenvolvimento do embrião, porque realmente suas características já estão bastante definidas desde muito antes. Isso quer dizer que desde a 11ª, 12ª e 13ª semana eu não tenho modificações consideráveis e nem perceptíveis no feto, ele só muda de tamanho. É entre a 5ª e a 10ª semana que eu tenho uma modificação bem expressiva da aparência externa e dos órgãos internos do feto. Então, pensando no desenvolvimento fetal, esse limite de 12 semanas não tem nenhum sentido.

O sentido – e isso está muito relacionado ao tamanho -, tem relação com o método que se poderia utilizar para a realização do aborto, mas mesmo isso tinha a ver com as técnicas dos anos 70. Agora já mudou muito, principalmente depois do aborto medicamentoso como a principal metodologia utilizada em diferentes momentos da gestação. E esse fato, de que não há nada relevante na 12ª semana que possa justificar um embasamento científico para se marcar essa “data”, é perceptível inclusive na legislação dos países que permitem a realização do aborto, já que há uma variação muito grande.

Em Portugal, por exemplo, é permitido até a 10ª semana. Já em vários outros países é na 12ª; na Argentina discutia-se a 14ª semana e na Inglaterra a 24ª semana – ou seis meses. Inclusive, na Inglaterra, quando foi estabelecido esse prazo, ele se referia à possibilidade de sobrevida extrauterina. Com o desenvolvimento da medicina isso também já mudou. A Inglaterra tem tido grandes debates sobre isso, já que hoje a criança que nasce com 20 semanas tem grande chance de viver. A medicina superou aquilo que era usado como argumento para justificar o momento de se fazer aborto. Então, na verdade, é uma definição arbitrária de quem resolve pedir o aborto. Não há base científica para se estipular essa “data”.

 

SF: Qual a relação do conhecido caso Roe x Wade, que resultou na legalização do aborto nos Estados Unidos, com a instauração da ADPF 442 aqui no Brasil?

Lenise Garcia: a inicial da ADPF 442 cita várias vezes o caso Roe x Wade, que é o caso que foi à Suprema Corte norte-americana e acabou permitindo a liberação do aborto naquele país. E é um caso emblemático, porque ele surge de uma mentira. Nela, a pessoa que assume o codinome de Roe chama-se na verdade Norma, e ela admitiu anos mais tarde que mentiu ao dizer que havia sido violentada. Na verdade a gravidez vinha de uma relação consensual. Inclusive, quando o assunto foi à Suprema Corte, a criança já havia nascido e sido adotada. Ou seja, ela não abortou a criança. Mesmo assim, como o julgamento tinha o potencial de liberar o aborto, a corte de então resolveu julgar o caso.

Depois, Roe se arrependeu profundamente de seu papel na história e se tornou uma militante pró-vida. Ela faleceu recentemente e até a sua morte ela foi militante pró-vida, participando de atividades e dando depoimentos de sua história. Agora, isso evidentemente não teve a publicidade que deveria, mas é um fato muito conhecido no meio pró-vida. Há muitas publicações que trazem a história dela, mas a grande mídia nunca repercutiu esse posicionamento e principalmente a denúncia que ela fez do quanto isso tudo foi uma grande mentira.

 

SF: A senhora fala em sua explanação sobre o desenvolvimento econômico dos países mais ricos e cita o fato de que eles cresceram em cima da escravidão e colonização. Como o interesse das ONGs estrangeiras pró-aborto pode ser considerado um neocolonialismo?

Lenise Garcia: a inicial da ADPF 442 fala várias vezes que nos países desenvolvidos o aborto já está aprovado. Isso chama a atenção, primeiro, pelo fato de que a ADPF é proposta pelo PSOL, um partido que costuma criticar a política desses países, que certamente não são em todos os aspectos uma referência moral. Como comentei em minha fala, muitos desse países enriqueceram com base no colonialismo, no tráfico de escravos, por isso faço essa relação. Acho que é um tipo de neocolonialismo o fato de muitas ONGs e empresas estrangeiras estarem tão interessadas em nós. Essas empresas, aliás, financiam as ONGs para que pareçam mais humanitárias, mas são empresas que atuam na prática do aborto. Elas ganham dinheiro fazendo isso e estão procurando o mercado brasileiro.

Então, é preciso analisar sob a perspectiva do neocolonialismo econômico os interesses muito claros dessas empresas que querem se estabelecer no Brasil para fazer abortos aqui. Aliás, fala-se em fazer aborto pelo SUS, mas sabemos que o SUS não tem condição de assumir essa tarefa. Na prática, quem vai fazer o aborto aqui são essas ONGs e empresas estrangeiras. Há grandes multinacionais investindo financeiramente para o aborto ser liberado por aqui.

 

SF: Em sua explanação a senhora lembra da ADPF 54, que trata da questão dos anencéfalos. Pode explicar a relação entre a ADPF 54 e a ADPF 442?

Lenise Garcia: quando da discussão da ADPF 54 e do próprio julgamento dela no Supremo Tribunal Federal, os ministros fizeram questão de colocar no caput da ADPF 54 o termo antecipação terapêutica do parto da criança com anencefalia, isso porque houve muita insistência de quem defendia a ação em dizer que não se tratava o aborto. Inclusive, falei na audiência da ADPF 442, sobre a citação do então advogado Luís Roberto Barroso, no julgamento da ADPF 54, que dizia claramente que aquilo não era aborto.

Várias pessoas que naquela época defendiam a ação diziam que não estavam falando de aborto. Então é curioso que agora eles usem aquela ADPF como precedente falando que é um tipo específico de aborto, de aborto por causais.  Eles estão entrando em contradição com o que eles disseram naquela altura, que era antecipação terapêutica do parto e não aborto.

Além disso, na ADPF 54 se argumentou muito sobre os exames pré-natais que são feitos por volta da 12ª semana e onde se faz o diagnóstico da criança com anencefala. Eu insisti naquela época, de que é na verdade um prognóstico com base no não fechamento da calota craniana, e não sabemos ali como vai se desenvolver mesmo a criança. A prova disso é que temos crianças que foram diagnosticadas com anencefalia intrauterina, e que poderiam morrer logo que nascessem, mas viveram anos. Então isso mostra que o diagnóstico não é tão certeiro assim.

De qualquer forma, a insistência de quem defendia a ADPF 54, era de que era possível fazer o diagnóstico seguro porque o feto com anecefalia era mal formado e não havia desenvolvimento cerebral. Então, se é possível fazer o diagnóstico, embora sem tanta segurança em relação ao desenvolvimento, então quer dizer que a criança com o desenvolvimento normal já tem cérebro. Não posso diagnosticar uma ausência de cérebro a não ser que admita que o desenvolvimento normal é de um feto com cérebro. Portanto, não venham argumentar na APDF 442 de que o feto com 12 semanas ainda não está formado e nem tem cérebro.

 

SF: Outro dado apresentado em sua explanação refere-se ao número de nascimentos de crianças com Síndrome de Down, na Espanha. Pode falar mais sobre esse estudo?

Lenise Garcia: o estudo feito pela Tereza Vargas evidencia de um modo muito claro que há um aumento no número de abortos das crianças em que é feito o diagnóstico intrauterino da Síndrome de Down. Isso porque não há nenhuma outra justificativa para que diminua o número de nascimentos das crianças com a síndrome. Então, cada vez que se facilita de forma geral o aborto, eu tenho uma diminuição nas crianças nascidas com a Síndrome de Down. Na Espanha, atualmente, dá para fazer o cálculo de que pelo menos 2/3 dos fetos com a síndromes estão sendo abortados. Há países que até se gabam de não ter mais Downs nascendo. Isso evidencia um comportamento eugênico, que leva alguns países a não terem nascimentos de crianças assim e cria uma mentalidade de que essas crianças são responsabilidade só dos pais e não da sociedade e do governo. Elas se desobrigam de auxiliar essas famílias, uma vez que foi escolha delas que essas crianças nascessem com deficiência. No entender desses países eles nem deveriam ter nascido.

 

SF: Por fim, por que você acha que a liberação do aborto não pode ser considerada um favorecimento aos direitos da mulher?

Lenise Garcia: fala-se da liberação como um direito da mulher, mas as entidades que auxiliam mulheres que querem abortar têm a experiência clara de que boa parte das vezes há uma pressão de que ele seja realizado. Há inclusive casos em que são forçados, porque não é a vontade da gestante ou porque há muita dúvida dela em relação ao ato. Ela é pressionada externamente pelo pai da criança ou até por seus próprios pais quando ela é ainda muito nova. Essa mulher acha que não terá apoio e às vezes tem vergonha de dizer que está grávida, mas as entidades veem que quando ela decide contar, e ganha ajuda para acompanhar a gestação, a família aceita e compreende. Então é toda uma pressão psicológica que existe sobre a gestante, para ela realizar o aborto, mas quando ela o faz quem sofre as consequências físicas e psicológicas é ela. O aborto não é solução nem para a criança e nem para a gestante. Ela tem toda essa consequência posterior.  É preciso achar outra solução para o amparo dessas mulheres.

 

Assista à exposição de Lenise Garcia na audiência pública sobre aborto, no STF:

 

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