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Na semana passada, o Senado argentino derrotou uma medida que legalizaria o aborto o país nas 14 primeiras semanas de gestação. O intenso debate entre as diferentes posições a respeito do tema lembrou aquele que se deu recentemente na Irlanda, outro país com raízes católicas. Mas por que o resultado foi diferente nos dois países? O professor Charlie Camosy, da Fordham University, de Nova York, elencou quatro razões em um artigo publicado na revista Catholic Herald. Confira:

 

  1. O posicionamento da mídia

A reviravolta legal na Irlanda surgiu quando ativistas pró-legalização decidiram instrumentalizar a morte da dentista Savita Halappanavar em favor da legalização do aborto. Halappanavar morreu aos 31 anos, em outubro de 2012, em um hospital de Galway, na Irlanda. O hospital e o governo irlandês concluíram que sua morte foi causada por uma sepse não diagnosticada, mas a versão que se espalhou antes do fim da investigação dava conta que ela teria morrido por ter tido um aborto negado.

A mídia e os políticos compraram essa versão da história. Na Argentina, ativistas também usaram um caso de 2015 em que uma menina de 14 anos foi morta pelo namorado por ter ficado grávida. A diferença é que lá, ainda que a maior parte dos grupos de mídia também seja favorável ao aborto, há exceções relevantes – o jornal La Nación, por exemplo, publicou um contundente editorial posicionando-se contra a legalização. Na classe política, a diversidade de posicionamentos é ainda maior, fato que não se observava entre os parlamentares da Irlanda. O resultado é que na Argentina se seguiu um debate acirrado sobre o tema, enquanto na Irlanda os ativistas pró-legalização tinham a influência da mídia completamente do seu lado e uma enorme vantagem no campo político.

 

  1. Líderes pró-vida femininas

Em ambos os países, os ativistas favoráveis à legalização foram apoiados por líderes homens que, embora dissessem ser contra o aborto, mudaram de opinião ou adotaram uma postura ambígua. O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, por exemplo, fez campanha como pró-vida, mas mudou de opinião depois de eleito. Mauricio Macri, o presidente da Argentina, também deixou claro que lavaria as mãos e não vetaria a lei caso o Senado a aprovasse, embora na campanha tivesse dito o contrário.

A diferença é que na Argentina, deputadas e senadoras levantaram a voz contra a postura do presidente. A senadora Silvina García Larraburu, por exemplo, acusou Macri de tentar distrair o país da economia em crise e da falta de apoio às mulheres. A senadora Marta Varela também sublinhou a hipocrisia em dizer-se favorável aos “direitos das mulheres” enquanto milhares delas sofrem devido à carência de serviços sociais e de saúde. Até mesmo a vice-presidente Gabriela Michetti se disse contrária ao projeto de lei.

 

  1. Resistência às pressões externas

Embora alguns veículos de mídia tenham tentado propagar a mensagem de que a Argentina seria católica demais para levar adiante um projeto de lei como esse, não custa lembrar que em 2010 o país se tornou o primeiro da América Latina a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo – a despeito do empenho firme dos líderes católicos, inclusive do então cardeal Jorge Mario Bergoglio, contra a proposta.

Fato é que se o lado pró-vida tem sempre a Igreja Católica ao seu lado, o lado pró-aborto não é exatamente um movimento espontâneo proveniente do povo. Diversas ONGs sediadas em países desenvolvidos, como a Anistia Internacional e a International Planned Parenthood Federation, pressionaram a Argentina e a Irlanda pela legalização. Em um claro exemplo de imperialismo neocolonial, a Anistia Internacional pagou uma propaganda de página inteira no The New York Times expressando a sua posição, dizendo “o mundo está assistindo”. A diferença é que a Argentina não se importou com isso, como não se importou com a Igreja Católica oito anos atrás.

 

  1. Estatísticas questionáveis

Quando o assunto é aborto, nunca é demais lembrar que um dos precursores do movimento pela legalização nos Estados Unidos, Bernard Nathanson, não teve pudor em admitir que inventava as estatísticas sobre mulheres que morriam por aborto ilegal como uma tática de sensibilizar a população para a sua agenda. Nos debates recentes na Argentina e na Irlanda, o inchaço estatístico voltou a atacar. O ministro da Saúde argentino, Adolfo Rubinstein, por exemplo, alegou que acontecem 354 mil abortos clandestinos todos os anos no país – metade do total anual de nascimentos.

Um dado explorado pelos defensores da legalização é que o índice de morte materna na Argentina é de 50 para cada 100 mil nascimentos. A maior parte dos países desenvolvidos – que, em sua maioria, permitem o aborto – têm uma taxa menor do que 10. Porém, o mais justo seria comparar a Argentina não com países desenvolvidos da Europa, mas com seus vizinhos. O Chile, por exemplo, tem leis sobre o aborto tão restritivas quanto a Argentina, mas um índice de mortalidade materna de apenas 20,5. Diferentemente da Irlanda, porém, o país latino-americano soube resistir a essa tática de desinformação – na verdade, ela acabou se tornando mais uma carta na manga das senadoras que denunciaram o ativismo pró-legalização como uma cortina de fumaça para os verdadeiros problemas do país.

 

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