Numa relação tão intensa como a conjugal, o casal está exposto todo o momento à possibilidade de atritos, mas viver essa relação a partir da humildade é fundamental para que o casamento suscite o que há de melhor em cada um dos cônjuges
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“Tira as sandálias de teus pés, porque a terra em que estás é santa”. A imagem, que vem da tradição judaica – está no livro do Êxodo –, tem muito a dizer não apenas sobre a relação com uma figura divina, mas sobre as relações interpessoais que tecemos em nossa vida. A consciência de entrar em território sagrado quando atravessamos o umbral da vida de alguém é um elemento fundamental na relação entre pais e filhos, entre amigos, entre professores e alunos, entre desconhecidos e ainda mais naquela relação singular que é a do casamento – quando duas pessoas provenientes de origens e formações diferentes resolvem ser companheiros de caminho e compartilhar a vida um com o outro.

Tomada a sério, a virtude da humildade se identifica com essa sensibilidade diante do outro. Numa relação tão intensa como a conjugal, o casal está exposto todo o momento à possibilidade de atritos, mas viver essa relação a partir de uma humildade autêntica pode ser um elemento decisivo para que o casamento suscite o que há de melhor em cada um dos cônjuges.

“O que se vê muito nas relações é que as pessoas querem ensinar umas às outras. Quero ensinar à minha esposa que o jeito como eu entendo a vida é mais interessante, quero ensinar que devemos passar o fim de semana com minha família, quero ensinar que não se faz determinado tipo de coisa... Isso se torna motivo de atrito, porque a outra pessoa, que vem de outro contexto, também quer ensinar o jeito dela para mim”, explica o psicólogo Matheus Vieira. “Estamos quase que falando de duas pessoas que se acham donas da verdade, querendo empurrar aquilo que elas entendem como certo uma para a outra”.

Enquanto desde essa posição arrogante, tudo o que queremos fazer é ensinar e controlar, encaixando o outro nos nossos esquemas, a postura humilde é precisamente a abertura para aprender e surpreender-se. “Se estou disposto a aprender com a minha esposa – mesmo que esteja tudo bem eu ter meu próprio jeito de ver as coisas –, eu vou querer entender de qual lugar ela enxerga o mundo. Quando a outra pessoa se dispõe ao mesmo, a gente diminui consideravelmente os atritos, porque já não são duas pessoas brigando para ensinar, e sim duas pessoas dispostas a aprender”, avalia o psicólogo.

Requisito para o diálogo

Só a partir dessa postura, o caminho do diálogo é possível. “Uma vez que eu tenha aprendido porque a outra pessoa pensa daquele jeito, consigo conversar e explicar por que eu penso diferente e assim a gente pode construir um acordo”, orienta Vieira. É por isso que, em um relacionamento como o conjugal, a humildade é uma atitude que deve ser assumida por ambos os esposos.

“Em um relacionamento no qual a humildade é requerida apenas para um dos cônjuges, já não se trata de humildade, mas de humilhação. Humilhado é alguém que é desrespeitado e subjugado aos desejos do outro e não é visto e nem considerado em suas ideias, sentimentos e desejos. Isso acontece quando um dos cônjuges se mantém arrogante e narcisista, impondo predominantemente as suas vontades e decisões”, esclarece a psicóloga Clarice Ebert. “É importante lembrar que subjugações e desrespeitos são características de relacionamentos tóxicos e abusivos, e que requerem atenção”.

Por isso, não pode haver confusão entre a beleza de um relacionamento vivido a partir da humildade diante do outro e a assimetria de um relacionamento que anula o outro, humilhando-o. “A humildade, para ser entendida como virtude, deve ser compreendida como uma postura de alguém que sabe de suas próprias limitações e fraquezas. Pessoas humildes agem de acordo com essa ciência de si mesmas e dificilmente projetam sobre outros a necessidade de se mostrarem superiores”, explica Clarice. “Dessa forma, a humildade é uma postura que favorece uma interação saudável para a vida conjugal”.

“Ser humilde no contexto do casal é se colocar no lugar de aprendiz, se colocar no lugar de quem ouve, de quem reconhece que não é o dono da verdade – não é porque a sua vida toda foi de determinado jeito que para todas as pessoas funcione desse mesmo jeito”, completa Vieira. “Quando isso acontece, os casais tendem a ser mais saudáveis e felizes e a ter relacionamentos mais longevos”, finaliza.

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