As confidências dos pais acabam atraindo para os filhos uma sobrecarga emocional de algo que não lhes cabe.
As confidências dos pais acabam atraindo para os filhos uma sobrecarga emocional de algo que não lhes cabe.| Foto: Bigstock

Na convivência familiar é comum que um dos pais, ou ambos, acabem confidenciando problemas matrimoniais aos filhos como forma de desabafo. Porém, tal prática, que inicialmente pode parecer inofensiva, é extremamente prejudicial para o desenvolvimento das crianças a curto e longo prazo.

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A primeira consequência, e a mais séria, é a abertura que se dá para as crianças participarem da discussão do casal, de forma direta ou indireta. Isso pode acarretar nos filhos um sentimento de culpa pelas desavenças matrimoniais ou uma exigência de si mesmas para que tomem um partido, escolhendo um dos pais para defender, o que prejudica seu desenvolvimento afetivo e emocional.

“A criança precisa ter seu espaço, seus próprios problemas característicos da idade e não deve resolver os problemas do casal”, alerta Ana Flávia Oliveira Souza, psicóloga. “Se os pais não buscarem ter essa privacidade, os filhos carregam os problemas junto e os membros da família se tornam muito dependentes um do outro, prejudicando tanto o desenvolvimento pessoal das crianças como o relacionamento dos pais com os filhos”.

Sobrecarga emocional

As confidências dos pais acabam atraindo para os filhos uma sobrecarga emocional de algo que não lhes cabe. Com isso, o desenvolvimento da inteligência emocional das crianças é prejudicado, fazendo com que elas se sintam incapazes de resolver as coisas por si próprias, uma vez que ao interferirem no casamento dos pais, os filhos acreditarão que qualquer um poderá ajudá-los a resolver seus próprios problemas.

Além dos prejuízos no desenvolvimento das crianças e no vínculo familiar, a psicóloga explica que confidenciar aos filhos os problemas conjugais, ainda que de forma involuntária, pode impactar os futuros relacionamentos afetivos que as crianças venham a ter durante a vida adulta. Já que, assim, irão crescer com a ideia de que os filhos devem ajudar a resolver os problemas do casal.

Até onde se abrir com os filhos?

Os pais devem ter um cuidado com o limite do que partilham com os filhos, principalmente quanto aos problemas pessoais com o cônjuge. Afinal, muitas coisas as crianças não precisam ter conhecimento, principalmente se não as afetam. “Alguns pais acreditam que se contarem tudo para os filhos irão ajudá-los de alguma maneira, mas na prática isso não se realiza” esclarece Ana Flávia.

A psicóloga acredita ser muito importante que os pais distingam a relação de paternidade e maternidade com a de amizade com os próprios filhos, afinal não é saudável considerá-los amigos, pois os papéis desempenhados em cada relação são diferentes.

“É claro que será proporcionado carinho e amor ao filho, mas os pais precisam ter responsabilidade de saber o que cabe a cada um, inclusive a educação que devem proporcionar às crianças com certa firmeza”, explica ela.

Alienação parental

Além dos problemas emocionais e afetivos que podem ser desenvolvidos pelas crianças, queixar-se dos problemas do matrimônio para o filho pode ser considerado alienação parental. Isso porque, essa prática consiste em uma interferência na formação psicológica dos filhos, uma vez que a criança pode desenvolver sentimentos negativos com relação ao pai ou à mãe, ou então resultar em algum tipo de prejuízo em seu vínculo com eles.

“Isso pode ocorrer tanto de forma intencional quanto não intencional”, explica Daniela Felippe, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões. “Existe uma ideia geral de que a alienação parental seria somente um ato intencional, por exemplo, um pai ou mãe falar diretamente mal daquele outro com a intenção de que o filho fique com esses sentimentos negativos, mágoas ou não queira mais conviver com esse pai. Porém pode se dar de forma não intencional também”.

A alienação parental pode estar presente em pequenas falas e reclamações do dia a dia, até mesmo em um pequeno desabafo que pode induzir a criança, ainda que de forma não intencional, a ter raiva ou ficar chateada com um dos pais.  

“A verdade é que, sempre que um cônjuge está desabafando ao filho de modo a descrever características negativas em relação ao outro, isso poderá configurar ato de alienação parental. Há, ainda, situações de alienação parental quando o cônjuge desabafa sobre o outro em relação as suas atitudes de criação com o filho”, alerta a advogada.

Daniela esclarece que a alienação parental existe em diversos níveis – do mais leve, ao mais grave –, apesar de existir uma concepção incorreta de que alienação parental corresponde apenas atitudes graves. Por conta disso, as pessoas não se atentam aos pequenos atos de alienação, uma vez que acreditam que tais atos “leves” não possuam consequências reais.

Se as queixas de um dos cônjuges estiverem interferindo no relacionamento da criança com o outro cônjuge, entende-se, segundo a advogada, como forma de descumprimento do dever inerente à autoridade parental. “Tal premissa é importante, pois entendemos que descumprimentos de deveres legais devem ter consequências” afirma Daniela.

A advogada aponta uma a complexidade ainda maior quando se trata de um descumprimento parental durante o casamento. Isso porque “a lei não diferencia a prática da alienação durante o casamento ou após o divórcio para aplicação de suas consequências e medidas cabíveis”, explica ela.

Alerta

A criança dá sinais de que está tomando para si a sobrecarga do casal através do baixo rendimento escolar, de tendências a se isolar, da adoção de um comportamento agressivo com os amigos da escola e, até mesmo, quando, ao reclamar dos pais, apresentar uma postura de culpado pelos acontecimentos.

Percebendo os sinais, os cônjuges devem dialogar sem abrir os problemas para os filhos e, se necessário, procurar atendimento terapêutico, evitando tratar os filhos como juízes de quem é certo ou errado.

Por fim, a psicóloga esclarece que é possível reverter os efeitos negativos já causados a partir do momento que o cônjuge para de envolver os filhos nas discussões. “E se por algum acaso o filho desenvolveu algum problema mais grave, é indicado que a criança seja acompanhada de forma individual por um terapeuta”, orienta.

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