Shirley Ordônio e seus três filhos: Leonardo, Letícia e Camila.
Shirley Ordônio e seus três filhos: Leonardo, Letícia e Camila.| Foto: Arquivo Pessoal

Shirley Ordônio tem 45 anos, reside em Curitiba/PR, mas é paulistana “já nascida na correria da vida”. A longo dos anos, conquistou sua independência, cresceu profissionalmente, se casou com o Marco Antônio. Mas todo esse crescimento foi enraizado e fortificado com a maternidade, ela trouxe mudanças não somente na vida de Shirley, mas da sociedade.

Leonardo, seu filho mais velho, tinha apenas 1 ano e 8 meses quando Shirley engravidou da Camila e da Letícia, tudo corria bem até que no segundo mês de gestação, os pais descobrem que acontecia uma transfusão feto fetal - condição rara em gêmeos, quando um suga os nutrientes do outro -.

“Letícia sugava os nutrientes do cordão umbilical da Camila. Ela estava bem, precisava ficar no ventre. Já Camila estava em sofrimento fetal, precisava sair para ver se conseguíamos trata-la aqui fora”, explicou a mãe. A partir desse momento a vida do casal se transforma, a cada dia, uma descoberta. Exames contínuos e uma ecografia a cada 2 dias são incluídos na rotina.

“Se a minha vida mudou nesse período, a do meu marido também mudou. Ele teve um consultório odontológico durante 20 anos e acabou fechando, devido às ausências, ao novo ritmo da vida. Ele sempre me acompanhou. Hoje está na área de Engenharia Civil, a vida dele mudou completamente”, relembra Shirley.

A gravidez continuou, com todos os cuidados necessários, mas no 6º mês da gestação foi preciso realizar uma cesárea. Letícia que estava bem, dentro do útero, quando saiu teve uma parada cardiorrespiratória. Já Camila, que preocupava a todos, não teve nenhuma sequela.

O diagnóstico

A mãe começa a perceber que a as filhas tinham um desenvolvimento diferente. Segundo ela, Letícia deixava o pescoço mais mole, o olhar era disperso/distante. Aos 8 meses de idade, foi diagnosticada com Leocomalácia Periventricular - tratada como uma paralisia cerebral-.

O diagnóstico é tratado como uma paralisia cerebral. Hoje, aos 11 anos, Letícia não fala e não anda. “Saí do hospital e a sensação era como se eu tivesse pisado num buraco, estava sem chão. Eu e meu marido chorávamos muito. ”, recorda Shirley.

Após o diagnóstico, a mãe começa a pesquisar sobre tratamentos, inclusão e acessibilidade, entra também para grupos de mães com histórias parecidas. Paralelo às pesquisas, a realidade diária, com constantes adaptações na família, no trabalho, dificuldade em encontrar creches com um trabalho inclusivo, busca por escolas, posteriormente.

  • Hoje as gêmeas têm 11 anos de idade Foto: Arquivo Pessoal
  • Irmãs Gêmeas: Letícia e Camila Foto: Arquivo Pessoal

As mudanças trouxeram novas ideias e projetos

A família tinha o costume de ir aos parques e numa dessas idas, enquanto Leonardo e Camila brincavam com as outras crianças e Letícia estava em sua cadeira de rodas, os pais adaptaram o assento da cadeira ao balanço do parque.

“Quando eu empurrei a Letícia foi a primeira vez que ela deu uma gargalhada em toda sua vida, muito alta. Eu consegui ouvir a voz da Letícia. E não só eu, todo mundo ouviu. Todos ficaram parados, olhando para ele. As crianças, os pais das crianças, foi uma coisa muito forte. Letícia estava participando da brincadeira. Ali, deixou de ser invisível, as crianças reparam que ela estava lá, as crianças queriam empurrá-la, brincar com ela”, detalha a mãe.

Nesse momento, nasce um sonho e um projeto: parques inclusivos, brinquedos inclusivos, o lazer presente nas pautas inclusivas. Com esse intuito, em 2012, Shirley cria o Projeto LIA: Lazer, Inclusão e Acessibilidade.

“Lazer é qualidade de vida, a família pode ter e proporcionar o lazer para as pessoas com deficiência, junto com as pessoas sem deficiência. Eu criei o projeto para meus filhos brincarem juntos ”, enfatiza.

O Projeto LIA

O LIA ganhou corpo e foi apresentado à sociedade e as autoridades, atualmente está presente em 17 estados. Em Limeira/SP uma das cidades que abraçou o LIA, as próprias mães arrecadaram dinheiro, compraram os brinquedos e doaram à prefeitura para a instalação; Em Ariquemes/RO, a mão de obra para a construção do 1º parque inclusivo foi de detentos do regime semiaberto.

  • Shirley e sua filha, Letícia, num brinquedo inclusivo Foto: Arquivo Pessoal
  • Parque Inclusivo em Curitiba/PR - Parque Barigui Foto: Arquivo Pessoal

Em Curitiba/PR, sede do Projeto LIA, o Projeto de Lei sobre o lazer inclusivo foi apresentado em 2014 e só aprovado em 2019, onde para que isso se concretizasse foi necessário fazer ajustes na lei, alterando então o Código de Posturas do Município (Lei 11.095/2004), incluindo o inciso de ACESSIBILIDADE nas obras e projetos, especificando também a necessidade de implantação de brinquedos e equipamentos de lazer acessíveis a pessoas com deficiência nas praças, parques e demais espaços de uso público da capital paranaense. A cidade hoje conta com 5 parques com brinquedos acessíveis, o último inaugurado foi o Parque Barigui, em 08/10/2021.

O presente e o futuro

“Sonho em criar o Instituto LIA, mas na realidade queria que o projeto acabasse, porque quando acabar significará a gente já conquistou o lazer inclusivo e que o poder público já se apropriou disso e colocou em prática”, diz Shirley.

A mãe finaliza lembrando que muito do seu trabalho com a inclusão não se deu somente pelas experiências vividas pela Letícia, pelas suas limitações, mas pelo fato das filhas serem gêmeas.

“Todos os dias eu acordo com a beleza da igualdade, porque elas são gêmeas idênticas, e com a diferença dos direitos. Todos os dias está estampado na minha cara o desenvolvimento da Camila e da Letícia, em cada fase da vida delas. Olho para as duas e penso nas coisas que a Letícia poderia estar fazendo e não pode, quais direitos ela poderia ter e ainda não tem ”.

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