Musical Matilda
Musical Matilda| Foto:

A família da menina de 12 anos, Lilian Hardy, que desempenhou o papel principal no multipremiado musical “Matilda”, produzido pela Royal Shakespeare Company, enfrentou recentemente problemas em função do homeschooling. Ela nunca foi à escola, sendo sempre educada em casa.

Os pais da menina chegaram a receber ameaças de multa e de processo judicial caso não matriculem a filha em uma escola, uma vez que negaram-se a cumprir ordens emitidas pelo Conselho Local de Westminster.

A notícia repercutiu em todos os grandes jornais de Londres e acrescentou ingredientes capazes de  apimentar ainda mais a grande discussão que está em curso na Inglaterra,  sobre a possível introdução da obrigatoriedade de registro das famílias educadoras inglesas em órgãos governamentais.

O caso tem características peculiares, uma vez que o homeschooling é totalmente liberado na Inglaterra, e os pais não precisam avisar ao governo sobre esta opção, a não ser no caso de alunos regulares do sistema de ensino oficial que passem a praticar a educação domiciliar. O que está no centro da discussão é o limite de ação do governo na fiscalização e acompanhamento das atividades executadas pelas famílias educadoras.

Entenda o casoWePlann_Blog4nov_ES_musical_Outdoor

O musical “Matilda” está em cartaz há quase uma década, com grande sucesso nas apresentações ocorridas em diversos países. A cada seis meses a produção do espetáculo seleciona quatro meninas para o papel principal, exatamente para evitar perdas relacionadas ao ensino das pequenas atrizes.

Lilian Hardy foi uma das escolhidas no ano passado, e quando os produtores solicitaram um documento para licença de trabalho infantil, o Conselho Local de Westminster verificou sua situação escolar e exigiu que os pais apresentassem provas de que ela estava recebendo uma educação adequada, ou efetuassem a matricula da menina em uma escola, no prazo de quinze dias.

Os pais de Lilian, Edward e Tracy Hardy, anteciparam-se e apresentaram amplas amostras do desenvolvimento educacional da filha e registros de materiais educativos produzidos por ela, além disso o pai participou de uma entrevista no Conselho Local. Mas negaram-se a permitir que a filha fosse entrevistada por um consultor do governo ou a apresentar atestado de validação emitido por um agente profissional da área do ensino, por considerarem estas exigências exageradas e frutos de uma injusta perseguição.

A legislação atual da Inglaterra não exige que os pais matriculem os filhos em escolas, e nem mesmo precisam registrar esta opção, seguir o currículo nacional ou realizar testes padronizados, desde que ofertem a educação domiciliar. Há previsão de uma supervisão estatal, mas esta não deve ser constrangedora às famílias, entrevistas pessoais e uma investigação mais profunda estão reservadas somente para os casos de crianças em risco ou em situações de ensino não adequado. A família Hardy entendeu que o Conselho Local extrapolou suas atribuições ao tratar o caso de Lilian.

Tracy Hardy, cujo marido trabalha em uma escola primária londrina, afirmou que “Lilian realmente prosperou em ser educada em casa, de maneiras que regularmente nos surpreenderam e nos encantaram e que também esclareceram para mim, como educadora, como as crianças aprendem melhor por meio da liberdade de seguir seus interesses. As autoridades locais têm poderes suficientes quando vêem um problema. Mas esse ‘se’ é fundamental. Tem a ver com o conceito britânico fundamental de presunção de inocência, que está consagrado na lei do Reino Unido. Se o estado não tem evidência de um problema, como no nosso caso, então é realmente importante que as autoridades estaduais não tenham o poder de intervir, para que as crianças e suas famílias possam ser deixadas em paz para trabalhar seu próprio talento”.

Em outro trecho de carta enviada aos jornais britânicos, o casal Hardy manifestou a firme convicção de não ceder às exigências de Westminster, e a disposição de lutar pelo que entendem como direito da família. Pretendem recorrer se necessário aos órgãos superiores do governo inglês e até mesmo submeterem-se a prisão, mesmo considerando que isso jamais será necessário. Esta firmeza tão radical deve-se ao fato de que pretendem utilizar este caso para marcar posição em favor da comunidade de famílias educadoras, que vem opondo-se firmemente à disposição do governo em passar a exigir registro oficial e supervisão, até hoje inexistentes.

Grande parte dos praticantes do homeschooling na Inglaterra mobilizam-se contra este endurecimento da legislação, por considerá-lo indevido, argumentando que as autoridades desconsideram os bons resultados obtidos pela maioria das famílias, e que o governo não tem condições de provar que os abusos e situações de violência contra crianças que pretendem evitar com este novo sistema de registros, ocorrem com maior incidência entre os que praticam a educação domiciliar. A intenção é evitar um excessivo controle sobre as famílias, e a ingerência de agentes públicos que desconsiderem o avanço e os resultados apresentados, estabelecendo critérios vagos ou acima do razoável.

Parece que os ingleses estão travando uma batalha fundamental para definição das fronteiras de liberdade educacional, num país onde o número de crianças educadas em casa não para de crescer, sendo estimados em mais de 80.000 atualmente.

De um lado o governo justificando-se com a necessidade de conhecer e controlar possíveis desvios que prejudiquem crianças, e de outro as famílias educadoras recusando-se a aceitar qualquer nova regra que considerarem invasiva, que os classifiquem como se fossem violadores em potencial e assemelhados a criminosos, ou ainda que os impeçam de educar os filhos como acharam melhor.

No Brasil, uma batalha deverá ocorrer no dia 30 de agosto, quando espera-se que o Supremo Tribunal Federal declare a constitucionalidade da Educação Domiciliar, e as famílias consigam exercer uma plena liberdade educacional, sem empecilhos por parte do governo.

No entanto, preparando-se para uma possível intenção por parte do governo federal de impor regulamentos, já ocorrem estudos e discussões sobre qual deveria ser o conteúdo apropriado e que venha a ser aceito pelas famílias educadoras.

Em breve poderemos saber o final desta história, tanto da Inglaterra quanto do Brasil. E que ambos sejam finais felizes!

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