Mesmo no grupo de risco, o pároco Julio Lancellotti coloca máscara e avental diariamente para distribuir alimentos, roupas e kits de higiene a quem precisa: “não podemos abandonar justamente agora quem está mais vulnerável”.
| Foto: Reprodução/Facebook

Sem material de higiene, local adequado para dormir ou alimentação saudável que fortaleça a imunidade, quem mora nas ruas fica exposto à Covid-19 e não tem o mínimo necessário para prevenir a doença. Por isso, um padre de São Paulo decidiu unir voluntários e ajudar quem vive nessas condições no bairro da Mooca, zona leste da capital paulista. “Não podemos abandonar justamente agora quem está mais vulnerável”, afirmou o clérigo Júlio Lancellotti, de 71 anos.

Ainda que faça parte do grupo de risco e precise de mais cuidado para não ser infectado, ele preferiu trocar o isolamento pelo uso diário de máscara e avental durante a distribuição de café da manhã, roupas e kits de higiene à população de rua. Além disso, recebeu ajuda de enfermeiros e outros profissionais de saúde para orientar essas pessoas a respeito do novo vírus.

“Eles ensinam a lavagem correta das mãos, como proteger os outros ao tossir e a importância de evitar aglomerações”, explica o pároco, que procura atender os participantes em grupos menores, reparte frascos de álcool em gel entre eles e os incentiva a trocar abraços e apertos de mão por um novo cumprimento: a batida de cotovelos. “Precisamos ajudá-los a se prevenir como for possível”.

A ação referente à pandemia começou na última semana e deve continuar todas as manhãs, de domingo à sexta-feira, na Paróquia São Miguel Arcanjo. Para isso, o padre conta com o apoio de voluntárias como a jornalista Teresa Cristina Ribeiro que, mesmo sem pertencer à fé católica, admira o trabalho e faz questão de participar. “Aprendi desde criança que o pouco que a gente tem é uma fortuna para quem nada tem”, relata a paulista, que auxilia na separação das doações, prepara parte do café da manhã e entrega os itens. “E sempre vemos situações que nos marcam”, diz.

“Aprendi desde criança que o pouco que a gente tem é uma fortuna para quem nada tem”

Segundo ela, a mais recente ocorreu na última terça-feira (24), depois de quase mil pessoas terem recebido pão com mortadela e um copo de leite puro oferecidos pela equipe. “Só que ainda chegaram três pessoas com muita fome e não tínhamos mais nenhum alimento”, recorda a mulher, emocionada ao lembrar da cena. “O padre teve que falar para eles virem no dia seguinte e eu vi como ficou triste. Mesmo ajudando tantas pessoas, ele se sente impotente”.

"Voz das ruas"

É por isso que, além de arrecadar e distribuir itens de necessidade básica, o idoso – conhecido como “voz das ruas” – também se esforça para solicitar ações do poder público que favoreçam a população sem moradia. Uma delas, por exemplo é a abertura de abrigos durante a pandemia e, para pressionar as autoridades a oferecer esses serviços, o pároco lançou um abaixo-assinado online. “A cidade de São Paulo tem, segundo o último censo, mais de 24 mil pessoas morando nas ruas”, escreveu na petição. Então, “o que será dessa população e de toda cidade durante a pandemia do coronavírus?”, completou.

Até esta sexta-feira (27), a iniciativa contava com mais de 175 mil assinaturas e cinco espaços já haviam sido disponibilizados pela prefeitura da capital para abrigar doentes, indivíduos com sintomas e demais pessoas em situação de rua. O padre também ofereceu o prédio da Casa de Oração do Povo da Rua, que ele coordena em São Paulo, para acolher até 50 homens diagnosticados com Covid-19. No entanto, o local ainda não precisou ser utilizado.

Após a petição, pias também foram instaladas na região central da cidade para facilitar a higienização das mãos de quem não tem onde morar e novas abordagens começaram a ser realizadas por equipes da prefeitura a fim de direcionar essas pessoas a ambientes seguros. No entanto, o padre Júlio garante que isso ainda não é suficiente e que todos precisam compreender sua responsabilidade diante da pandemia.

“Ao invés de enxotar um morador de rua e mandá-lo embora por causa do medo, vá com a sua máscara e luva, e seja solidário”

“Ao invés de enxotar um morador de rua e mandá-lo embora por causa do medo, vá com a sua máscara e luva, e seja solidário”, incentiva o religioso, ao sugerir que a população ajude com um lanche, uma bebida e itens de higiene. “Todo mundo pode fazer isso e, de um em um, vamos diminuir o número de pessoas que vêm nos procurar todas as manhãs, pois já estarão alimentados e agradecidos”.

Como ajudar

Ainda que o trabalho de conscientização a respeito do novo coronavírus seja novo, as ações realizadas pelo padre Julio em favor da população de rua na paróquia São Miguel Arcanjo e também na Casa de Oração do Povo de Rua existem há anos. Por isso, é possível colaborar em qualquer período do ano por meio de voluntariado ou doações. Para ajudar, basta entrar em contato com o pároco pelas redes sociais.

Deixe sua opinião