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Sem lesões aparentes nos olhos e com habilidade para tocar diversos instrumentos musicais, cantar e se apresentar com desenvoltura nos palcos, fica difícil para o público perceber que Luciane Pereira é cega. “Teve até uma vez em que um homem ficou bravo porque eu não olhava para a plateia”, recorda. “Ele ficou me chamando de orgulhosa e jogou uma bebida no meu pé”, lembra Luciene, com um sorriso.

A paraibana de 41 anos nasceu com retinose pigmentar, condição hereditária que destrói as células da retina e não tem cura. Por isso, precisou aprender desde cedo a usar outros sentidos para se locomover dentro e fora de casa, ajudar a família nas tarefas no dia a dia e brincar com os sete irmãos em um sítio no município nordestino de Lagoa Seca. “Lá eu subia em tudo que era alto”, lembra Luciene, que também desenvolveu ainda na infância sua grande paixão: a música.

Foto: Arquivo pessoal/Luciene Pereira Foto: Arquivo pessoal/Luciene Pereira

Com audição muito aguçada, aos três anos de idade ela já repetia melodias que ouvia e encantava quem estivesse por perto. “A primeira música que cantei foi ‘A Benção João de Deus’, que ficou muito famosa quando o papa João Paulo II veio para o Brasil, em 1980”, recorda. Por isso, assim que seu pai percebeu o talento da pequena, começou a convidar todos que iam à residência da família para ouvi-la. “E ele dizia que eu já era cantora”.

Aos poucos, Luciene se acostumou com as apresentações, aumentou seu repertório e se tornou a primeira criança a ingressar no coral do Instituto de Cegos de Campina Grande, onde estudou até completar 11 anos de idade. “Depois, fui estudar em João Pessoa e lá aprendi a tocar violão, flauta e teclado. Tudo de ouvido”. Para isso, ela ficava atenta à explicação dos instrutores, repetia os acordes apresentados e dedicava bastante tempo aos treinos. “Tinha duas músicas difíceis que eu queria aprender [Sampa e Esquadros], então me esforcei para isso e fiquei super feliz quando consegui”.

Só que as conquistas na área musical nem sempre se repetiam na sala de aula e a garota tinha dificuldade para acompanhar o conteúdo apresentado por alguns professores, principalmente nas disciplinas de matemática, química e física. Nessas matérias, os educadores tinham o costume de resolver exercícios no quadro sem descrever em voz alta os passos seguidos, o que complicava o aprendizado de pessoas como Luciene. “Eles começavam a explicar as operações e diziam: ‘tarara… chegou aqui, cortou’. Aí eu falava: ‘professor, o senhor cortou meu raciocínio”, lembra. “E eu sempre pedia para ele repetir”.

A situação incomodava alguns colegas e, por isso, além de se esforçar para acompanhar o conteúdo, a jovem ainda precisava lidar com comentários negativos desses estudantes. “Lembro que eles faziam aquilo para me desestimular mesmo, mas eu fingia que não ouvia e tocava o barco”, afirma a nordestina, que tirava boas notas e conseguiu concluir o Ensino Médio.

Vida musical 

Foto: Reprodução/Vídeo/Luciene Pereira Foto: Reprodução/Vídeo/Luciene Pereira

Após a formatura, ela continuou focada no sonho de trabalhar com música e logo foi convidada para assumir a vaga de vocalista em um dos grupos de forró de maior sucesso na década de 1990: a banda Anjos e Demônios. A rotina de viagens era intensa e Luciene ouvia sua voz ecoando em todas as emissoras. “Era só a gente girar aquele botão que tinha nos rádios antigos para ver que nossas músicas tocavam naquela estação e também na outra, e na outra. Era algo realmente inacreditável”.

O número de fãs cresceu e a fama de Luciene continuou durante o lançamento do segundo e do terceiro trabalho em estados como Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte. Só que o sucesso foi diminuindo aos poucos e a cantora saiu da banda para iniciar novos projetos no Sul do país. “Mudei para o Paraná, me formei em Gestão de Produção Industrial e comecei a trabalhar nessa área”, relata a atual moradora de Curitiba, que agora divide sua rotina entre o trabalho em uma agência bancária e a paixão musical.

Luciene realiza apresentações na capital paranaense cantando sucessos de MPB e forró, e também toca violão, pandeiro, triangulo, ganzá e Cajon. “Não estou focada totalmente na música, mas amo cantar e não vou parar nunca”, garante a paraibana, que aproveita para incentivar outras pessoas com deficiência a lutarem por seus objetivos. “Não importa qual seja nossa condição física ou social, somos capazes de chegar onde quisermos”, garante. “Claro que pode até demorar um pouquinho, mas o importante é não desistir nunca”, finaliza a cantora, que agenda shows pelo telefone (41) 99940-5029.

Assista uma das apresentações de Luciene em sua carreira solo:

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