Foto: Museu do Holocausto de São Paulo
Foto: Museu do Holocausto de São Paulo| Foto:

Música, xale sobre os ombros, leitura da Torá em hebraico e a fita sagrada tefilin enrolada no antebraço. Tudo seguia o padrão de um tradicional Bar Mitzvah realizado para marcar a maioridade do jovem judeu Andor Stern perante a lei religiosa, exceto por um detalhe: em vez de ter acabado de completar 13 anos – idade em que o adolescente participa da cerimônia – o brasileiro sobrevivente do Holocausto tem 91. “Acabei não fazendo isso na época que deveria porque o antissemitismo na Hungria era terrível”, contou em entrevista ao Sempre Família.

Foto: Museu do Holocausto de São Paulo O sobrevivente realizou seu bar Bitzvah com 78 anos de atraso. Foto: Museu do Holocausto de São Paulo

Segundo Andor, que saiu do Brasil com sua família aos três anos, os colegas na Europa o isolavam durante as aulas por ser judeu e não permitiam que frequentasse os mesmos lugares que eles. “Fui expulso do clube em que eu nadava, não podia patinar no mesmo grupo que os outros da minha idade e sofria discriminação pelos alunos e professores”, relata. “E isso foi piorando aos poucos durante os anos 30 até chegar ao ponto de sermos despachados para Auschwitz”.

Essa rede de campos de concentração estava localizada no sul da Polônia, se tornou o maior símbolo do Holocausto e hoje traz lembranças dolorosas para Andor. “Eu e meus pais fomos deportados no mesmo vagão de trem e nos despedimos ali”, recorda o sobrevivente, que viajou até o centro de extermínio durante uma semana sem alimento, banheiro ou informações a respeito do destino.

Ao chegarem a Auschwitz, o jovem foi separado da família para trabalhar, mas seus pais seguiram para a câmera de gás com as crianças e judeus mais velhos que estavam fracos após a longa viagem. “Quando vi a fumaça saindo pela chaminé naquele dia, eu sabia que eram eles, e essa lembrança não é nada agradável”, afirma. “Perdi muita gente”.

“Quando vi a fumaça saindo pela chaminé naquele dia, eu sabia que eram eles, e essa lembrança não é nada agradável”.

Com aproximadamente 15 anos, o brasileiro natural do bairro Bixiga, em São Paulo, passou 13 meses no campo de concentração sentindo fome, angústia, saudade e vendo milhares de pessoas entrarem nas câmeras de gás e não voltarem de lá. De acordo com ele, entre seus parentes diretos e indiretos das linhagens materna e paterna, 93 perderam a vida no Holocausto. Ao todo, cerca de 6 milhões de judeus foram mortos no genocídio.

Foto: Museu do Holocausto de São Paulo Ao todo, 93 parentes de Andor perderam a vida no Holocausto. Foto: Museu do Holocausto de São Paulo

O tormento físico terminou em maio de 1945, quando ele e outros sobreviventes dos campos foram libertos por soldados americanos após as tropas aliadas venceram a Segunda Guerra. Só que a partir desse momento, Andor – conhecido no Brasil como André – precisou lidar com as lembranças que ficaram e decidiu se afastar da prática do judaísmo na tentativa de lidar com suas memórias. “Me maltrataram tanto quando fui parar no campo que eu não queria nem passar perto do bairro dos judeus depois que a guerra terminou”. Nos meses seguintes ele voltou ao Brasil.

Realização do sonho

Recentemente sua história foi publicada no livro “Uma estrela na escuridão”, de Gabriel Davi Pierin, e agora vai virar filme. Foi durante a produção desse livro e do longa-metragem, inclusive, que André conheceu a equipe do Memorial do Holocausto de São Paulo, comentou que nunca havia realizado seu esperado Bar Mitzvah durante a adolescência e recebeu a proposta de participar em um. “Aí me trataram com tanto amor, carinho e gentileza, que não pude negar”.

Foto: Museu do Holocausto de São Paulo Andor tem até hoje os dígitos 169S8 tatuados no braço. Foto: Museu do Holocausto de São Paulo

O evento foi realizado na Comunidade Judaica de São Paulo no último dia 11 de novembro e festejado com 78 anos de atraso e muita alegria. “Até repeti as palavras da Torá em hebraico sem entender absolutamente nada”, brinca Andor, que não conseguiu conter as lágrimas no momento em que o rabino beijou os dígitos 169S8 tatuados em seu braço esquerdo.

Para ele, a marca que carrega é uma lembrança diária para lutar contra a guerra e jamais esquecer o mal causado pela intolerância. “Hoje aproveito cada oportunidade para pedir às pessoas que se amem, respeitem as outras e sejam tolerantes”, diz. “Com isso, as coisas que vivi nunca precisarão se repetir”.

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