No fim de fevereiro deste ano, Henrique resolveu marcar ponto na tradicional Feirinha do Largo da Ordem, em Curitiba, segurando um cartaz improvisado e oferecendo as aulas.
No fim de fevereiro deste ano, Henrique resolveu marcar ponto na tradicional Feirinha do Largo da Ordem, em Curitiba, segurando um cartaz improvisado e oferecendo as aulas.| Foto: Gerson Klaina/Tribuna do Paraná.

Quando o amigo Hikmat (Henrique) Daoud Hanna, de 88 anos, saiu para um passeio num domingo de manhã, a aposentada Jacira da Silva, de 72, dona do apartamento que divide com ele em Curitiba, jamais imaginou que, no dia seguinte, daria de cara com uma foto de Henrique estampada nas redes sociais oferecendo aulas gratuitas de inglês. Muito menos que o dia que parecia tão comum, só mais um na rotina de dois idosos, se tornaria notícia e encheria o seu celular de mensagens.

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Isso ocorreu quando, no fim de fevereiro deste ano, Henrique resolveu marcar ponto na tradicional Feirinha do Largo da Ordem segurando um cartaz improvisado oferecendo as aulas. A presença dele próximo da Igreja da Ordem foi notada por uma fotógrafa que fez um clique e resolveu se aproximar, para matar a curiosidade sobre o fato de um idoso estar oferecendo aulas de inglês grátis. O resultado do bate-papo foi publicado no Facebook e foi o que bastou para a história viralizar.

Ao dar atenção para ele, a fotógrafa curitibana Francielle Machoski, de 37 anos, estava num dia ruim. “Quando fico assim, gosto de sair e ativar meu olhar de fotógrafa. Era só um passeio, estava até sem câmera, mas, quando meu olhar cruzou com a imagem daquele senhor, senti que tinha algo diferente ali”, disse ela à Tribuna. “Em vez de me imaginar tirando mais uma foto no Largo, em composição com um idoso sentado, preferi conversar com ele. Fiquei muito emocionada com a história e com a força de vida que ele tem. Com o desejo de compartilhar conhecimento. Resolvi postar para ajudar a buscar alunos e, de alguma forma, devolver a ele o carinho que demonstrou ter com as pessoas”, completou a fotógrafa.

Na segunda-feira seguinte, uma amiga da Jacira foi mostrar a postagem e a foto do Henrique fazendo sucesso nas redes sociais. “Pra nós, foi uma surpresa. A gente não sabia. A minha amiga falou pra mim: “olha o que eu achei”. Aos domingos, ele sai cedo e vai na missa, na Catedral. Depois da missa, até onde eu sabia [brinca], ele vai almoçar e passa o dia na Feira do Largo. No fim da tarde, ele fica como voluntário no Mesa Solidária, atrás da Catedral, e só depois volta pra casa”, contou a Jacira.

Para a Tribuna, Henrique disse que não falou nada com medo da amiga ser contra a sua iniciativa. Os dois, no passado, já tiveram um relacionamento amoroso. Hoje, são só amigos. “Também não uso celular. Não entendo muito dessas coisas de tecnologia. Não imaginei que todos ficariam sabendo”, brincou ele, tentando se explicar.

Fluência em quatro línguas

Henrique Hanna é iraquiano, nascido em Bagdá. Quando jovem estudou Filosofia em Roma, na Itália, onde se formou e ficou por 20 anos. Em 1973, veio para a cidade de São Paulo, se naturalizou brasileiro e se casou. O apelido Henrique surgiu aqui, pela semelhança da pronúncia do seu nome árabe. Em 1990, já viúvo, chegou em Curitiba casado com a Jacira. Em 2006, se mudou para Salvador e só voltou para Curitiba na metade do ano passado, sendo acolhido pela ex-companheira apenas como amigo. “Temos uma ligação que é maior do que relacionamentos amorosos. Um ajuda o outro a se cuidar”, diz a Jacira.

Ao longo da vida o iraquiano foi aprendendo idiomas. Henrique fala nove línguas, entre elas árabe, inglês, italiano, português, francês, espanhol, aramaico, esperanto e latim. “Mas a minha fluência é no árabe, inglês, italiano e português”, explica. As profissões dele no Brasil foram as mais variadas. Já trabalhou como tradutor em embaixada e foi professor de inglês no Interior da Bahia. Na caminhada, passou por cinco continentes e pelo menos 30 cidades pelo mundo.

Um mandamento

A decisão de dar aulas gratuitas de inglês tem relação com um trecho do Evangelho que diz que os talentos devem ser compartilhados. “Se eu guardar o meu talento, ele vai morrer comigo. Então, eu quero compartilhar o conhecimento e contribuir com a vida de alguém que não pode pagar”, explicou o professor, que sempre que pode, ao longo da vida, fez trabalhos voluntários em igrejas e associações.

No início de março Henrique começava a dar aulas para os primeiros alunos. Sem um espaço próprio para receber pupilos, o idoso se desloca até a casa dos interessados, sem cobrar nada. “Vou onde tiver que ir”, ressalta. No dia da entrevista, inclusive, por volta das 15 horas de uma quarta-feira, o fotógrafo da Tribuna, Gerson Klaina, deu uma carona ao Henrique até a casa de um aluno. “Ele ia se atrasar por causa da nossa entrevista, indo de ônibus até a casa da pessoa, no Centro de Curitiba. Não é certo a gente atrapalhar, né?”, apontou Klaina.

Antes da história dele repercutir nas redes sociais, a única forma de se “matricular” para ter aulas com Henrique era indo até a Feirinha do Largo da Ordem, aos domingos, para encontrá-lo pessoalmente. Mas com a ajuda de Francielle, Henrique agora tem uma conta no Instagram, com cerca de 12 mil seguidores, o que facilita no contato com ele. “Farei o que eu puder para ajudar o Henrique, até para que ele consiga o próprio local para dar aulas. Ele é uma pessoa que faz a diferença para os outros. Fiquei emocionada com o nosso encontro. A história merece ser contada e divulgada”, conclui a fotógrafa.

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