Sinais relacionados a transtornos do humor, são responsáveis por até 90% dos casos de suicídio cometidos ao redor do mundo
Sinais relacionados a transtornos do humor, são responsáveis por até 90% dos casos de suicídio cometidos ao redor do mundo| Foto: Eric Ward/Unsplash

Neste “setembro amarelo” – considerado o mês de prevenção ao suicídio – a aproximação das famílias, decorrente do isolamento pela Covid-19, pode evidenciar indicativos para os quais todos devemos estar atentos. Entre eles, sinais relacionados a transtornos do humor, responsáveis por até 90% dos casos cometidos ao redor do mundo.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o médico psiquiatra Sivan Mauer, mestre e doutor em Psiquiatria e pesquisador do tema há 15 anos, defende que quadros de bipolaridade e depressão bipolar sejam tratados como doenças graves e possivelmente fatais, assim como são as doenças que atingem o coração. Ele também sugere uma drástica redução no uso de antidepressivos e reafirma uma crença entre a classe médica: o suicídio é um comportamento impulsivo que pode ser evitado. Confira.

O que a Medicina considera como transtorno do humor?

Os transtornos de humor são, basicamente, os vários tipos de transtorno bipolar e a depressão bipolar. Existem alguns episódios – que acabam sendo a maioria que a gente vê na prática clínica – que se chamam episódios mistos. É quando se misturam sintomas de depressão e de mania. E aí é que mora o perigo quando a gente fala em suicídio, porque é quando o paciente tem a ideação suicida e a motricidade para colocar a ideia em prática.

O senhor compara pessoas com transtorno do humor a alguém com problema cardíaco. Qual é a relação?

São doenças crônicas e igualmente perigosas. O infarto é o que a gente chama de desfecho duro, ou seja, a consequência mais grave da doença cardiovascular. No transtorno do humor, o desfecho duro é o suicídio. São doenças que não têm cura, mas com condições de controle. A tentativa de suicídio é como se fosse um infarto, só que quando chega ao extremo, o paciente já morreu.

A pessoa dá sinais quando está pensando em tirar a própria vida?

Sim. Aquela ideia que o leigo tem, de que o paciente deprimido é aquele que está acamado, “lentificado” , acontece em uma parte muito pequena dos casos. Na maioria das vezes, o paciente pode estar com o humor deprimido, ou seja, ele pode estar triste, mas com o pensamento acelerado. Ele pode estar tão agitado a ponto de não conseguir ficar parado. É quando, geralmente, consegue pôr em prática o plano de acabar com a própria vida.

O que leva alguém a tirar a própria vida?

É o resultado de vários fatores. O suicídio é uma colcha de retalhos, com vários pontos que se unem. É aquele paciente que tem algum transtorno do humor, está passando por uma situação difícil, não vê uma saída e entende que a melhor maneira de resolver é acabar com a própria vida pulando pela janela do apartamento. O suicídio, na maioria das vezes, é um comportamento impulsivo. Não tem aquela coisa romantizada de sentar e escrever uma carta. Você tem, em uma faixa de 20% dos casos, um intervalo de cinco minutos entre a ideia e a execução. E se, nesses cinco minutos, alguém interromper a pessoa e perguntar se ela quer mesmo continuar ou se prefere desistir, ela vai desistir.

Então, o senhor está dizendo que o suicídio pode ser evitado?

É o que a gente mais acredita atualmente. São 800 mil suicídios/ano e a gente precisa apontar, porque é um desfecho evitável, como o infarto agudo do miocárdio é. Como qualquer coisa na Medicina, a gente tem que entender que há vários fatores de risco e que se você for diminuindo esses fatores, menores são as chances de ter aquele desfecho. Tanto nos problemas cardíacos quanto nos transtornos do humor, tem uma coisa que você não consegue mudar, que é a genética, mas, repito: há boas chances de controle.

Por que o senhor defende menos antidepressivos e mais tratamentos à base de lítio?

Porque todo mundo que está triste, hoje, chega em um consultório [de psicólogo ou psiquiatra] e diz: “Eu quero antidepressivos”. Só que se esse é um paciente que está em um episódio misto, o antidepressivo vai ter o efeito contrário e vai funcionar como se estivesse colocando mais “lenha na fogueira”. A gente sabe que o lítio é, atualmente, a medicação com maior evidência. Estudos apontam que o uso do mineral age nos neurônios e uma das questões é que ele diminui a impulsividade e, consequentemente, a ideia suicida.

Existe algum grupo específico que tem mais chance de cometer suicídio?

A população que mais sofre é a dos 15 aos 29 anos. Se você for ver, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre eles. Se o paciente não está tratado, se as coisas ao redor dele não estão indo bem e se ele está sofrendo isso na internet – nos casos de cyberbullying, por exemplo – essa pode ser a gota d’água que vai levá-lo a pensar no pior.

Terapia ainda não é algo acessível a todos. Seria papel da família estar atenta aos sinais e intervir?

Sem dúvida. A prevenção passa por isso. Às vezes, é muito difícil que as famílias queiram ir até a um psiquiatra, porque acham que isso vai passar, que é só uma fase, que quem fala que vai se matar não se mata, que isso não é verdade. As pessoas têm que estar atentas a mudanças agudas de comportamento dos seus familiares, ainda mais agora na pandemia, que tem sido um fator estressante para muita gente.

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