Saúde mental de crianças e adolescentes também deve ser prioridade para pais, especialmente em meio a pandemia
Saúde mental de crianças e adolescentes também deve ser prioridade para pais, especialmente em meio a pandemia.| Foto: Bigstock

Se a ansiedade está exacerbada entre os adultos durante a pandemia da Covid-19, as crianças e adolescentes também podem estar em sofrimento. Mas os sintomas dos transtornos de ansiedade nas faixas etárias mais novas não são iguais aos de adultos e idosos, e isso pode gerar confusão nas famílias.

Os adultos, em geral, percebem a ansiedade quando há uma mudança do padrão do sono, especialmente pela insônia. No caso dos mais jovens, tanto a insônia quanto o excesso de sono são sinais de alerta. "Na ansiedade, sempre temos que estar atentos para o sono, tanto o muito quanto o pouco. Pode haver também alteração no apetite, para mais ou para menos, e às vezes há comportamentos fóbicos específicos, como o medo de ir a determinado lugar, que não tinha antes, ou o medo de dormir devido aos pesadelos", lista Raquel Heep, médica psiquiatra, mestre em Ensino das Ciências da Saúde e professora de Saúde Mental do curso de Medicina da Universidade Positivo, em Curitiba.

Algumas alterações alimentares também são notadas, como a ingestão de alimentos "diferentes". "A criança nunca comeu terra, e passa a comer, por exemplo. É preciso investigar outras doenças que possam estar provocando esse transtorno alimentar, mas pode ser proveniente de um transtorno primário, como uma ansiedade", destaca.

Há também, segundo Raquel, regressões neuronais ou cognitivas, em alguns casos. "A criança que tinha habilidade para fazer alguma atividade e de repente não consegue mais, ou que conseguia entender um filme, um jogo e agora tem dificuldade. Pode ter um retrocesso nesse processo de amadurecimento", explica. Filhos que se isolam, brigam mais, se irritam mais facilmente ou se retraem também merecem maior atenção – especialmente quando esses sintomas forem mais frequentes.

Tipos de ansiedade

O transtorno da ansiedade é um distúrbio da saúde mental que, em crianças e adolescentes, se divide em três tipos, principalmente:

  • Ansiedade de separação;
  • Ansiedade social;
  • Ansiedade generalizada.

De acordo com a psicóloga Eliane de Moura Gonçalves Schwab, professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em Curitiba, o primeiro tipo, da separação, é mais comum na primeira infância, mas pode repercutir até mais tarde.

"Nenhuma criança gosta de se separar dos pais, como quando vão para a escola e, nos primeiros dias, choram. Mas depois se acostumam. As crianças com o transtorno de ansiedade de separação [têm sintomas como] muita saudade, querem saber onde os pais estão, têm medo que alguma coisa aconteça a eles ou a elas, têm medo de se perder, ficam relutantes em ir para a escola", detalha a psicóloga. Esse tipo de ansiedade acomete entre 3% a 4% das crianças, segundo a especialista.

O transtorno de ansiedade social acomete com maior frequência crianças mais velhas e adolescentes. Em geral, são jovens que, no começo da infância, tinham sinais da ansiedade de separação, e a prevalência varia de 3% a 13%. "[Esse transtorno] é também chamado de fobia social, e a pessoa tem receio de situações que lhe causem embaraço. São jovens que têm medo de falar em público, em apresentar trabalhos na escola, têm medo de que as outras pessoas percebam que eles estão ansiosos, com tremores nas mãos ou na voz. Ficam vermelhos, têm palpitações", explica Schwab.

Como resultado, o rendimento na escola é afetado. "Não é só um medo, mas impede a pessoa de agir. É diferente daquela ansiedade que todo mundo tem quando precisa apresentar um trabalho e, depois que começa a falar, vai bem, dá conta. Esse aqui não, ele sofre. Ele termina de apresentar e está exausto, ou nem mesmo consegue apresentar."

O terceiro tipo de transtorno, o de ansiedade generalizado, é também o mais comum entre adultos. Nas crianças e adolescentes, a prevalência é pequena, de 3% em média. Das características, a ansiedade excessiva por tudo. "É a pessoa que está sempre preocupada, e em uma intensidade desproporcional ao possível evento. Acomete com mais frequência as mulheres, cerca de dois terços dos casos. São as pessoas com uma autoexigência muito grande, perfeccionistas e inseguras", lista a psicóloga.

Diagnóstico demorado

Para diagnosticar um transtorno de ansiedade em crianças, não basta um check list de sintomas. Os especialistas precisam de vários encontros com a criança, com a família e até com a escola para entenderem a dinâmica e os processos biopsicossociais e mentais que cercam aquela pessoa.

"Muitas vezes o nascimento de um irmão ou a separação dos pais são dimensões que devem ser olhadas. Não basta apenas fechar critérios para um diagnóstico. Todos os eixos devem ser avaliados", explica a psiquiatra Raquel Heep.

Enquanto no adulto os especialistas ficam atentos à funcionalidade em um ambiente de trabalho, entre outros fatores, nas crianças avaliam-se a dinâmica na escola e o brincar. "O trabalho da criança é o brincar. Quando ela tem mudança nos padrões de rendimento escolar e não quer mais brincar, ou está se comportando de forma diferente, é hora de procurar ajuda, prestar mais atenção", destaca.

A psicóloga Eliane Schwab destaca que ouvir a criança também faz parte do diagnóstico, e isso deve ser feito de forma mais lúdica. "É feita uma anamnese [entrevista] com os pais e depois sessões com a criança. Uso no consultório a técnica do desenho do coração, em que a criança pinta as cores no coração, de acordo com o próprio sentimento. Ela pinta de roxo e explica que é a cor que o coração fica à noite quando está escuro e a mãe demora para chegar. A atividade mira no coração porque quando a criança sente um desconforto, um aperto no peito, para ela é mais fácil localizar usando essa estratégia", explica a especialista.

Tratamentos disponíveis

Não há apenas um tratamento indicado para os transtornos de ansiedade em crianças e adolescentes. A abordagem, em geral, é multiprofissional, e envolve a atuação de psiquiatras, psicólogos, e mesmo terapeutas ocupacionais, entre outros profissionais da saúde.

Medicamentos podem ser usados, mas não devem ser o único recurso, segundo a psiquiatra. "Seria muita ingenuidade e irresponsabilidade tratar só com remédio. Podemos disfarçar um sintoma com isso, e afetar o desenvolvimento cerebral da criança. Tem que ter o cuidado não só de medicar, mas de ajudar no crescimento das redes neuronais, para que sigam um fluxo saudável", pontua Raquel Heep.

Outras abordagens, segundo a psicóloga Eliane Schwab, envolvem psicoterapia, com sessões para a criança, mas também a família e a escola, onde o filho pode passar a maior parte do tempo. "O vínculo de confiança com o profissional também é importante, a relação entre o paciente e o profissional. As expectativas dos pacientes e dos progenitores podem afetar a resposta ao tratamento", afirma.

"Quando somos submetidos a uma situação estressora, o hormônio cortisol, do estresse, aumenta. Em um cérebro em formação, o cortisol pode alterar a anatomia, o funcionamento e as conexões neurais. Áreas como do medo podem ser aumentadas ou diminuídas, e isso pode gerar um adulto doente, caso o cortisol continue inundante", completa a médica psiquiatra

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