Principal trabalho de médicos e profissionais de saúde nas UTIs tem sido contra os sintomas para que a pessoa se recupere sozinha
Principal trabalho de médicos e profissionais de saúde nas UTIs tem sido contra os sintomas para que a pessoa se recupere sozinha| Foto: Bigstock

Para cada novo paciente da Covid-19 internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) dos hospitais, os profissionais de saúde sabem que o foco é um só: oferecer à pessoa tudo que o corpo exige, com o objetivo de ganhar tempo até que o ciclo de vida do vírus passe e o organismo tenha forças para retomar o controle.

Em meio a pandemia de uma doença nova, para a qual não há nem medicamentos comprovadamente eficazes, nem vacina que sirva de proteção, essa é a melhor escolha de tratamento, chamado de suporte, ou suportivo. "Não é possível matar o vírus, mas se conseguirmos manter o paciente vivo até fechar o ciclo da doença, ele tem mais condições de sobreviver", explica Rafael Deucher, médico intensivista, presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná e coordenador das UTIs do Hospital VITA Batel, em Curitiba.

O tratamento suportivo, segundo o especialista, age contra as diferentes disfunções orgânicas que a doença causa. Como um dos sintomas mais comuns é a falta de ar, entre pacientes graves com uma redução significativa da oxigenação sanguínea, eles recebem o oxigênio via máscaras ou pela ventilação mecânica. Para os sintomas cardíacos e tromboembolias, medicações específicas para esses cenários também são administradas.

"Uma pessoa nessa situação que não tiver o equipamento [ventilador mecânico], vai falecer. Se você tem esse suporte, você ganha tempo. Dá oportunidade para o organismo enfrentar o vírus e eventualmente se curar", reforça Bernardo Montesanti Machado de Almeida, médico infectologista da unidade de vigilância em saúde do hospital das Clínicas, da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR).

O infectologista lembra ainda que, embora essas medicações e medidas não visem o combate ao vírus, elas tratam as complicações associadas à doença. "Na maioria dos casos graves, é dada uma dose baixa de anticoagulantes para prevenir o surgimento de trombos. Em algumas situações, quando já há os trombos, a dose é aumentada", exemplifica.

21 dias: ciclo da doença

A Covid-19 é uma doença que se divide por fases. Na primeira, o vírus se replica no organismo e, nos primeiros sete dias, pode desencadear os sintomas gripais, além de perda de olfato, paladar, tosse e febre.

Do oitavo ao 12º dia começa uma fase pulmonar, em que o órgão é atingido. Na sequência, se houver piora, chega-se à fase inflamatória, que pode ser grave ou regredir. "Quem vai até a segunda fase e volta, geralmente não é intubado. A maioria das pessoas vai só até a primeira fase, com sintomas leves ou nem isso", explica Rafael Deucher, médico intensivista.

Mas, chega um momento, após os primeiros 14 dias, que a carga viral tende a reduzir, embora o organismo do paciente possa ainda estar lutando contra as consequências deixadas pelo vírus na fase inflamatória. Como o sistema imunológico, ou de defesa, pode gerar uma resposta inflamatória grande demais contra o vírus (a chamada tempestade de citocinas, que são proteínas que regulam essa resposta do corpo), a simples redução da presença do vírus não é suficiente para que tudo volte ao normal.

"O novo coronavírus gera uma pneumonia grave, acomete outros órgãos, mas o tempo dele é de 21 dias. Depois disso, nessa terceira fase, a partir do 14º dia, as grandes complicações são as inflamatórias. O vírus pode nem existir mais, mas ele foi o gatilho para essa reação inflamatória", explica o médico. "Nesse meio tempo, você dá oxigênio, monitora a pressão da pessoa, hidrata, dá alimentação artificial, recupera a função dos rins. Você dá o suporte para que esse período passe, esfrie. É muito difícil manter a pessoa assim, mas a gente espera o vírus parar de agir e a reação inflamatória parar de ser acionada", relata Deucher.

Atenção à oxigenação

O momento que deve servir de alerta, de acordo com Maria Esther Graf, médica infectologista coordenadora do núcleo de epidemiologia e controle de infecção hospitalar do Complexo do Hospital do Trabalhador, em Curitiba, está nos primeiros sete a 10 dias de início dos sintomas.

"[O paciente deve] ver a oxigenação, pelo aparelho de oximetria, que não é invasivo. Se houver alteração, pode ser um alerta. Uma saturação normal fica entre 98% a 99%, mas nem todo mundo tem esse valor. Pessoas com DPOC [doença pulmonar obstrutiva crônica] podem ter um valor basal de 91%. Mas, em geral, abaixo de 93%, 92%, é um momento para ficar mais atento", explica a médica, que também é professora de Epidemiologia da Universidade Federal do Paraná e atua no HC/UFPR.

Dois pacientes por mês, por leito

No início da pandemia, manter distanciamento e isolamento social tinha um objetivo muito claro: ajudar os hospitais e demais sistemas de saúde para que tivessem tempo de se organizar até que os pacientes mais graves chegassem. Agora, por a doença ter um desenrolar lento, que exige muita atenção aos pacientes graves por um período longo de tempo, manter os cuidados de prevenção evita a sobrecarga das UTIs.

"O paciente fica um tempo prolongado internado, entre duas a três semanas. Isso faz com que uma unidade de terapia intensiva tenha pouca rotatividade. Esse é um dos motivos da alta demanda, porque você consegue atender menos pacientes por vez. Menos de dois pacientes por mês, em média, que usam o mesmo leito", explica Bernardo Almeida, médico infectologista.

Como a maior parte desses pacientes graves para a Covid-19 são idosos, que naturalmente têm uma dificuldade maior de recuperação, o período de internamento aumenta, ainda que em outras alas do hospital, como as enfermarias. "Assim que há condições de manter o tratamento em casa, isso é feito até para minimizar o risco de complicações, como infecções secundárias, que às vezes acontecem", reforça o infectologista.

Cansaço

O aumento na carga de trabalho associado às surpresas de se tratar uma doença nova geram nos profissionais de saúde um desgaste extra. A médica infectologista Maria Esther Graf relata que, embora nunca fosse fácil, visto que cuidar da saúde dos outros traz uma carga emocional, com a Covid-19 isso é ainda mais impactante.

"Vemos os dramas das famílias que trazem os entes que estão com a falta de ar, o paciente vai para enfermaria, depois UTI e de repente tem um desfecho indesejado, e a família não pode acompanhar esse processo em nenhum momento. O profissional enxerga, também se compadece, e carrega um pouco dessa dor. Ninguém fica confortável, ainda que saiba que é uma situação de exceção, que vai passar", relata.

Para Rafael Deucher, a situação se traduz em uma palavra: tensão. "Eu não sou novinho, tenho 41 anos e trabalho há bastante tempo na terapia intensiva, mas tem sido tenso. Porque os pacientes são extremamente graves e você passa um plantão inteiro, de 12 horas, acordado. Você toma as medidas do paciente em um momento e, quando olha de novo, parece que não tomou, porque elas mudam muito rapidamente", conta.

Ficar longe da família, usar os equipamentos de proteção e lidar com as perguntas sem respostas de quem perdeu um conhecido para a doença aumentam o estresse. "Em uma UTI, a mortalidade gira em torno de 4%, 5%. Agora subiu para 10%, porque são pacientes que morrem mais. Então toda hora tenho que sentar com a família, explicar que não pode ter velório. São vários questionamentos. E é uma doença má, como um trauma. A pessoa está com uma gripe em casa e de repente começa a piorar", diz Rafael.

Embora seja compreensível o cansaço da população em ficar em casa, em isolamento, agora é o momento de manter as medidas de precaução, de acordo com Bernardo de Almeida, médico infectologista. "Se é para realmente, na medida do possível, ficar em isolamento, o momento é agora para reduzir a transmissibilidade da doença. Não é a toa que Curitiba entrou na zona de alerta laranja, que reduz os estabelecimentos não essenciais, justamente para evitar a interação das pessoas", cita o médico sobre a situação da capital paranaense.

"É uma bola de neve. A maioria das pessoas não vai ter grandes problemas com relação ao vírus. O problema é transmitir, e isso se transforma em uma cascata de aumento exponencial. A chance de uma pessoa vulnerável ser infectada é muito grande. A medida que se tem para tentar minimizar as complicações e mortes é reduzindo a transmissão da doença", reforça.

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