Por atingir diferentes áreas do corpo, e não apenas os pulmões, mudança na nomenclatura pode ajudar a tratar melhor a doença
Por atingir diferentes áreas do corpo, e não apenas os pulmões, mudança na nomenclatura pode ajudar a tratar melhor a doença| Foto: Bigstock

A Covid-19 está em circulação pelo mundo há pouco mais de seis meses e, embora pareça um tempo significativo, novidades continuam a surgir. Novos sintomas foram adicionados à lista da infecção, como a perda do olfato e do paladar, e aos poucos os médicos e pesquisadores foram percebendo que a doença não se restringe ao pulmão.

Além dos danos ao sistema respiratório, hoje se investigam outras consequências da Covid-19, como uma inflamação do músculo do coração (miocardite), inflamação vascular e arritmias cardíacas, assim como danos neurológicos. A presença de insuficiência renal aguda em alguns pacientes chama atenção para o impacto do vírus nos rins, e o risco de trombosembolias também existe.

Portanto, olhar apenas para o pulmão pode não ser a melhor estratégia de tratamento contra essa doença, de acordo com Patrícia Rocco, médica, professora titular e chefe do laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"A doença não é só o pulmão. Se você olhar só para o pulmão, pode se esquecer desses órgãos [rins, coração]. E, se eles falharem, ou apresentarem disfunção, você pode morrer desses órgãos, não do pulmão", reforça a médica, que também faz parte da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências.

De SARS para MOD

A sigla SARS, presente no nome dado ao novo coronavírus SARS-CoV-2, significa Severe Acute Respiratory Syndrome. Em português: Síndrome Respiratória Aguda Grave, devido às características iniciais da doença que incluem os sintomas respiratórios, como a tosse seca e a falta de ar.

Mas, como se sabe agora, esses não são os únicos indícios da Covid-19, e uma mudança na nomenclatura do vírus poderia chamar atenção de médicos, profissionais da saúde e mesmo pacientes para a complexidade dos sintomas. Patrícia defende alterar as primeiras letras: de SARS para MOD, ou Multiple Organ Dysfunction Syndrome. Em português: Síndrome de Disfunção Orgânica Múltipla.

"Falar que a doença é só pulmão confunde. Não é incomum a Covid-19 se apresentar hoje como diarreia, e o paciente achar que é porque comeu alguma coisa. Esses outros sintomas devem ser mostrados, porque o doente que começar com um sintoma neurológico ou gastrointestinal, pode buscar ajuda médica, e não só quando tiver a falta de ar", reforça.

A ideia já havia sido discutida em um artigo, publicado em abril pelo periódico científico Herz, voltado a temas cardiovasculares, que faz parte da editora Springer. Nele, o autor Bernhard Maisch cita que a resposta exagerada do sistema imunológico e a tempestade de citocinas que o corpo pode desenvolver em contato com o vírus levaria ao desenvolvimento de uma síndrome múltipla dos órgãos, e explicaria por que a doença não se restringe apenas ao sistema respiratório.

"Víamos no começo da pandemia o paciente que, subitamente, tinha uma parada cardiorrespiratória e pensávamos que era associado a doenças prévias. Hoje sabemos que pode ter um comprometimento cardíaco pela Covid-19", explica Patrícia. "Da mesma forma, a trombose passou a ser uma realidade hoje. A maioria das terapias intensivas passou a usar anticoagulantes, que antes o pessoal esperava uma embolia para começar a tratar. Toda essa conduta começamos a fazer ao olharmos para a Covid não como uma doença só do pulmão, mas orgânica e múltipla", reforça a médica.

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