Estudos no Brasil avaliam o uso de plasma de pessoas que se recuperaram de Covid-19 para tratar pacientes da doença
Estudos no Brasil avaliam o uso de plasma de pessoas que se recuperaram de Covid-19 para tratar pacientes da doença| Foto: Bigstock

O uso de plasma de pessoas que se recuperaram de Covid-19 para tratar pacientes da doença ganhou destaque nesta semana após o FDA, agência reguladora de medicamentos dos EUA, autorizar o uso emergencial da terapia.

A autorização emergencial do FDA não equivale a uma aprovação da agência americana ao tratamento. Em comunicado, a entidade informa que "com base em evidências científicas, o FDA concluiu que esse produto pode ser eficaz ao tratar a Covid-19 e que os benefícios conhecidos e potenciais do produto superam os seus riscos".

O tratamento consiste na retirada de plasma (a parte líquida do sangue) de pessoas que já se recuperaram de Covid-19 e aplicação em pacientes que ainda estão com a doença. Pessoas infectadas pelo novo coronavírus produzem anticorpos contra a doença que ficam suspensos no plasma sanguíneo. Os médicos purificam esse plasma, que será então injetado em um paciente, para que esses anticorpos ajudem a combater a doença até que o seu sistema imunológico produza suas próprias defesas.

A transfusão de plasma de convalescentes já é usada há décadas no mundo contra outras doenças infecciosas. "O que não se sabia é se em doentes com Covid-19 haveria alguma preocupação adicional", diz o médico hematologista José Mauro Kutner, que coordena uma pesquisa no Hospital Albert Einstein sobre o uso de plasma de convalescentes contra Covid-19.

No Brasil, a terapia tem sido foco de diversos estudos clínicos, a maioria ainda em andamento. Na pesquisa feita em conjunto pelos Hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, 60 pacientes em estado mais grave já receberam o tratamento. Nessa primeira fase do estudo, os pesquisadores concluíram que o procedimento é seguro para infectados pelo Sars-CoV-2. Na segunda fase, com mais 60 pacientes, a eficácia do tratamento será testada.

Kutner conta que vários estudos com uso de plasma estão sendo conduzidos no mundo. "A impressão é de que o plasma ajuda. Mas ainda faltam trabalhos randomizados, maiores e mais impactantes para que possamos ter uma conclusão mais clara", ressalta.

Para resultados mais conclusivos sobre a segurança e a eficácia da terapia, seriam necessários estudos com participantes selecionados aleatoriamente e com um grupo controle (de doentes que recebem placebo). Só assim é possível fazer uma comparação melhor dos resultados entre quem recebeu e quem não recebeu o plasma.

Um grande estudo americano divulgado em 13 de agosto em uma plataforma pré-print – que ainda não passou por revisão de outros especialistas – sugere que o uso de plasma para tratar pacientes de Covid-19 pode diminuir as chances de morte. O estudo, que envolveu mais de 35 mil pessoas, diz que a taxa de mortalidade entre aquelas que receberam a transfusão nos três primeiros dias após o diagnóstico foi menor do que entre as que receberam o tratamento depois de quatro dias. O grupo que recebeu plasma com níveis mais altos de anticorpos também teve mortalidade reduzida.

Embora os resultados sejam promissores, esse estudo de observação tem limitações, como a falta de um grupo de controle. No Reino Unido, um estudo randomizado e controlado, com a participação de milhares de pacientes, está em andamento, parte do Recovery Trial.

Principais questões

Algumas questões importantes sobre a terapia ainda precisam ser respondidas. A primeira tem relação com o nível de anticorpos no plasma necessário para que o tratamento funcione. "Não se sabe quanto de defesa o doador precisa ter para que o seu plasma seja útil", diz Kutner.

Além disso, as pesquisas buscam compreender qual é a dose adequada de plasma para que a terapia seja útil. Ainda não se sabe, por exemplo, se nos casos em que a técnica não funcionou, o motivo foi a baixa dose aplicada nos pacientes.

O momento do uso do plasma também é um fator importante que tem sido investigado pelos especialistas. Segundo Kutner, na maioria dos trabalhos, o plasma é usado em fases mais avançadas da doença, quando o paciente está em estado mais crítico. "Muitos acham que ele deve ser usado mais precocemente. É o tempo que vai nos dizer qual é o melhor momento de usar o plasma uma vez que a pessoa estiver infectada e com sintomas", explica o hematologista.

Vantagens e dificuldades

No Brasil, o uso de plasma no tratamento de Covid-19 é autorizado em pesquisas ou para o uso compassivo (quando medicamentos experimentais são dados a pacientes em estado grave). Caso a eficácia e segurança do procedimento sejam comprovadas e as autoridades de saúde concedam autorização para o seu uso, um dos pontos favoráveis é que o Brasil conta com uma grande base instalada de bancos de sangue que poderiam atuar na coleta e distribuição do plasma sanguíneo.

O processo de coleta e separação do plasma é relativamente simples e não exigiria novas tecnologias instaladas nos bancos de sangue. "Um ponto de maior dificuldade seria a seleção do doador, para saber quanto ele tem de defesa. Isso talvez implique em um pouco mais de tecnologia que não está difundida no país", aponta Kutner, referindo-se aos testes para detectar anticorpos específicos contra o coronavírus que precisariam ser feitos além da testagem padrão para doadores de sangue.

Uma outra limitação desse procedimento é que a sua disponibilidade estaria condicionada à doação de sangue pelos pacientes que se recuperaram da doença, diferentemente do que acontece com medicamentos que podem ser fabricados em massa. Nos Estados Unidos, foi lançada uma campanha nacional para incentivar essas pessoas a doar plasma.

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