Assim como no caso da máscara contra a Covid-19, o uso do cinto de segurança também foi cercado de desinformação no início
Assim como no caso da máscara contra a Covid-19, o uso do cinto de segurança também foi cercado de desinformação no início.| Foto: Frosina Polazarevska/Unsplash

Convencer as pessoas de que a máscara reduz a transmissão do novo coronavírus é um dos grandes desafios da comunidade científica em 2020. Essa, porém, não foi a primeira (e nem será a última) batalha contra a desinformação em prol de um consenso da sociedade. As campanhas pelo uso do cinto de segurança, por exemplo, enfrentaram fake news e descrédito antes de o item se tornar obrigatório e, mais tarde, um hábito. 

Das desinformações associadas ao item de segurança, disseminava-se a ideia de que o cinto “esmagaria” os órgãos internos dos passageiros durante uma batida, e de que seria mais difícil sair de um carro em chamas se o motorista estivesse com o cinto, segundo destaca o site de notícias de saúde Stat News. Campanhas e ações socioeducativas, com mensagens de saúde pública combinadas e assertivas, além da legislação e pesquisas científicas ajudaram no convencimento da importância do cinto. O mesmo pode servir para as máscaras.

Pesquisa do Ministério da Saúde, de 2014, realizada em parceria com o IBGE, mostrou que 79,4% dos brasileiros afirmam usar o cinto quando estão no banco da frente. Se a pessoa está sentada nos bancos traseiros, porém, o número cai para 50,2%. Depois de campanhas e ações educativas da Agência de Transporte do Estado de São Paulo, a adesão ao cinto entre os passageiros dos bancos de trás passou de 46%, em 2014, para 73%, em 2019. Entre os motoristas, o percentual foi de 89% para 94% e, dos passageiros no banco da frente, de 84% para 91%.

Impacto da desinformação

Há uma relação direta entre o que as pessoas recebem de informação sobre a pandemia, o meio pelo qual se informam, e o engajamento a comportamentos de prevenção, de acordo com estudo divulgado pela revista científica Royal Society Open Science, em outubro.

Em cinco países, Reino Unido, Irlanda, Estados Unidos, Espanha e México, 5 mil participantes eram questionados sobre a veracidade de alguns dados, como a origem do vírus e os tratamentos disponíveis. Os pesquisadores observaram que, quanto mais as pessoas acreditam em uma desinformação, menos elas se engajam em comportamentos preventivos. A máscara era um deles. 

"Esse impacto está demonstrado. A desinformação é algo bastante comum, mas estamos vivendo em um contexto de muito descrédito dos meios de comunicação, da ciência, e isso faz com que as pessoas se informem menos por esses canais. Então acabam se informando pelas redes sociais e aplicativos de mensagem, como WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter", explica Gabriel Gomes de Luca, professor do departamento de Psicologia da UFPR, doutor em Psicologia pela UFSC, e coordenador do projeto Avalie! Não seja Fake.

Mas qual é o problema em se informar por esses meios? A princípio, nada. Exceto pelo fato de que muitas das informações compartilhadas nesses meios vêm de conhecidos, amigos ou familiares, que nem sempre repassam um conteúdo confiável.

"Se a pessoa sente que não pode confiar nos grandes jornais, nas instituições científicas e nos líderes, então sobra confiar em pessoas do círculo pessoal. Em um contexto de bonança econômica, de riqueza da sociedade, há menor probabilidade de as pessoas acreditarem em teorias conspiratórias. Em momentos de crise, esse risco é maior, porque há tendência em culpar os políticos e as instituições por não darem conta de manter a qualidade de vida da população", destaca Luca.

Pessoas seguem outras pessoas

Se você espera que uma população se engaje em algum novo comportamento, especialmente que envolva a própria segurança, deve haver um consenso social de que aquela nova atitude importa - e ela deve ser estimulada por todos, principalmente pelos líderes. 

"Na Psicologia tem a teoria da janela quebrada, que responde à questão: se você colocar um carro em uma determinada região e deixá-lo lá, quanto tempo demora para ele ser avariado? Se a janela desse carro estiver quebrada, o tempo é muito menor. Esse é um experimento clássico, que parte da noção das pessoas de que, se algo já está quebrado, há um senso de autorização para quebrar mais", explica Luca.

O mesmo pode ser transposto para o contexto da pandemia e o uso das máscaras, segundo o especialista. "Se estou em uma rua com todo mundo usando máscara, é mais difícil que eu deixe de usar. Mas se a rua está cheia de pessoas sem, isso me autoriza a não usar", reforça.

No caso da máscara, Luca destaca dois aspectos que fizeram com que o item não fosse um consenso. "Não houve nem mesmo um consenso social da gravidade da pandemia. Algumas pessoas dizem que é grave, outras acham que não, embora os dados indiquem uma gravidade inequívoca, com 166 mil mortos no Brasil [dados de 18 de novembro]. Outro aspecto é que a doença ainda é muito nova. Estamos falando de meses para que estudos fossem feitos e consensos científicos fossem adotados, e a ciência caminha em outro ritmo, em outro tempo."

Como convencer? 

Incentivar um espírito coletivo pode ser uma saída para convencer mais pessoas a usarem a máscara, segundo Paulo Sérgio Boggio, pesquisador de Neuropsicologia e coordenador do laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"Podemos pegar como exemplos os países que fomentaram um espírito colaborativo, de que aquela pessoa faz parte de um grupo, e que essa ação não é importante só para ela, mas para todos em volta. Quanto mais as pessoas se identificam com o próprio país, com essa noção coletiva, mais estão dispostas a se protegerem e a proteger os outros da Covid-19. Assim como a história do cinto de segurança, o uso da máscara entra na mesma discussão", afirma.

O papel dos líderes, nesse sentido, é fundamental, segundo Boggio. "Quem distorce os fatos ou os usa para aumentar algum tipo de rivalidade, diminui as chances de emergirem comportamentos pró-sociais. No Brasil, assim como nos Estados Unidos, muitas pessoas se engajariam mais se lideranças fomentassem comportamentos sociais", destaca. 

Pensando no dia a dia, uma das formas de motivar as pessoas a trabalharem em prol do coletivo é reforçar que o papel que elas desempenham é útil, e que faz a diferença.

"Imagina que estou há vários meses em casa, e não sei se isso ajuda ou não. E tem um custo para a minha saúde mental, desde um cansaço a quadros ansiosos e depressivos. Se eu tenho informações de que o que estou fazendo é útil, gera diferença, e vai diminuir o tempo que todo mundo vai ter que ficar em casa, isso aumenta a motivação para continuar, porque a pessoa se sente parte deste grande grupo e entende o papel", explica Boggio. 

Isso vale para o uso da máscara, mas também para o distanciamento social, a higienização das mãos e a preferência por ambientes bem ventilados - medidas simples e fáceis de adotar, cujos impactos contra a Covid-19 estão detalhados em estudos, como esse aqui, aqui e aqui.

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