Crianças tendem a não ter Covid-19 na mesma gravidade que adultos, mas os motivos para essa proteção ainda não estão claros.
Crianças tendem a não ter Covid-19 na mesma gravidade que adultos, mas os motivos para essa proteção ainda não estão claros.| Foto: Unsplash/Kelly Sikkema

O mundo está prestes a completar um ano de convivência com o novo coronavírus e, embora o conhecimento sobre a doença tenha aumentado significativamente desde o início da pandemia, ainda há uma série de questões em aberto. Uma delas é sobre as crianças.

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Apesar de elas serem infectadas pelo Sars-CoV-2 assim como os adultos, o desenrolar da doença entre as crianças, em geral, tende a ser diferente, com menor gravidade. A resposta para isso ainda não é clara, e alguns estudos especulam o que poderia influenciar esse resultado positivo.

Uma das hipóteses mais recentes foi publicada na revista científica Nature Immunology no início de novembro. A pesquisa, desenvolvida na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, entre os meses de março e junho, sugere que as crianças teriam uma produção reduzida de anticorpos e que esses seriam de tipos mais "fracos" que os adultos.

Essa diferença, paradoxalmente, poderia garantir uma proteção maior porque outros estudos destacam que é justamente a resposta exagerada do sistema imunológico (com a formação da "tempestade de citocinas") que seria uma das causas de gravidade da Covid-19. Se as crianças não respondem dessa forma exagerada, acabam passando pela doença de forma mais tranquila, sem causar tantos danos ao organismo.

Na análise de 79 pacientes, os autores destacam que os adultos apresentavam anticorpos contra as proteínas Spike (S) e Nucleocapsídeo (N) do coronavírus, além dos anticorpos IgG, IgM e IgA. Já as crianças, com ou sem o diagnóstico da síndrome inflamatória multissistêmica, geravam anticorpos IgG específicos para a proteína S do vírus, mas não para a proteína N. Os pesquisadores verificaram ainda que elas tinham uma atividade neutralizante reduzida, em comparação aos adultos.

"Esses resultados sugerem uma resposta imune e um caminho da infecção diferente nas crianças, independentemente de elas terem desenvolvido a síndrome inflamatória multissistêmica ou não, com implicações para o desenvolvimento de estratégias de testagem e proteção da população acordo com a idade", explicam os autores da pesquisa

A explicação, no entanto, não é conclusiva. Além de ser um número reduzido de participantes, eles não estavam todos no mesmo momento da doença quando foram avaliados. O tipo de anticorpos produzidos pelo organismo varia conforme a evolução da doença.

"Realmente o estudo tem um número baixo de participantes, e essa diferença de 'timming' de cada participante também é importante, mas é um estudo inicial que levanta a hipótese de que o sistema imunológico das crianças responde de forma diferente do sistema dos adultos nessa nova doença", explica André Báfica, professor do departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina.

Em outras infecções, essa diferença era conhecida, mas na discussão da Covid-19, não. "Alguns estudos tentam abordar essa diferença entre crianças com menos doença que os adultos, mas são poucos, pouquíssimos. Alguns apontam para um tipo de explicação, enquanto outros não confirmam. Podemos afirmar que ainda é controverso", reforça Báfica.

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Proteção cruzada

Outra possível explicação foi divulgada, também no início de novembro, pelos pesquisadores do Instituto Francis Crick, em Londres. Para os autores, as crianças podem ter anticorpos preparados para atacarem o Sars-CoV-2, mesmo que nunca tenham tido contato com esse vírus antes.

Isso se daria porque o Sars-CoV-2 não é o único vírus dentro da família dos coronavírus, e outros membros (não tão graves) circulam há mais tempo no mundo. De acordo com a médica imunologista Carolina Prando, que atua no hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, os anticorpos não são produzidos contra um vírus por completo, ou inteiro, mas para pedaços específicos do microrganismo.

"O que alguns estudos apontam é que esse contato prévio com coronavírus mais antigos, que estão circulando no nosso ambiente há mais tempo, pode ter ajudado a desenvolver anticorpos para partículas que são semelhantes às partículas do Sars-CoV-2. Essas pessoas poderiam ter uma imunidade, ainda que não total, mas talvez parcial", explica a médica.

No caso do estudo de Londres, publicado na revista científica Science, foram analisados os anticorpos de 156 pessoas, entre adultos e crianças. Como resultado, cerca de 5% dos adultos apresentavam os anticorpos contra o coronavírus. No caso das crianças, 43%.

E por que os adultos não teriam a mesma reação? Para o professor André Báfica, essa é uma questão cuja resposta vale "um paper publicado na Nature", mas que pode estar relacionada às diferenças do sistema imunológico de crianças, adolescentes, adultos e idosos.

Segundo o professor, as crianças têm um número maior de linfócitos chamados de 'naive', ou inocentes. Essas são células que nunca foram expostas a nenhum tipo de antígeno (vírus, bactérias, etc). Pessoas mais velhas, ao contrário, têm um número menor desse tipo de células, porque foram expostas por mais tempo.

"Se durante a infância aparece um vírus novo, uma doença nova, em teoria a criança tem essas células que podem ser adaptadas, e ela pode responder melhor. Essa é uma outra hipótese, que não está comprovada, mas que está sendo levantada por esses estudos. Para testar, seria necessário acompanhar o participante da infância até a fase adulta, um a um", explica.

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