Antes mesmo que as vacinas estejam prontas, é preciso traçar estratégias de quem será vacinado primeiro.
Antes mesmo que as vacinas estejam prontas, é preciso traçar estratégias de quem será vacinado primeiro.| Foto: Daniel Frese / Pexels

Quando uma vacina contra a Covid-19 estiver pronta para ser aplicada, cada país deverá saber a resposta de uma pergunta importante. Quem vai recebê-la primeiro?

Depois dos profissionais da saúde, priorizar a vacinação de pessoas que se enquadram nos grupos de risco, como os idosos, pode até fazer sentido, mas essa não é a única estratégia vacinal. Há quem defenda, por exemplo, começar a prevenção pelas crianças e jovens, que são capazes de transmitir a doença sem apresentar, em geral, muitos sintomas.

Pesquisadores de duas instituições de ensino norte-americanas, a Johns Hopkins University e a University of Southern California, defendem esse modelo. Para eles, depois dos profissionais que estão na linha de frente do cuidado, a vacinação deveria se concentrar nos grupos que mais transmitem o novo coronavírus, como os jovens, e só então se voltar aos mais vulneráveis à doença.

"Nosso argumento é que a solução será pegar a estrada mais benéfica, não a mais óbvia. Com uma campanha de saúde pública em grande escala por trás, isso significará priorizar aqueles que favorecem a transmissão, e não aqueles que são os mais vulneráveis. Por mais contraditório que essa estratégia possa parecer, muitas evidências mostram que essa será a abordagem certa", argumentam os pesquisadores norte-americanos em um artigo para o site The Conversation.

Para dar suporte a esse argumento, eles citam a estratégia de vacinação contra o vírus H1N1, em 2009, nos Estados Unidos. A distribuição do imunizante dentro dos estados priorizou os idosos e as crianças, principais vítimas da doença. "Uma das lições dessas pandemias anteriores é que vacinar os disseminadores assintomáticos antes pode evitar múltiplas infecções em outros".

Tudo dependerá da eficácia da vacina

Qualquer estratégia vacinal deverá levar em consideração o desempenho da vacina nos grupos populacionais. Se não tiver um resultado satisfatório entre os idosos, por exemplo, não faz sentido que eles estejam entre os primeiros a serem vacinados, de acordo com Renato Kfouri, médico pediatra infectologista, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.

"O primeiro fator a ser considerado é esse: qual vacina tem o potencial de prevenção e em quais grupos. O segundo será pensar na segurança dessas populações, se a vacina terá maior efeito colateral em algum grupo, o que também depende do resultados dos estudos em andamento", explica o especialista.

No início de setembro, a empresa Sinovac Biotech - responsável pela vacina Coronavac, em testes no Brasil pelo Instituto Butantan - divulgou dados dos ensaios clínicos de fase 1 e 2 da candidata, que mostraram uma resposta mais fraca na indução dos anticorpos entre os idosos. Para o coordenador do estudo clínico no país, o médico Esper Kallás, esse resultado era esperado por se tratar de uma vacina de vírus inativado.

"Uma vacina de vírus inativado com desempenho entre os idosos igual ao observado entre os jovens seria algo para se desconfiar, pois vai contra os preceitos fundamentais do sistema imune. Uma vacina extraordinária talvez consiga, no máximo, minimizar o efeito da idade", afirmou Kallás em entrevista para o Jornal da USP, instituição da qual é professor.

Doses limitadas

A quantidade de doses disponíveis também influenciará a escolha. Kfouri lembra que há 28 milhões de idosos acima de 60 anos no Brasil, de acordo com dados do IBGE. Se forem necessárias duas doses da vacina por pessoa, serão 56 milhões.

"Eventualmente há perdas, então precisaremos de 70 milhões de doses. Vacinar [primeiro os] adultos, jovens e crianças, para uma proteção indireta, vai ser mais difícil porque não teremos doses para toda a população de 20 a 50 anos [em um primeiro momento]. Essa é uma estratégia praticamente descartada em função de dificuldade de [termos] altas doses, e oferecermos uma alta cobertura", explica.

O que pode ser feito ainda, segundo o especialista, é priorizar regiões do país com transmissão ativa, além de separar por grupos. "É muita especulação e pouca resposta [pensar nessas estratégias por enquanto]. É um exercício que é necessário ser feito e o Ministério [da Saúde] está fazendo as reuniões [com as instituições que estão desenvolvendo as vacinas], mas ainda há muitos fatores, muitos cenários diferentes", explica.

Objetivo da vacina?

Sonhar com a vacina que traga de volta a rotina paralisada em março pode ser a pretensão de 10 a cada 10 brasileiros. Essa, no entanto, não é a função do imunizante, como lembra Raquel Stucchi, médica infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.

"Primeiro que todo mundo está querendo uma vacina, mas ninguém se vacina com as que já temos. Isso posto, ter uma vacina para que possamos ter uma vida mais normal, isso vai ser talvez para daqui um ano, sendo otimista. Até lá, teremos de continuar com o uso da máscara, evitar aglomerações, manter algumas medidas que serão nossas companheiras", explica.

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