Henry nasceu com imunodeficiência combinada grave, mas o diagnóstico do irmão ajudou os médicos a fazerem um transplante em tempo| Foto: Arquivo pessoal
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Mãe de um casal, Kelly Akemi Bueno sabia que uma nova gestação envolvia riscos. Heitor, de 3 anos, já havia sido diagnosticado com imunodeficiência combinada grave (SCID, na sigla em inglês), uma falha genética que impede o desenvolvimento das defesas do organismo. “Os médicos me avisaram que se eu tivesse outro menino, tinha 50% de chance de ele também ter a síndrome”, conta. 

E foi exatamente o que aconteceu menos de dois anos depois. “Quando eu descobri, já estava com três meses. Não sei se foi por causa da correria com o tratamento do Heitor, ou do nervosismo mesmo, mas eu não percebi”, diz a ex-recepcionista que agora se considera 100% mãe.

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A notícia da gravidez colocou em alerta toda a equipe médica que atendia o filho do meio de Kelly. Nessa altura, a família tinha se mudado de Jandaia do Sul, no interior do Paraná, para Curitiba, à espera do transplante de medula óssea de Heitor. “A médica me disse que eles iam torcer para que o bebê não tivesse [a síndrome], mas que se fosse confirmado, eles iam saber como agir”, lembra a mãe.      

Logo nos primeiros exames, Kelly descobriu que era um menino. E antes mesmo de entrar em trabalho de parto, os profissionais da maternidade já sabiam o que fazer: impedir que ele tivesse contato com qualquer tipo de vírus – o que incluía não vaciná-lo e nem deixar que ingerisse leite materno. Dois dias depois da cesárea, ficou comprovado que o bebê tinha SCID. Henry nasceu no dia 16 de março, com 4 kg e 50 cm.

Heitor, de 3 anos, o primeiro filho de Kelly a manifestar a "síndrome da bolha". Foto: Arquivo pessoal
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Teve início, então, um “auê” pela vida do menino, como define a mãe. “Sabendo que o Henry tinha SCID, a gente já começou a cuidar dele para evitar que tivesse as mesmas infecções que quase levaram o irmão dele a óbito. Fizemos a reposição de anticorpos (imunoglobulinas) e o uso de antibióticos e antifúngicos”, afirma Carolina Prando, médica imunologista do Hospital Pequeno Príncipe.  

Pelo que explica, imunodeficiência combinada grave é a incapacidade do corpo de produzir linfócitos “T”, células essenciais para a formação do nosso sistema imunológico. “Sem essa proteção natural, a criança fica suscetível à ação de fungos, vírus e bactérias, que podem causar uma série de consequências fatais. Se não foram diagnosticadas, apenas 2% delas chegam a completar dois anos de idade”, aponta a especialista.

Enquanto o recém-nascido ia para casa com os pais - repleto de cuidados - um grupo trabalhava na busca por um doador compatível. “A gente entende que, nesses casos, a única perspectiva é o transplante. Se o tratamento for feito antes dos três meses, nós temos 98% de chance de cura”, ressalta Carolina.

O transplante

Mesmo não tendo 100% de compatibilidade com o filho, o pai de Henry, Christian da Cruz Soares, pôde doar a medula ao menino. “A técnica usada foi a do transplante haploidêntico, que permite o procedimento com doadores 50% compatíveis”, esclarece a médica transplantadora, Cilmara Kuwahara.

Segundo ela, o método consiste em alterar a forma de condicionamento (sessões de quimioterapia feitas antes da cirurgia) e utilizar a imunossupressão (aplicação de medicamentos pós-transplante) para diminuir as chances de rejeição. “O que muda é a maneira como a gente manipula esse enxerto no próprio paciente. Uma chance de cura equivalente a um doador 100% compatível”, estima.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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Recuperação

Diferentemente do irmão, que só teve a SCID descoberta depois de apresentar várias consequências severas da doença, Henry foi tratado com um mês e 20 dias de nascido, ou seja, antes dos problemas começarem a aparecer. No último dia 20, ele completou 100 dias do transplante e segue se recuperando em casa. “Eu falo que ele foi cuidado desde a barriga. Veio para mostrar que poderia ser diferente”, avalia Kelly.

Menino da bolha

Entre a classe médica, a informação mais aceita é de que a SCID afete um em cada 30 mil bebês. O caso mais conhecido é o do norte-americano, David Vetter, que virou tema de filme e documentários. No fim dos anos de 1970, ele foi colocado em uma bolha de plástico assim que nasceu, depois que o irmão mais velho morreu em decorrência da doença. O ar filtrado e o ambiente constantemente esterilizado mantiveram David vivo até os 12 anos de idade. Após a tentativa de um transplante de medula, no entanto, ele acabou falecendo.