Um dos exames para verificar o avanço da Covid-19 é a imagem do pulmão - cujo câncer é diagnosticado tardiamente em geral
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Na tentativa de visualizar o impacto da Covid-19 no sistema respiratório dos pacientes, médicos e outros profissionais da saúde têm adotado, com mais frequência do que antes, exames de imagem do pulmão. Em um cenário em que os fatores de risco para complicações do novo coronavírus são muito semelhantes àqueles para o câncer de pulmão, o Sempre Família perguntou a diferentes especialistas: "Seria possível que os exames feitos do tórax dos pacientes com a Covid-19 ajudassem a diagnosticar precocemente um câncer de pulmão?"

De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), apenas 16% desses tipos de cânceres são diagnosticados em um estágio inicial, quando a doença está ainda localizada. Em um levantamento mais recente feito pelo instituto Oncoguia, em 86,2% dos diagnósticos a doença está em uma fase avançada.

Esses números se justificam porque o câncer de pulmão não apresenta muitos sintomas no início. Quando há sinais, em geral, o diagnóstico não é mais precoce. Algumas medidas, no entanto, podem adiantar essa descoberta, como por exemplo fazer o rastreamento de pacientes em maior risco. Fazem parte desse grupo as pessoas:

  • Tabagistas, ou quem está muito exposto à fumaça do cigarro;
  • Expostas à poluição do ar;
  • Com infecções pulmonares de repetição;
  • Com deficiência ou excesso de vitamina A;
  • Com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), enfisema pulmonar e bronquite crônica;
  • Fatores genéticos;
  • Idade (acima de 50 anos);
  • História familiar de câncer de pulmão.

Neste mesmo grupo se encontram alguns dos fatores de risco para quadros mais graves da Covid-19, especialmente os tabagistas e pessoas com problemas crônicos respiratórios. Sendo assim, de acordo com Gustavo Prado, médico pneumologista, coordenador da comissão de câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, haveria uma possibilidade de mais diagnósticos incidentais de câncer de pulmão entre grupos de pacientes com Covid-19, embora essa visão ainda não esteja confirmada na prática.

"Temos observado, ao longo da vivência de avaliação dos pacientes com suspeita de Covid-19, que a realização de tomografia se tornou muito mais frequente e que nossos limiares no dia a dia para solicitar esse exame de imagem se tornaram muito mais baixos. Isso poderia, de certa forma, aumentar o diagnóstico incidental de câncer de pulmão, especialmente quando falamos de populações de maior risco, que também coincidem com fatores de risco para manifestações mais graves de Covid-19", reforça o médico, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP).

O raciocínio é compartilhado pelo médico patologista Felipe D'Almeida Costa, diretor de Ensino da Sociedade Brasileira de Patologia e titular do departamento de Anatomia Patológica do A.C. Camargo Cancer Center, além de coordenador médico de Educação da Patologia da Dasa, empresa de diagnóstico médico.

"Sempre que mais testes são feitos, mais nódulos são encontrados. Uma radiografia de tórax detecta de um a dois nódulos pulmonares a cada mil pessoas, sem sintomas. Isso não é câncer de pulmão, mas são nódulos, que nem sempre são malignos. Faz certo sentido [mais exames, maior probabilidade de diagnóstico de câncer de pulmão], mas não teria certeza em quanto isso vai impactar em mortalidade de câncer de pulmão", explica o especialista.

Segundo Costa, a lógica contrária já foi confirmada em outros países. "Na Itália, com o surto de Covid-19, pacientes que já estavam avaliando nódulos pulmonares, quando foram fazer a tomografia, tiveram o diagnóstico de Covid-19 em 9% dos casos. E eram assintomáticos. Então, o contrário já foi visto", completa.

Lesões da Covid-19 atrapalham visão de câncer

A hipótese descrita acima é apenas isso: uma suspeita ainda não confirmada na prática e que, talvez, não venha a se confirmar por uma série de fatores. Um deles é o fato de as lesões pulmonares causadas pela infecção pelo novo coronavírus prejudicarem a visão de possíveis nódulos no pulmão, de acordo com o cirurgião oncológico Bruno Roberto Braga Azevedo.

"Em um paciente muito grave [para a Covid-19], eu avalio o tórax por uma tomografia e eventualmente não faço um contraste, mas sim um exame mais rápido. Apesar de o número de exames ter esse aumento, não necessariamente o exame usa a mesma metodologia para avaliar um nódulo suspeito. Se o exame tem muita alteração, em um caso grave, há maior dificuldade em achar o nódulo, porque a alteração da Covid-19 acaba obscurecendo a área", explica o médico, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) – regional Paraná e atua no hospital São Vicente, de Curitiba.

Outra questão que impacta no diagnóstico precoce de cânceres de pulmão, mas não apenas desse tipo, segundo o médico pneumologista Gustavo Prado, é uma redução tanto na procura por atendimento de saúde pelos pacientes, quanto pelos médicos em fazer o rastreio entre grupos de maior risco.

"Temos fatores que determinam a chance do diagnóstico em direções opostas. Uma redução na procura voluntária e uma recomendação de pausa nos programas de rastreamento diminuem a chance de fazermos o diagnóstico, ao mesmo tempo que a realização bastante mais frequente agora de tomografias aumentam a chance de um diagnóstico incidental", explica Prado.

Sobre o futuro, o pneumologista reforça que ainda é cedo para especular cenários, mas que pacientes que já fazem o acompanhamento médico por doenças respiratórias, que as consultas sejam mantidas, ainda que via teleatendimento. "Todos os pacientes devem ter a recomendação de cessar o consumo de tabaco, e ter suporte para isso, porque é fundamental para reduzir o risco de câncer. Sobre a dinâmica de diagnósticos, vamos precisar observar um intervalo de tempo maior para poder colher o resultado dessas forças discordantes", completa Prado.

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