Estudos mostram que muitas pessoas no Brasil e no mundo têm pesadelos e sonhos ruins associados à pandemia de Covid-19
Estudos mostram que muitas pessoas no Brasil e no mundo têm pesadelos e sonhos ruins associados à pandemia de Covid-19| Foto: Bigstock

Isolamento, medo de ficar doente, incertezas econômicas, preocupação com a família. Os desafios impostos pela pandemia de Covid-19 acabaram se transformando em pesadelo para muitas pessoas. Estudos recentes têm mostrado que muitos estão tendo sonhos ruins associados ao novo coronavírus.

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Há relatos da Finlândia, Canadá, Itália, EUA e Brasil que indicam a mesma tendência de sonhos sendo alimentados pela nossa ansiedade em relação à pandemia. Um estudo sobre sono e sonhos de pesquisadores finlandeses, publicado no periódico Frontiers of Psychology, descobriu que a ansiedade em relação à pandemia apareceu em mais da metade dos pesadelos das pessoas analisadas.

A equipe avaliou dados de sono e estresse de 4 mil pessoas durante a sexta semana de lockdown na Finlândia. Cerca de 800 pessoas também deram informações sobre o conteúdo de seus sonhos.

Os autores então traduziram o conteúdo dos sonhos de finlandês para inglês e inseriram os dados em um algoritmo de inteligência artificial que buscou a frequência de associação entre palavras. Depois, eles dividiram os vários elementos que apareciam nos sonhos em "grupos de sonhos", foram identificados 33 temas. Vinte desses grupos foram classificados como sonhos ruins, e 55% deles tinham conteúdo relacionado à pandemia.

Temas como falha no distanciamento social, contágio, equipamentos de proteção e distopia foram classificados como relacionados à pandemia. Por exemplo, pares de palavras que foram encontradas no grupo de sonho "desrespeito ao distanciamento" incluíram multidão-restrição, aperto de mão-distanciamento e abraço-engano.

"Ficamos impressionados em observar associações repetidas de conteúdo de sonho entre indivíduos que refletiam o ambiente apocalíptico do lockdown por causa da Covid-19", disse Anu-Katriina Pesonen, diretora do grupo de pesquisa de sonho e mente da Universidade de Helsinki e coordenadora do estudo. "Os resultados permitiram especular que sonhar em circunstâncias extremas revela imagens visuais e traços de memória compartilhados e, dessa forma, os sonhos podem indicar alguma forma de paisagem mental compartilhada entre os indivíduos".

O neurocientista Fernando Mazzilli Louzada, professor da Universidade Federal do Paraná, diz que não surpreende que a realidade mais estressante possa alterar o conteúdo dos sonhos e aumentar o número de pesadelos.

Durante o sono, enquanto estamos sonhando, o cérebro continua muito ativo. Redes neurais parecidas com as que permitem ações como conversar, se movimentar, entre outras, estão ativas também durante a noite. "Essa atividade está a serviço da consolidação das nossas experiências", explica Mazzilli. "Há várias hipóteses para essa aleatoridade, para quais imagens, quais movimentos e quais emoções vão surgir nos seus sonhos. Quanto maior for o colorido emocional das suas experiências [durante o dia], maior a chance delas surgirem novamente nos sonhos".

A pandemia sem dúvida traz experiências muito marcantes, e por isso conteúdos relacionados a essa realidade acabam se "infiltrando" nos sonhos.

Sonhos brasileiros

O coronavírus chegou também aos sonhos – e pesadelos – dos brasileiros. Uma pesquisa da neurocientista Natália Mota, do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), teve o objetivo de avaliar como os sonhos estavam sendo afetados pela pandemia. Os resultados, publicados em maio na plataforma MedRxiv, indicam que as pessoas que estavam sofrendo mais com o isolamento social no início da quarentena tinham mais sonhos relacionados à crise de saúde.

Como parte de suas pesquisas, Natália trabalhou no desenvolvimento de um aplicativo para celular que ajuda no diagnóstico de doenças psiquiátricas. A ferramenta estava sendo testada no final do ano passado, antes da pandemia, com voluntários saudáveis, que tinham feitos relatos de seus sonhos.

Com o início das medidas de isolamento, a equipe convidou os voluntários a participarem novamente relatando os seus sonhos no primeiro mês de quarentena, o que permitiu a comparação entre os sonhos antes e depois da pandemia.

"Nós observamos que esses sonhos [durante a pandemia] tinham uma maior proporção de palavras com conteúdos de raiva e tristeza, e também eram sonhos que estavam mais próximos de termos como contaminação e limpeza do que os sonhos de antes da pandemia", conta Natália.

Uma das teorias que explicam a interação entre sonho e realidade fala sobre o sonho como simulador de novas habilidades sociais, uma função que teria relevância no momento em que a pandemia exigiu mudanças importantes na nossa vida, que envolvem novos hábitos de higiene e de relação com os outros.

Natália cita o exemplo das máscaras, que passaram a aparecer com frequência nos sonhos. "Aquele sonho prototípico de se sentir exposto em uma situação social constrangedora, por exemplo, estar nu em uma sala de aula, foi substituído por sonhar que está sem máscara em um ambiente público, sentindo-se julgado e exposto", relata, em um exemplo que mostra como os sonhos refletem de forma rápida as mudanças impostas pela pandemia.

"É importante que a pessoa não só lembre dos sonhos, mas também os compartilhe, de maneira que ela possa recontar essas experiências e ter uma oportunidade de aprendizado, de mais criatividade para buscar novas soluções para a própria vida", diz a pesquisadora.

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