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Entre os maiores defensores da política de isolamento e distanciamento social durante o período de pandemia do novo coronavírus, estão os pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em especial Marcelo Gomes, pesquisador de Saúde Pública da instituição e coordenador de uma pesquisa que responde à seguinte dúvida:

Como estaria a situação do Brasil hoje se a restrição da mobilidade não tivesse sido instituída pelos governos estaduais e defendida pelo Ministério da Saúde (como é até o momento)? A resposta é: mal.

Na última terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro, em pronunciamento à nação, defendeu uma "volta à normalidade", com a liberação da circulação de pessoas, por razões econômicas. "Os locais que a gente avaliou como mais expostos [ao novo coronavírus] em um primeiro momento são justamente os que estão acumulando mais casos confirmados, registrados para a doença", diz Gomes, em entrevista à Gazeta do Povo.

De acordo com ele, as recomendações que o Ministério da Saúde vem fazendo até então estão alinhadas com esses resultados da pesquisa realizada pelo grupo da Fiocruz. "Torcemos para que isso se mantenha, que a pasta continue seguindo o que as evidências científicas vêm apontando, que as comunidades de saúde do mundo inteiro estão recomendando", diz.

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"Sem fazer isso [isolamento total], o cenário é extremamente preocupante. Fazendo, nós conseguiremos lidar, conseguiremos minimizar óbitos, minimizar um colapso do sistema de saúde que vai afetar não só os pacientes dessa doença, mas todo mundo que precisar do sistema hospitalar" - Marcelo Gomes, pesquisador.

De São Paulo e Rio de Janeiro para o Brasil

Para ver qual seria o "caminho" mais previsível que o novo coronavírus faria pelo Brasil, os pesquisadores partiram das cidades que registraram os primeiros casos: São Paulo e Rio de Janeiro.

Por meio da análise da malha aérea dessas capitais, ou de onde iam e vinham os aviões que pousam ali, além da média diária dos passageiros e do movimento pendular da população (pessoas que vivem em uma cidade, mas trabalham ou estudam em outra), outros grandes centros urbanos foram surgindo no mapa como áreas de risco.

"Como temos um volume muito grande de pessoas que fazem esse deslocamento, destacam-se os principais centros urbanos do país, e aí incluem as capitais do Sul, Sudeste, Recife, Salvador e outras cidades, como Uberlândia (MG) e Foz do Iguaçu (PR), que também têm um fluxo grande de pessoas. Isso faz com que esses locais sejam extremamente expostos à disseminação e ao estabelecimento desse vírus", explica o pesquisador.

Embora o estudo tenha olhado sob uma perspectiva de zero restrição ao deslocamento da população brasileira – o que não é a realidade atual do país – , Gomes lembra que, por razões diversas, muitas pessoas não têm a possibilidade de manter o isolamento. Além disso, os resultados servem de alerta para caso haja alguma alteração nessa política de prevenção.

"Sem fazer isso [isolamento total], o cenário é extremamente preocupante. Fazendo, nós conseguiremos lidar, conseguiremos minimizar óbitos, minimizar um colapso do sistema de saúde que vai afetar não só os pacientes dessa doença, mas todo mundo que precisar do sistema hospitalar", completa o pesquisador.

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Segunda onda da doença

A chamada segunda onda da doença representa o momento em que a Covid-19 passa a ser transmitida de forma comunitária pela região. Ou sem que seja possível rastrear como as pessoas foram contaminadas.

O Ministério da Saúde declarou que o Brasil havia alcançado a transmissão comunitária nacional (não restrita a alguns estados) na última sexta-feira (20/03). Mas, antes dessa data, os pesquisadores da Fiocruz haviam apontado as regiões de maior risco para esse segundo momento da doença.

"Supondo que nesses locais com maior exposição tivessem o estabelecimento do vírus, fizemos uma avaliação de como isso se disseminaria para a vizinhança. O cenário é extremamente preocupante porque ficamos com os entornos desses centros urbanos, podendo chegar a alta exposição ao longo de toda a costa brasileira, desde o Sul até o Nordeste, por causa dessa estrutura de mobilidade", explica Gomes.

Em amarelo, as regiões em maior risco para a contaminação da Covid-19 em uma segunda onda da doença Gráfico: MAVE - Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica (PROCC/Fiocruz e EMAp/FGV).

Sem uma redução significativa na mobilidade entre os municípios, mas também dentro de cada cidade, o pesquisador alerta que o potencial de disseminação do coronavírus é enorme.

Vale lembrar que, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Infectologia, cada pessoa infectada pela Covid-19 é capaz de repassar a doença para quase 3 pessoas. Em comparação, a taxa de transmissão do H1N1 é de 1,5 pessoas, e o do sarampo é de 15 pessoas.

Onde estão os idosos?

Visto que os idosos fazem parte de um dos grupos de risco para a Covid-19, os pesquisadores olharam ainda para quais regiões do Brasil concentravam essa população - e eles estavam justamente nas áreas de maior disseminação da doença.

"Essas localidades com alta exposição são regiões com densidade alta também para essas populações de risco. Havendo disseminação nessas regiões, pode vir a ter um grande número de casos graves, o que acaba potencialmente sobrecarregando as unidades de saúde", reforça o pesquisador.

Ganham destaque regiões do Sul e Sudeste no geral, mas principalmente, o Noroeste do estado de São Paulo, Sul de Minas Gerais, a fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, o Sul de Santa Catarina, entre outros.

Cuidado com o tempo

Ainda segundo Gomes, cidades interioranas que não têm contato direto com grandes centros urbanos têm uma margem de tempo que podem usar para aumentar a prevenção. Mas isso depende de a população aderir às recomendações de isolamento.

"Existe uma diferença de tempo entre termos a confirmação da transmissão comunitária e quando ela de fato aconteceu. Sempre ocorre antes, e essa janela de oportunidade pode ser da ordem de semanas", explica.

A adesão em massa ao isolamento, na opinião do pesquisador, é fundamental. "Hoje eu espero, torço e incentivo a população à adesão em massa. Em termos de quanto tempo isso vai durar, trabalhos de outros países que estão enfrentando isso há mais tempo sugerem que seja pelo menos um mês, podendo ser mais".

"O nosso objetivo é que esses mapas possam servir para ver quais regiões devem ser prioritárias, para aumentar a distribuição de leitos, e avaliar questões de redistribuição dessa carga, utilizar a rede privada para se abastecer e tomar as medidas de preparo antes da necessidade", finaliza.

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