Confira histórias da relação médico-paciente em um dos períodos mais sensíveis que alguém pode passar: o câncer de mama
“Sabe aquela pessoa que te prepara e te acalma?”, diz Maria Aparecida a respeito do médico Cleverton Spautz| Foto: Arquivo pessoal/Maria Aparecida Rodrigues dos Santos

Na luta contra o câncer de mama sai na frente quem faz do autoexame e da rotina clínica seus aliados. Por isso, especialmente neste ano – em meio à pandemia de Covid – o Outubro Rosa chega para mostrar que os cuidados básicos e a prevenção não podem parar.

A pedagoga Tânia Mary Gomez vivia um momento de pura alegria quando soube que podia estar doente. “Eu estava numa fase de curtição, de descoberta, tinha reencontrado o grande amor da minha vida quando o meu ginecologista disse que precisávamos conversar”, lembra.

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Da conversa para o diagnóstico foi um pulo. “É o tipo de coisa que ninguém quer ouvir. Como boa parte das mulheres [que passam por isso], eu não conseguia ver luz no fim do túnel”, conta. Às pressas, Tânia foi submetida aos cuidados médicos, que continuam 19 anos depois. “Eu preciso repetir os exames uma vez por ano, mas não tive nenhuma recidiva nesse tempo. Estando tudo bem, segue-se o rumo”, explica.

Tânia Gomes com  Sérgio Hatschbach. Foto: Arquivo pessoal/Tânia Mary Gomez
Tânia Gomes com Sérgio Hatschbach. Foto: Arquivo pessoal/Tânia Mary Gomez

No caso de Tânia – que se considera uma privilegiada – apenas cinco dias separaram o resultado dos exames da cirurgia de remoção do tumor. A pedagoga atribui ao especialista que a acompanha em toda essa jornada a chance de continuar lutando. “O doutor Sérgio, para mim, é o melhor que existe. A nossa união é tão forte que eu brinco que não existe divórcio. Nós estaremos juntos sempre. Eu digo que posso até me separar do marido, mas dele não”, diverte-se.

O médico, Sérgio Hatschbach, que atua como mastologista há quase cinco décadas, afirma que, pelas características da doença, o envolvimento é natural. “Isso faz parte do processo de atender a paciente nas suas necessidades clínicas e também pessoais”, diz o especialista, que atua no Instituto de Oncologia do Paraná (IOP) e calcula ter tratado quase 10 mil mulheres ao longo da carreira.

“Hoje se fala tanto em atendimento humanizado, mas isso sempre existiu. Você tem que viver o drama do paciente junto com ele, até para que possa ter uma boa orientação, tanto do ponto de vista profissional quanto humano”, avalia. Hatschbach ainda acrescenta que “não existe médico que lide apenas com o lado clínico e não prestem atenção no emocional dos pacientes”.

Maria Aparecida com Cleverton Spautz: parceria na jornada do tratamento.  Foto: Arquivo pessoal/Maria Aparecida Rodrigues dos Santos
Maria Aparecida com Cleverton Spautz: parceria na jornada do tratamento. Foto: Arquivo pessoal/Maria Aparecida Rodrigues dos Santos

Empatia

Também foi a maneira como o médico conduziu a situação que fez com que a técnica de enfermagem, Maria Aparecida Rodrigues dos Santos, acreditasse no tratamento. “Sabe aquela pessoa que te prepara e te acalma?”, descreve ela sobre a atuação do mastologista Cleverton Spautz, do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba.

Segundo Cida, desde a detecção do nódulo, passando pelo resultado da biópsia, o “baque” da notícia e o encaminhamento à oncologista, o médico esteve com ela. “Ele sempre me falava: ‘Eu vou cuidar de você’”, relata emocionada.

A trabalhadora da saúde também se recorda que toda vez que via uma paciente em estado grave – e se sentia insegura – recebia um incentivo. “Ele dizia: ‘Não se espelhe nelas. Cada caso é um caso e o seu vai ser diferente’. Isso me passava confiança e me dava forças para seguir”, comenta.

Nina Rachid precisou confiar e se entregar aos especialistas.  Foto: Arquivo pessoal/Nina Rachid
Nina Rachid precisou confiar e se entregar aos especialistas. Foto: Arquivo pessoal/Nina Rachid| Acervo pessoal

Confiança

Já no caso da gestora financeira Nina Rachid, de 54 anos, um momento delicado do tratamento a “uniu” ao seu radio-oncologista, Daniel Neves, em prol da cura. “Há cenários em que a radioterapia faz parte da programação terapêutica e a paciente espera por essa etapa. Em outros, depende muito do resultado final da cirurgia e, para algumas, acaba sendo uma surpresa”, esclarece o médico.

Surpreendida pelo diagnóstico, Nina, pela primeira vez, não sabia o que fazer. “Eu, que sempre tive uma solução para tudo, entendi que não dependia só de mim. Precisei confiar nos especialistas e me entregar a eles”, ressalta.

Casada há 26 anos (recém-completados) e mãe de uma jovem de 21, a executiva fala em ressignificação após o carcinoma raro. “Aprendi que se essa entrega que você é obrigada a fazer for feita com resiliência e com amor, você dá conta da sua mente”, declara.

Daniel, o médico, fala da identificação com a paciente desde o primeiro contato. “Ela é muito alto astral. Fez um tratamento longo, de 30 sessões [de radioterapia]. Nós conversávamos sobre vários assuntos, inclusive não relacionados ao câncer. E por aí, fomos desenvolvendo essa boa afinidade entre médico e paciente”, narra.

Diocelia Pazio foi voluntária em mastectomia robótica e reconstruiu as mamas. Foto: Arquivo pessoal/Diocelia Pazio
Diocelia Pazio foi voluntária em mastectomia robótica e reconstruiu as mamas. Foto: Arquivo pessoal/Diocelia Pazio

Cura interior

Nesse processo de cura física e interior, a enfermeira Diocelia Boico Pazio – que teve o diagnóstico em 2015 – coleciona vitórias. “Eu me lembro que na mesma semana que recebi a notícia da aprovação no concurso público que fiz para entrar no HC (Hospital de Clínicas da UFPR), descobri que estava com câncer”, expõe.

Depois do primeiro impacto, a ficha de Diocelia demorou a cair. “Eu fui sentir mesmo o choque quando comecei a perder o cabelo. Caíram minhas unhas, meu cabelo, meus cílios. Aí eu senti. Fiquei muito para baixo, porque era a minha imagem”, cita ao revelar que o maior medo era ter que parar a vida por conta da doença. 

Pelo tipo de câncer que a enfermeira teve na mama direita, um painel genético foi feito e atestou para câncer hereditário (menos de 10% dos casos). Como já havia um nódulo formado na mama esquerda, ela passou por um procedimento inédito, sendo a primeira mulher do país a fazer a mastectomia de forma robótica. “Os médicos perguntaram se eu queria ser voluntária e topei na hora. Nove dias depois da cirurgia já estava dirigindo”, conta.

“Este é um dos momentos mais devastadores do tratamento”, considera a chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Erasto Gaertner, Anne Groth, sobre a retirada da mama. “Tem gente que realmente chega com um quadro de negação, de dificuldade de enfrentamento. Mas, outras vêm muito positivas e tomam a cirurgia de reconstrução como um alento”, completa.

Novo sentido

Para Diocelia, o passo seguinte seria a troca dos expansores mamários por próteses de silicone, mas como estava concluindo a faculdade de Enfermagem na época, preferiu esperar. “Eu me formei no início de fevereiro [deste ano] e no final do mês, já fiz a cirurgia”, relata.

Em março, ela iniciaria uma nova fase na carreira como chefe de uma equipe no Hospital do Trabalhador. “Mesmo que tivesse dinheiro, jamais poderia reconstruir minhas mamas tão perfeitas como estão. Sinto-me inteira novamente”, garante. 

Segundo Anne Groth, é muito difícil, nos dias de hoje, pensar no tratamento de câncer de mama sem focar na reconstrução. “Não dá para separar uma coisa da outra. A grande vantagem da cirurgia plástica, nesses casos, é tornar uma coisa tão dura, tão difícil, tão dolorosa, um pouco mais tolerável”, mensura.

Recomeço

Para a cantora e fotógrafa Camila Ramos, de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, a principal preocupação era recuperar a aparência depois de ter sido submetida à mastectomia radical. Em 2016, com apenas 23 anos, ela percebeu um caroço no autoexame feito durante o banho.

“Os médicos disseram que eu fui uma das pacientes mais novas que eles já trataram. Foi um caso bem complicado, porque por fora parecia apenas um nódulo benigno, mas o câncer estava por dentro, encapsulado”, explica.

Pouco antes das últimas sessões de quimioterapia, Camila descobriu que estava grávida – o que acendeu o sinal de alerta para a equipe de especialistas. “Foi uma gestação de risco, mas eu me cuidei bastante, recebi todo o apoio dos médicos [do Hospital Erasto Gaertner] e o bebê nasceu bem e saudável”, menciona.

Hoje, Leonardo tem dois anos e a mãe caminha para voltar à vida normal. “Todos os médicos me atenderam bem. Explicaram tudo o que eu precisava saber, tive assistência psicológica e agradeço a eles por estar aqui”, conclui.

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