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O posto 11 da Praia do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, recebeu um evento singular no último dia 1º de maio. Pranchas de surfe dividiam espaço com o altar montado sobre a areia da praia, no qual o cardeal-arcebispo da cidade, dom Orani João Tempesta, celebrou uma missa por ocasião do sétimo aniversário da morte de Guido Vidal França Schäffer, vitimado por um acidente enquanto surfava naquele ponto da orla. O jovem de 34 anos desmaiou ao ser atingido na nuca pela própria prancha em uma manobra malsucedida e se afogou.

Foi o mesmo cardeal Tempesta que em 2009, recém-chegado à Arquidiocese do Rio de Janeiro, celebrou a missa de corpo presente, na Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, à qual acorreram mais de duas mil pessoas. Hoje, depois de sete anos, Guido já tem o título de Servo de Deus e a fase diocesana de seu processo de beatificação está avançada. Mas o que um seminarista, que também era médico e surfista, tem de tão especial?

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“Guido Schäffer transformou o ordinário, o comum da vida, em santidade, em extraordinário”, diz o padre Jorge Luiz Neves, mais conhecido como padre Jorjão, que foi amigo e diretor espiritual do rapaz. Nascido em Volta Redonda, a 128 km da capital do estado, em 22 de maio de 1974, onde a avó era obstetra, Guido morou durante quase toda a vida em Copacabana, onde aprendeu a amar o mar desde pequeno.

Foi ali perto, na Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, que o jovem fundou a pedido do padre Jorjão o grupo de oração “Fogo do Espírito Santo”, em 1998, mesmo ano em que se formou em medicina. No grupo, Guido começou a sua experiência como pregador. No começo eram apenas três pessoas – depois de um tempo, o número chegou a quatrocentas. “Não havia separação entre a palavra pregada e a vivida”, lembra o padre.

Mesmo dividindo o tempo de estudo com a dedicação ao grupo, Guido passou em três residências. Escolheu a Santa Casa de Misericórdia, fundada em 1582 por são José de Anchieta, onde poderia ficar mais perto dos pobres. Tinha uma predileção especial pelos portadores de HIV.

Enquanto trabalhava lá, começou um projeto de atendimento a moradores de rua, junto às Missionárias da Caridade, a congregação fundada por madre Teresa de Calcutá. A mãe de Guido, Nazareth, hoje com 67 anos, conta que a preocupação com os mais pobres vinha de pequeno. Nazareth lembra que não foram as poucas as vezes em que ele chegou em casa sem camisa ou calçados, depois de tê-los dado a algum mendigo.

 

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Como médico, dava testemunho de sua fé pelo amor que dispensava no cuidado dos enfermos, pelas palavras que oferecia a quem tinha perdido o gosto pela vida e sofria com a falta de fé e até mesmo através de curas extraordinárias. O padre Jorjão conta em seu livro Guido – Mensageiro do Espírito Santo (Ed. Casa da Palavra, 2015) que através da oração o médico operou curas em paralíticos. Em uma ocasião, levou uma paciente com o lado direito do corpo paralisado à capela do hospital e rezou por ela, instando-a a aceitar Jesus Cristo. “A mulher retornou milagrosamente saltitante ao seu leito”, conta o padre.

O cuidado médico se fazia também lugar de anúncio do Evangelho. Certa vez, o jovem socorreu um morador de rua, tratando um abscesso em sua cabeça, resultado de uma pedrada. Guido passou três horas conversando com o homem. Ao fim, o mendigo agradeceu: “Bendita pedrada! Foi preciso acontecer isso para que eu conhecesse Jesus!”

O médico Milton Arantes, que até hoje é o responsável pelas enfermarias 4 e 20 da Santa Casa, onde Guido atuou, lembra do rapaz com carinho e admiração e não esquece a conversa que teve com ele um dia antes da sua morte. “Conversamos longamente sobre as minhas dúvidas de fé. Ele sempre mostrou com muita segurança a existência de Deus”. Quando soube da morte de Guido, foi a uma igreja rezar por ele. “Este foi meu primeiro retorno à Igreja, pela fé que o Guido me transmitiu”, recorda.

 

Apaixonado pelas ondas, Guido via Deus no mar

Em novembro de 2000, Guido se sentiu chamado à vida sacerdotal. Os bispos do Rio pediram que ele iniciasse o curso de Filosofia no Mosteiro de S. Bento como aluno externo, para que o jovem pudesse continuar o seu trabalho voluntário junto aos necessitados, na Santa Casa e nas ruas. Guido só entrou de fato no seminário em 2008, quando já estava concluindo o curso de Teologia.

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“Era impressionante como um jovem como a gente falava de Deus com tanta naturalidade e convicção. Tocava profundamente quem o conhecia”, afirma o engenheiro Eduardo Martins, 40 anos, um dos melhores amigos de Guido. O acidente que vitimou o seminarista aconteceu quando um grupo de amigos surfava como comemoração de despedida de solteiro de Eduardo, que se casou no dia seguinte.

“Surfista, apaixonado pelas ondas, me ensinou algumas coisas: a não ter tanto medo de ondas grandes e, o mais importante, a amar Jesus”, disse Eduardo, em uma homenagem ao amigo no final da celebração do seu casamento. A pessoas próximas, Guido confidenciou algumas vezes que, se pudesse escolher, gostaria de morrer surfando. “O mar, para ele, representava a imensidão do amor de Deus”, conta o padre Jorjão. “Guido não conseguia ver limites nesse amor. O mar era um lugar de profunda intimidade com Deus”.

 

Como a Igreja Católica reconhece um santo

Entenda passo a passo o processo.

SERVO DE DEUS

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– O ator, ou seja, uma pessoa física ou jurídica – uma diocese, uma congregação religiosa ou até mesmo um órgão civil – decide promover a causa de beatificação de um fiel católico morto em fama de santidade ou por ódio à fé. É necessário esperar cinco anos a partir da morte do fiel para iniciar o processo, mas o papa pode dispensar dessa obrigação – como Bento XVI fez com João Paulo II.

– O ator nomeia um postulador, que deve ser reconhecido pelo bispo da diocese onde o fiel morreu. O postulador é o advogado de causa e representa o ator diante da Congregação para as Causas dos Santos, no Vaticano. O bispo instaura um inquérito diocesano a respeito da vida do fiel e nomeia dois teólogos para analisar os seus escritos, se for o caso. Quando o inquérito é instaurado, o fiel já pode ser chamado de servo de Deus.

Servos de Deus do Brasil: Pe. Donizetti Tavares de Lima, João Luiz Pozzobon, D. Hélder Câmara, Jerônimo e Zélia Magalhães

VENERÁVEL

– O bispo pede à Congregação para as Causas dos Santos o nihil obstat – nada obsta –, que certifica que não há nada nos arquivos do Vaticano que possa suspender o processo.

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– Depois do inquérito diocesano, o processo segue para a Congregação para as Causas dos Santos. Lá, um relator é responsável pela redação da positio, um texto que inclui uma biografia crítica do servo de Deus e os testemunhos dados no inquérito diocesano. Três grupos de peritos – historiadores, teólogos e bispos – examinam e votam sobre a causa. Se os três grupos forem unânimes em emitir um parecer favorável à positio, aprova-se um decreto a respeito das virtudes heroicas do servo de Deus e, se for o caso, do martírio. Agora o fiel já pode ser chamado de venerável.

Veneráveis do Brasil: Marcello Candia, Atílio Giordani, D. Antônio Ferreira Viçoso, Serafina Cinque

BEATO

– Se o venerável for um mártir, basta marcar a data da cerimônia de beatificação. Para não-mártires, porém, é preciso a aprovação de um milagre ocorrido por sua intercessão. Geralmente, recebem-se diversos relatos de possíveis milagres ocorridos após a morte do venerável. O postulador seleciona o que tem mais chances de ser autêntico e pede ao bispo do local onde ele ocorreu que solicite à Congregação para as Causas dos Santos a abertura de um inquérito diocesano.

– O resultado do inquérito é enviado à Congregação, que pede que um corpo de médicos e cientistas julgue se se trata de algo extraordinário ou se o presumível milagre é explicável cientificamente. Se a consultoria científica dá parecer favorável ao milagre, a beatificação pode ser agendada. Atualmente, a cerimônia de beatificação costuma acontecer no país do venerável, presidida pelo cardeal prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. A partir daí, o fiel pode ser chamado de beato ou bem-aventurado.

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Beatos do Brasil: Albertina Berkenbrock, Dulce dos Pobres, Eustáquio van Lieshout, Francisco de Paula Victor

SANTO

– O mesmo procedimento para investigar a ocorrência de um milagre é repetido (ou feito pela primeira vez, no caso dos mártires). Quando um novo milagre é aprovado, a canonização é agendada. A cerimônia é presidida pelo papa e geralmente acontece em Roma. A partir dela, o fiel pode ser chamado de santo e é apresentado a toda a Igreja Católica como exemplo e intercessor.

Santos do Brasil: José de Anchieta, Paulina, Antônio de Sant’Ana Galvão, Roque Gonzáles e companheiros