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Joel Michael Reynolds*, The Conversation

O uso de tecnologias de rastreamento e vigilância pessoal cresceu consideravelmente na última década. Agora existem aplicativos para monitorar o movimento, a saúde, a atenção, o sono, os hábitos alimentares e até mesmo a atividade sexual.

Alguns dos problemas mais espinhosos surgem de aplicativos projetados para rastrear outras pessoas. Por exemplo, há aplicativos específicos que permitem que os pais monitorem a localização do seu filho, para quem ele liga, o que ele conversa, quais aplicativos usam, o que visualizam online e o número de telefone de seus contatos.

Como um bioeticista especializado na ética das tecnologias emergentes, eu me preocupo que essas tecnologias de rastreamento estejam transformando a parentalidade prudente em uma parentalidade de vigilância. Aqui estão três razões para isso

1. As empresas rastreiam o lucro

A primeira razão tem a ver com preocupações sobre a tecnologia em si. Aplicativos de rastreamento não são projetados principalmente para manter as crianças seguras ou ajudar na criação dos filhos. Eles são projetados para ganhar dinheiro através da venda das informações que coletam.

Um relatório de 2017 de uma empresa de pesquisa de mercado estima que as tecnologias de automonitoramento apenas no campo da saúde atingirão uma receita bruta de US$ 71,9 bilhões até 2022.

A parte principal do lucro não está no próprio dispositivo, mas nos dados extraídos de seus usuários. Para obter o máximo de dados possível, esses aplicativos trabalham muito para que os usemos constantemente, através de notificações push e outras técnicas de design.

Esses dados costumam ser vendidos para outras empresas – incluindo agências de publicidade e empresas de campanha política. O principal objetivo desses dispositivos não é o bem-estar das pessoas, mas o lucro que pode ser obtido com seus dados.

Quando os pais acompanham os filhos, eles ajudam as empresas a maximizar seus lucros. Se as informações de uma criança perderem o anonimato e caírem em mãos erradas, isso pode colocá-la em risco.

2. Riscos de vazamento de dados privados

Existem também riscos significativos de privacidade. Um estudo de 2014 da empresa de segurança Symantec descobriu que até mesmo dispositivos que parecem não ser rastreáveis ainda podem ser rastreados sem fio, como resultado de recursos de privacidade insuficientes.

Naquele mesmo ano, um estudo realizado por cientistas da computação da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign descobriu que muitos aplicativos de saúde para Android, por exemplo, enviam informações não criptografadas pela internet. Quase todos esses aplicativos monitoram a localização de uma pessoa. Pesquisadores do MIT e da Universidade Católica de Louvain descobriram que bastam apenas quatro informações conjuntas de localização com data e hora para identificar 95% dos indivíduos, tornando as promessas de anonimato vazias.

Informações relacionadas ao paradeiro das pessoas podem revelar dados valiosos sobre elas. No caso de crianças, seus dados de rastreamento poderiam ser facilmente usados por outra pessoa.

3. Pode-se quebrar a confiança

Outra razão pela qual rastrear um filho é preocupante tem a ver com o risco de quebrar a sua confiança. Cientistas sociais mostraram que a confiança é fundamental para relacionamentos próximos, incluindo relacionamentos saudáveis entre pais e filhos. Ela é necessária para o desenvolvimento do compromisso um com o outro e para ter a sensação de segurança. O senso de privacidade pessoal de uma criança é um componente crucial dessa confiança.

Um estudo de 2019 mostra que monitorar uma criança pode minar o senso de confiança e vínculo. De fato, pode se tornar contraproducente ao ponto de empurrar a criança ainda mais para a rebelião.

Esse risco, eu diria, talvez seja muito mais sério do que aqueles que levam os pais a optar pelo rastreio de seus filhos.

Algumas exceções

Embora eu ache que rastrear um filho seja muitas vezes antiético, há alguns casos em que isso pode ser justificado. Se um pai tiver boas razões para suspeitar que seu filho tem pensamentos suicidas ou está envolvido com grupos extremistas ou outras atividades que ameacem sua vida ou a de outros, o melhor curso de ação pode envolver quebrar a confiança, invadir a privacidade e monitorar a criança.

Mas essas são as exceções, não as regras. Pense duas vezes antes de rastrear seus filhos.

*Professor de Filosofia da Universidade de Massachusetts Lowell.

Tradução de Janaína Imthurm.

©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

 

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