A missão mais desafiadora e importante de formar adultos saudáveis no mundo passa pela capacidade de dialogar com filho adolescente.
A missão mais desafiadora e importante de formar adultos saudáveis no mundo passa pela capacidade de dialogar com filho adolescente.| Foto: Bigstock

Pais falam demais, fato irremediavelmente verdadeiro. Antes de contestar a (auto)crítica, digo mais: não sabemos a hora de parar de falar... especialmente com filho adolescente. Falo – sem trocadilhos – por experiência própria. O preço desta inabilidade é alto: repetimos erros desnecessários que nos tornam pais inconscientes e ineficazes.

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A missão mais desafiadora e importante de formar – e sermos – adultos saudáveis no mundo passa pela capacidade de dialogar e se relacionar com o outro inclusive com filho adolescente. Não só vivi situações controversas pelo mau diálogo como também presenciei várias outras em famílias diferentes. A lição que ficou foi: não sabemos a hora certa de parar de falar.

“Impossível falar com adolescente”

"Mãe, escuta! Tô contando a historia e você me interrompe o tempo todo! Deixa eu falar, saco!" Quando atentei à habitual crítica de filho, percebi: desperdiçava preciosos momentos de conhece-lo de perto. Deixava-me levar impulsivamente comentando, completando, às vezes até deduzindo suas narrativas.

Sem cerimônia, tomava a liderança de um assunto originalmente... dele. Frequentemente reclamava da má comunicação com filho adolescente. Invariavelmente escutava o mesmo de outros pais e, junto, frases feitas e clichês usadas como justificativa de uma desapercebida inabilidade: "É assim mesmo. Impossível falar com adolescente!"

Muito esforço pra nada

Assim, a cada conversa truncada, a premissa se tornava álibi de uma conversa incipiente... e sem futuro. "Mãe, sabe o Zeca, da outra turma, de quem te falei outro dia? Então: foi suspenso. Se ferrou. Disseram que ele matou aula... a princípio, foi pego pulando o muro da escola e..." "Sério? Assim não dá, né? Você nem se atreva a fazer o mesmo, hein?! Senão vai dar ruim pra você...", ressaltou a mãe.

"Mãe! Pára! Deixa eu contar: a questão é diferente. O negócio é que, depois disso, a diretora ligou para os pais...", "Affff, coitada dessa mãe! Deve ter ficado p da vida! Não é fácil, viu! A gente ensina mas filho...", reclamou fixando olhar em mim como que pedindo validação ao seu comentário. "Mããããe, que saco! Não vou contar mais nada! Você não para de falar! Interrompe toda hora! Fui! Não falo mais nada! Depois não reclama que não te conto nada!", e voltou para seu quarto a portas fechadas.

"Não, filho, volta aqui! Prometo escutar até o fim!", prometeu a mãe tarde demais. Não restando muito o que fazer, voltou-se para mim em busca de consolo: "Pô, não posso falar nada! Impossível falar com adolescente..." Decerto que sua inconsciente atitude a impedia de reconhecer que a tentativa de conversa tinha raízes mais profundas. Frequentemente interrompido, filho desistiu de contar sua história. Desconhecedora da hora certa de parar de falar, mãe simplesmente não dava espaço para filho dividi-la naturalmente. Era esforço demais... para nada.

O poder de escutar filho adolescente

Quando me tornei mãe de adolescente, confesso: minha necessidade de falar cresceu exponencialmente. Por vários motivos mas fato é que só hoje noto o quanto isso me rendeu discussões evitáveis. Em suma: pecava pelo excesso. Quando meu adolescente se propunha a me contar algo eu irremediavelmente caía na cilada de sempre: não saber a hora de parar de falar.

Ansiosa por comentar tudo que escutava, interrompia a narrativa e transformava a oportunidade de diálogo com filho em contato chato, cansativo e ineficaz. As interrupções desestimulavam a continuidade do assunto. Reiteradamente roubava a cena firmando minhas prioridades em vez de respeitar as de filho que iniciara a conversa. Impedido de seguir com a história, filho logo perdia o desejo de dividi-la comigo.

Assim o diálogo morria antes mesmo de nascer. Saber a hora certa de parar de falar tem enorme poder: o de atrair filho para perto.. apesar da adolescência.

O diálogo vicioso de pais e filhos

Adolescente naturalmente se esquiva de conversar com pais. Acometido por uma espécie de "alergia" aos pais nesta fase, momentos de interação são de fato raros. Por isso mesmo, oportunidades como esta – raras! – precisam ser aproveitados com sabedoria. Do contrário, criam abismo entre pais e filhos por longos e penosos anos. Assim surgiu o "diálogo vicioso" com filho adolescente: ele me buscava para contar algo, eu o cortava, ele desistia, eu me frustrava, ele sumia e eu... bem, eu reclamava de não saber de sua vida.

À medida em que a dinâmica repetia, filho tentava menos e menos. Interações drasticamente reduzidas ampliavam os atritos silenciosos. A alergia notoriamente agravada virou justificativa preguiçosa para nossa má comunicação. Apoiada em clichês ainda não enxergava o motivo real de nosso descompasso: não saber parar de falar... e simplesmente escutar filho.

Premissas do quando parar de falar

Precisei despertar, aprender e, sobretudo, exercitar muito a escuta. Conscientizar-me de meu comportamento foi o primeiro de muitos passos dados em seguida e que culminaram com mudança significativa em nossa relação cotidiana. Saber a hora de parar de falar é especialmente difícil para pais de adolescente. Somos levados a crer na educação a qualquer custo e hora.

Assim quebrei paradigmas assumindo duas novas premissas para restabelecer parte de nossa relação, a saber: Primeira: o que quero falar vai mudar o curso da conversa iniciada por filho adolescente? Em suma: respeito o fluxo da conversa escutando até o fim sua narrativa reforçando o entendimento da história e mantendo o foco dele, não o meu? Por este caminho, aquele momento ganharia direção diferente: "Caramba! Que doido esse Zeca!" (reforço com comentário sem desvios de foco). "É maluco! Todo mundo fala isso dele! Mas aí ligaram pra família...", e a conversa, então, flui. Sem desvios e interrupções de raciocínio.

Segunda: guardo qualquer reforço moral para depois? Ou seja, permito a conversa fluir sem correções e lições de moral durante a narrativa? Ao fim do relato até posso orientar mas importante atentar ao custo-benefício desta atitude evitando de transformar momento (raro, lembre-se) de troca espontânea entre mãe e filho em lições de moral entediantes que, no fim das contas, se tornam verdadeiro tiro no pé.

Por uma comunicação eficaz

Conversar com filho adolescente é sonho de consumo de pais que têm mesmo o que falar. Porém, precisamos saber o melhor momento para isso; precisamos aprender a priorizar e ordenar as necessidades. A rara ocasião até surge mas, distraidamente, a desperdiçamos com atitudes automáticas que acabam por nutrir o oposto do esperado e devido: uma comunicação conturbada e progressivamente nula com filho adolescente.

Entre falar e aprender novos meios de me conectar com filho adolescente, escolhi a última. Tanto quanto difícil, parar de falar na hora certa é competência valiosa porque permite acesso antes bloqueados pela má comunicação com qualquer um. Desenvolve-la me levou a descobrir que filho adolescente também tem o que – e deseja – falar; só precisa de outro que efetivamente saiba como escuta-lo. Sejamos então nós, pais ouvintes e construtores de uma interlocução educativa... a todos.

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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