O adolescente que não escuta pais é um caso mais comum do que se imagina
O adolescente que não escuta pais é um caso mais comum do que se imagina.| Foto: Bigstock

Houve um tempo em que cheguei a pensar que o filho adolescente tivesse problema auditivo. Várias vezes no vácuo de respostas, descobri não se tratar exatamente de alguma deficiência, mas de uma capciosa audição seletiva. E mais: adolescente que não escuta pais é um caso mais comum do que imaginava.

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Uma espécie de "surdez transitória" parecia mesmo escolher hora para se manifestar. Curiosamente quando eu, a mãe, me dirigia ao filho para lhe cobrar ou pedir algo. Como que munido de um detector de pedidos maternos, o filho não respondia às minhas solicitações. A resposta era invariavelmente o contrário: silêncio, o que sempre me levava à extrema irritação... para ser menos dura.

O corriqueiro hiato, na verdade, me irava e logo incorríamos em bate-bocas estúpidos. Cansada da maçante dinâmica, decidi buscar meios de reverter o conhecido quadro de pais de adolescente. Antes, precisei observar as situações a fim de descobrir sinais que me ajudassem a (tentar) reagir diferente.

Mudar este quadro de filho adolescente que não escuta pais, adianto, foi "chateeerrimo", mas, asseguro: o esforço valeu a pena. Portanto, continue a leitura e te contarei o que você até agora não sabia sobre o filho adolescente que não escuta pais.

A mesma história de pais e filho adolescente

Se você é pai ou mãe de adolescente certamente vive isso. Afinal, é situação clássica dentre muitas outras irritantes experimentadas com o filho adolescente. Aquelas vezes em que cobra ou pede ajuda do filho e ele simplesmente... te ignora. Simples assim.

A cena em casa era mais comum do que gostaria. Cheguei a pensar que fosse um problema exclusivo até testemunhar o mesmo em outros lares, inclusive os resultados: desgastantes e inúteis bate-bocas com o filho adolescente que não escuta pais.

— Davi... – nada...
— Davi... é seu dia de lavar a louça, filho.

Silêncio, e Davi no computador, assim permaneceu. Sem mexer um músculo nem expressar qualquer som, sequer uma reclamação. Nada. Só o irritante silêncio de quem se faz de surdo.

— Davi... Daviiiiiiiii! Escutou o que disse?
— Quê, mãããe? Tá doida?
— Será possível que não me escuta? Te chamo há horas – a sensação era essa – e nada? Como pode, gente? Será que existe um detector reconhecendo minha voz gritando também? Ou será que é só você me ignorando mesmo?
— Que saco, mãe! Que cê tá dizendo? Detector? Quê que cê tanto fala? Tô fazendo um negócio aqui e você reclamando sei lá do quê! Não te escutei, pô!

Armado o terreno e mais um bate-boca. Já enfurecida com a falsa inocência, caía na habitual cilada das cansativas discussões inúteis com o típico filho adolescente que não escuta pais. Sem avanços a uma nova direção, estagnávamos na conhecida trilha de pais e filho adolescente em conflito. Simples assim.

A falsa surdez adolescente

Quando os episódios começaram a acontecer pensei se tratar de simples distração do filho adolescente avoado. Depois, me preocupei pensando se tratar de iminente surdez. Passei então a observar mais, a fim de averiguar o motivo pelo qual cada pedido meu provocava tamanha confusão.

Surpreendentemente o problema era outro: hábil tática de acionar a audição seletiva incrivelmente eficiente ao filho adolescente que não escuta pais. Como que programado para não escutar pedidos e ordens minhas, o filho se tornava propositadamente surdo para se safar de tarefas que não queria fazer.

Eficazmente programado e altamente sensível à voz de comando, o filho adolescente que não escuta pais bloqueia o acesso destes simplesmente fingindo não escutar. Assim, de forma ridiculamente primitiva, parte dos conflitos perpetuados há gerações entre pais e filhos adolescentes se repete e se degringola em choques... todo dia.

A decisão de mudar

Alterados e completa – e mutuamente – irritados, começam as sessões de bufadas e as ladainhas de reclamações em uma explosão de críticas ecoando de todos os lados. Porém, naquele dia mais atenta, consegui colher pistas sobre a "transitória surdez":

— Mãe, você tá sempre mandando eu fazer alguma coisa! Saco! Toda hora quer que eu pare tudo que tô fazendo pra fazer o que você quer e na sua hora! Saco! Sacoooo!

Então entendi um pouco mais: filho adolescente que não escuta pais é, na verdade, uma falácia. Não só escuta tudo como rapidamente escolhe o que deve ser efetivamente escutado. Movido pelo tal detector invisível, que habilmente reconhece minha voz e o coloca em modo de alerta, para a sempre perigosa e iminente ameaça de ser mobilizado a fazer algo que não quer. Então no modo "hibernar", sai de órbita se fazendo de surdo.

Não me pergunte o porquê, mas acatar ordens e pedidos dos pais é deveras penoso ao filho adolescente. Portanto, fazer-se de surdo é a escapatória menos danosa – a ele: Se "não escuto, logo não faço". O lema é simples assim.

Para responder a este desafio e resolver o meu – o nosso – problema de ser escutado e atendido precisei mudar a conhecida dinâmica do filho adolescente que não escuta pais, primeiro por mim.

O filho adolescente que não escuta pais mudou

Comprovada a enfurecedora audição seletiva do filho adolescente, passei a me impor ocupando espaço. Enquanto escutava também sentia – literalmente – minha presença, o que, para o adolescente, descobri ser ainda pior.

Irremediavelmente diante dele, a situação ficou extremamente incômoda a ponto de vê-lo sofrer revés quando, sem escapatória, se viu forçado a me responder; do contrário, tão cedo sairia dali, o que tornaria o momento ainda mais insuportável:

— Mãe, você é um saco! Isso é irritante! Fala pra mim: você gostaria de alguém no teu pé te obrigando a fazer uma coisa que você não quer fazer, ainda mais quando você está fazendo outra coisa?

— Por favor, vá lavar a louça que está na pia – repetia em tom uníssono e assertivo, convocando-o sem margem a discussões. Acuado, reclamou como esperado, claro, mas não mordi a isca. Em vez de rebatê-lo, permaneci firme e fiel à estratégia de reverter a dinâmica do filho adolescente que não escuta pais. O bônus extra foi vê-lo, finalmente, fazendo o que lhe pedia na hora. Ainda que, antes, deixando sua marca pessoal:
— Sacoooooo!

Cansativo mas... simples assim.

Uma história diferente com o filho adolescente

Erramos e insistimos em aceitar uma relação conturbada com filho adolescente sob a justificativa de se tratar de “uma fase difícil”. Sem dúvida é, mas com certeza possível de ser vivida de outro jeito.

Estou certa de que esta é mais uma situação comumente vivida entre pais e filho adolescente que, como eu, se desgastam com cenas repetidas de total intolerância (mútua) que confirmam a profética velha novidade de ser “assim mesmo”.

Depois de viver longos anos de mesmas histórias com filho adolescente, decidi tentar algo diferente mesmo ainda sem saber como. Estava disposta a encarar o desafio e o resultado desta, e de muitas outras situações, foi realmente melhor.

Cansativo, e até infantil, pensar que cheguei a este ponto para reverter a dinâmica com o filho adolescente que não escuta pais mas... deu certo. Esta e muitas velhas situações mudaram porque, primeiro, eu mudei. E provaram: viver e escrever uma história diferente da habitual com o adolescente é possível... desde que os pais mudem também.

O tal detector – e muito mais – por trás dos conflitos com o filho adolescente de fato existe. E para combatê-lo e mudar as conturbadas dinâmicas, só com disposição e lente mais ampla para enxergar nos conflitos a oportunidade de crescer... junto com o filho.

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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