Facilmente entramos no ciclo vicioso de um ritmo alucinante de responsabilidades e acabamos errando no cuidado de nossas relações.
Facilmente entramos no ciclo vicioso de um ritmo alucinante de responsabilidades e acabamos errando no cuidado de nossas relações.| Foto: Engin Akyurt/Unsplash

A vida cada vez mais complexa, acelerada e agitada tem dificultado o relacionamento entre pais e filho adolescente. Facilmente entramos no ciclo vicioso de um ritmo alucinante de deveres e responsabilidades desatentos e acabamos por errar feio no cuidado de nossas relações.

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A evolução da sociedade sempre traz um sem número de ganhos, mas não há como negar: precisamos ficar atentos porque junto a ameaça de viver no modo automático nos alcança e deteriora o mais importante: a qualidade de nossas relações afetivas.

A mãe general

A correria dos compromissos e das atividades me atingiu ardilosamente a ponto de me transformar no que chamei de mãe-general. Sob a imagem traçada por filho adolescente que me julgava linha dura, que em suas palavras significava “presa a regras sempre inegociáveis e imutáveis”, assumi este papel involuntariamente.

Endurecida por normas, convenções e deveres gradativamente fui perdendo a leveza das relações. Enquadrada em moldura rija, os diversos papéis assumidos e desempenhados entraram no modo automático e ameaçaram o pilar de sustentação de minha vida: a família.

No automático, a então consolidada mãe general virou cobradora contumaz de filhos adolescentes tornando o cotidiano mais uma atividade de pura obrigação que, como de se esperar, instaurou pesado clima e permissiva relação entre mãe e filhos.

O oceano de mãe de adolescente

Mergulhada em um oceano vermelho de duros embates sem solução com meu adolescente, constatei a má qualidade de minhas relações que, àquela altura, já se estavam negligentemente comprometidas.

Perdida e assustada desconhecia como chegara àquele ponto, uma das primeiras questões que pipocaram em minha mente já inquieta. A alegria vivida em família até então assumira extremo de um relacionamento conturbado e exaustivo com filho adolescente.

Sem resposta e, pior, sem vislumbrar saída, titubeei em arregaçar as mangas para busca-las assumindo a normalidade viciosa de pais de adolescente resignados à fase “difícil que passa” até finalmente me decidir a mudar esta história aparentemente “comum”.

Do torpor paralisante à agitação inquietante, redirecionei a atenção ao problema aparentemente insolúvel disposta a encarar os fatos na real. Vi então largo oceano de águas turvas me engolindo facilmente.

Para escapar precisei, primeiro, entender a dinâmica à qual me sujeitara e, a partir daí, muda-la nadando de forma mais fluida e consciente ajustada às novas necessidades impostas pela maré da adolescência.

A relação mãe e filhos comprometida

Era executiva de empresas e nunca deixei de viver a maternidade intensamente. Nem o escasso tempo de encontros familiares impediam de me dedicar a filhos e a participar ativamente de seu desenvolvimento de perto e criar vínculos preciosos e dos quais me orgulhava de ter consolidado.

Quando adolescentes, porém, a dinâmica mudou. Como de se esperar, a progressiva delegação de deveres e substituiu o controle total. O caminho, até então de mão única, dividiu-se dando a filhos liberdade e também responsabilidades novas que, ao longo do tempo, a mãe general passou a impor e a cobrar no modo automático.

O pouco tempo de convívio familiar ocasionado pela vida agitada de executiva e filhos autônomos logo se limitou a cobranças de deveres, notas e tarefas. No modo automático assumido como “normal” e até “devido”, a relação mãe e filhos foi perdendo a graça e a cumplicidade até então construída.

Mãe igual a muitas outras

Um dia, meu adolescente explodiu:

- Saco, mãe! Você só manda e cobra! Tá sempre acelerada e ditando regras e apontando erros! Quando chega em casa, é só reclamação e ordem... pô, não dá nem vontade de estar em casa quando você chega! – e fechou a porta do seu quarto.

Quando a verdade grita e, de um sobressalto, passamos a enxergar o óbvio, não há escapatória: há de encará-la e de tratar a ferida estrategicamente escondida. Assim recebi aquele desabafo filial: incisiva e inescapável cutucada na ferida de viver como mãe general.

A agenda não permitia viver amenidades e, curiosamente, chegou a ser motivo de orgulho para mim ocupada com coisas “importantes” demais para perder tempo com relações “leves”. Pesada a filhos, me tornara mãe igual a muitas outras; perdera minha autenticidade.

Mergulhando em águas mais profundas

Os dias subsequentes foram angustiantes. A vida, oficialmente desvendada no modo automático de um ritmo alucinante de agenda preenchida por deveres e cobranças ofuscara a graça da maternidade.

Do orgulho à frustração, mergulhei nas águas profundas daquele oceano turvo cheio de vazios escamoteados pelos dias atribulados. Aturdida, senti o peso negligentemente assumido pela eletrizante vida de mãe de adolescente vivida no modo automático.

Da frustração à profunda perturbação, agarrei-me ao desejo de salvar minha relação com filhos adolescentes e a tábua de salvação seria, antes de tudo, recuperar a leveza de uma relação um dia construída e, em outro, perdida.

Por uma maternidade autêntica

Conviver é exercício essencialmente humano e difícil porque demanda empenho e atenção constante de quem se dispõe a viver de forma autêntica nutrindo boas relações; inclusive com filho adolescente.

Tendemos a crer que impor e cobrar seja nossa missão junto a filho adolescente e esquecemos o valor de uma relação pautada em cumplicidade e sobretudo, amor vivido e exercitado.

Somos gente, pais e filhos movidos a relações pessoais e necessitados de vínculos afetivos para crescer e nos aprimorar a cada dia e, nesta caminhada, escrever história única e que valha a pena.

Esta é a meta de pais de adolescente: criar, nutrir e estimular vínculos saudáveis em uma relação na maior parte das vezes, difícil, mas sempre válida por sua preciosidade. Vida de sucesso é vida pautada em relações solidamente construídas pelo exercício de aprimoramento mútuo e contínuo.

Deveres e responsabilidades fazem parte da vida, mas o prazer de conviver com filho adolescente é conquista só alcançada por esforço individual, consciente e atento de quem vive a maternidade com autenticidade. Ser mãe-general, definitivamente, não é “normal” tampouco solução; é tiro no pé.

*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.

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