Licença familiar remunerada é um investimento em saúde pública
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Darby Saxbe*, The Conversation

A maioria dos norte-americanos – tanto da direita quanto da esquerda – afirmam apoiar a licença parental remunerada.

No entanto, ainda não encontramos a disposição política para isso, em parte porque a discussão parece sempre começar com a pergunta: “como iremos pagar?”.

Todavia, essa questão não está sendo analisada totalmente. Como pesquisadora que se concentra no estresse e na saúde das famílias, acredito que há uma pergunta mais importante a se fazer: “como pagamos pela falta de licença parental?”.

Em outras palavras, como o estresse de um rápido retorno ao trabalho afeta pais e mães e, por sua vez, custa a sociedade como um todo? Recentemente, procurei responder a essa pergunta aprofundando pesquisas sobre as muitas mudanças que os novos pais experimentam nas primeiras semanas, meses e anos após o nascimento de um novo filho – e a possibilidade de que todas essas mudanças possam não apenas comprometer o bem-estar das crianças mas também colocar a saúde dos pais em risco.

Uma estatística global

Quão rápido as mulheres devem se recuperar após o parto? De acordo com as revistas de celebridades: imediatamente. E muitos locais de trabalho nos Estados Unidos transmitem a mesma mensagem.

A típica licença maternidade norte-americana dura apenas 10 semanas, mas um quarto das novas mães voltam ao trabalho dentro de duas semanas após o parto.

Como os novos pais podem contar com a licença remunerada?

O país médio da OECD oferece às mães um total de cerca de 55 semanas para férias remuneradas. A média de licença remunerada para pais é de pouco mais de oito semanas. Os norte-americanos estão em último lugar, com zero tempo de folga garantida para mães e pais.

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Os Estados Unidos são um dos únicos países no mundo a não garantir férias pagas aos novos pais e mães. A Lei Médica e Licença de Família de 1993 prevê a licença sem vencimento – mas quase metade dos trabalhadores no país não são elegíveis, e muitos não podem tirar férias sem pagamento.

Compare isso ao resto do mundo, onde a licença maternidade paga é padrão, com média de 18 semanas internacionalmente e se estendendo além de seis meses em muitos países desenvolvidos.

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Os economistas examinaram as políticas pagas de licença familiar e mediram seu impacto na retenção e na produtividade dos trabalhadores, bem como nos resultados de saúde. Mas seus estudos geralmente se concentram em tendências de nível populacional.

Como uma psicóloga cujo trabalho examina mais de perto os processos familiares, me perguntei: como o estresse do conflito entre família e trabalho afeta o bem-estar de novos pais e mães.

Entrei em contato com Maya Rossin-Slater, economista de Stanford e especialista em política de licença familiar, para ajudar a compreender o corpo de pesquisas sobre saúde e licença familiar. Juntamente com a neurocientista Diane Goldenberg, revisamos os estudos existentes e propusemos orientações futuras para pesquisa e política em um recente artigo publicado no American Pscychologist.

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Os psicólogos já sabem que a transição para a paternidade é um período de alto risco, com problemas de saúde mental, ansiedade e depressão. Novos pais e mães têm o dobro de probabilidade em relatar depressão clinicamente significativa do que os adultos em outros estágios da vida.

Os riscos para a saúde física podem piorar durante esse período também. Pode-se desenvolver obesidade, por exemplo: muitas mães ganham peso em excesso através das diretrizes recomendadas por médicos durante a gravidez e podem ter dificuldades em perder esse peso após o nascimento. Novos pais também estão propensos.

O estresse influencia tanto a saúde mental quanto o ganho de peso, e também pode afetar processos imunológicos e inflamatórios que contribuem para os riscos à saúde. Doenças crônicas e caras, como doenças cardíacas e câncer, drenam a economia, e ainda assim poucos pesquisadores se concentram na transição para a parentalidade como um potencial ponto de inflexão no risco dessas doenças.

Esses riscos são ampliados quando os pais ou mães não têm tempo para se recuperar do nascimento e se adaptar à paternidade? Se assim for, os Estados Unidos podem estar criando novos pais – e especialmente pais com baixos rendimentos – para falhar.

Ao dar sentido para a pesquisa que fala sobre saúde dos pais e mães, começamos por identificar primeiro as mudanças na transição da parentalidade, a fim de destacar potenciais áreas vulneráveis.

Alterações neurobiológicas

No nível neurobiológico, os pesquisadores estão descobrindo que os hormônios e os cérebros dos novos pais e mães podem ser particularmente mutáveis – aquilo que os cientistas chamam de plástico.

Pesquisas com roedores descobriram que os hormônios da gravidez remodelam o cérebro de ratos maternos, ajudando a preparar a futura mãe para o cuidado infantil. As mães humanas também mostram mudanças dramáticas nos hormônios durante a gravidez e no período pós-parto.

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Um estudo de neuroimagem escaneou as mulheres pré-gravidez e depois as rastreou ao longo de vários anos, examinando-as novamente após o parto. Surpreendentemente, os cérebros das mulheres, na verdade, encolheram durante a transição para a maternidade, mostrando reduções no volume, particularmente em áreas ligadas à cognição social. A supressão pode ter ajudado essas áreas a trabalhar mais eficientemente para apoiar o cuidado, uma vez que as mulheres que perderam mais volume do cérebro também relataram maior apego aos seus bebês.

Os pais também podem passar por transformações neurobiológicas durante a transição para a paternidade. Por exemplo, estudos descobriram diminuição da testosterona em novos pais e mudanças no volume do cérebro dos homens que são pais precocemente.

Essas mudanças neurobiológicas podem moldar a saúde, embora evidências de pesquisas ainda sejam escassas. Os cientistas também não sabem muito sobre como o estresse afeta as mudanças neurais e hormonais que acompanham a paternidade. Mas o que sabemos é que novos pais e mães estão passando por grandes mudanças biológicas, criando uma janela sensível para o cérebro.

Mudanças psicológicas e sociais

Embora muitos pais aguardem ansiosamente a chegada de seu bebê, tornar-se pai também pode ser desafiador, isolador e até mesmo opressivo. Bebês necessitam de cuidados constantes, que podem ser cognitivamente e emocionalmente desgastantes (e fisicamente exaustivos). Para os pais que devem retornar ao trabalho logo após o nascimento, a luta para encontrar assistência infantil confiável também pode custar caro.

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Grandes estudos descobriram que o bem-estar diminui muito durante o início da paternidade e da maternidade; foi descoberto que ter um filho provocou mais declínio na felicidade do que eventos como divórcio, desemprego ou morte de um parceiro. A satisfação do relacionamento também afunda no período pós-parto, à medida que se ajustam a novos papéis e responsabilidades.

Todas as mudanças psicológicas ocorridas nesse período podem determinar o aumento de riscos para a saúde mental, refletidos no aumento da depressão e da ansiedade.

Mudança de comportamento

As rotinas dos pais e mães são interrompidas após a chegada do bebê. Você precisa dormir, mas qualquer pessoa que tenha vivido com uma criança sabe que ela acorda frequentemente à noite.

Estima-se que se perde cerca de 80 horas de sono por ano nos primeiros anos da vida de uma criança. Os pais podem acabar ficando mais privados de sono do que as mães, em parte porque retornam ao trabalho mais cedo.

Novos pais e mães também relatam níveis mais baixos de exercício físico, podem consumir menos dietas saudáveis e ter menos oportunidades de se dedicar a hobbies e se reunir com amigos. Dado que o sono, o exercício e outras rotinas saudáveis estão fortemente ligadas ao bem-estar, essas mudanças podem ajudar a explicar por que os novos pais apresentam maiores riscos à saúde.

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Em particular, os cientistas sabem que o sono insuficiente aumenta a vulnerabilidade a doenças, obesidade e transtornos do humor. Portanto, a privação de sono no período pós-parto pode ser um fator determinante dos riscos que novos pais e mães experimentam.

Risco e vulnerabilidade

O que podemos concluir de toda essa pesquisa? Como muitas janelas de mudanças dinâmicas no desenvolvimento, a transição para a parentalidade é um momento de transformação que pode estimular o crescimento – mas que também traz vulnerabilidade.

Alterações na fisiologia do estresse, da obesidade e da saúde mental contribuem para uma série de riscos que podem gerar doenças cardíacas e metabólicas no futuro. A licença familiar paga requer investimentos significativos, mas pode economizar dinheiro dos contribuintes se diminuir o ônus dessas doenças crônicas sobre a economia. E a nossa análise centrou-se na saúde dos pais em idade adulta, sem sequer considerar os possíveis benefícios que pagar a licença de família pode trazer para as crianças.

Por exemplo, as mães com acesso a deixar o aleitamento por mais tempo e a licença familiar têm sido associadas a menores taxas de TDAH e obesidade em crianças pequenas.

Pesquisas mostram que a solidão é pior para a saúde do que fumar cigarros, sugerindo que as conexões com outras pessoas podem ter um papel importante na saúde da população. O investimento em saúde pública levou a declínios dramáticos no consumo de tabaco nas últimas quatro décadas, mas ainda não abordou a coesão social como um desafio de saúde pública. Que melhor lugar para começar do que facilitando o primeiro e possivelmente mais importante conjunto de conexões sociais – aquelas que florescem dentro de uma nova família.

Entenda as diferenças entre licença maternidade e estabilidade

Este tópico, para mim, é pessoal. Quando meu primeiro filho nasceu, eu era interna em psicoterapia no hospital de veteranos. Como funcionária federal, não me qualifiquei para a deficiência do estado e, como funcionária contratada, não podia acessar a licença do Department of Veterans Affair. Meu marido, que trabalhava como freelancer, não podia tirar folga sem perder renda. Eu não conseguia pausar meu emprego – precisávamos do seguro de saúde. Meus supervisores maravilhosos me permitiram tirar uma folga não remunerada. Mas o dinheiro estava curto.

Creches próximas tinham listas de espera de um ano e custavam metade de nossa renda combinada. Eu sou uma graduada do Ivy League com doutorado, uma das sortudas, mas mal podia pagar o custo de ter um filho nos Estados Unidos.

Isso está errado. Se os americanos reconceitualizassem os pais e mães como recursos nacionais preciosos, a criação dos filhos como uma empresa que assegura o futuro a longo prazo da economia, então poderíamos decidir como sociedade que a licença familiar vale o investimento.

Mas há uma esperança: menos de um ano depois de Tammy Duckworth se tornar a primeira senadora a dar à luz enquanto estava no cargo, as eleições de 2018 dobraram o número de mães que trabalham no Congresso. Quando o presidente Trump mencionou a licença familiar paga em seu discurso sobre o Estado da União, aplaudiram os legisladores de ambos partidos – um raro momento de unidade em um Congresso dividido. Finalmente, o status dos Estados Unidos como outlier global sobre a política de licença familiar pode estar chegando ao fim.

*Professora assistente de Psicologia da Universidade do Sul da Califórnia – Faculdade de Letras, Artes e Ciências Dornsife

Tradução de André Luiz Costa.

©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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