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Dias atrás em uma roda de conversa, o assunto era o momento político brasileiro,  e em certo ponto alguém repetiu uma constatação já bastante conhecida no Brasil: não é fácil criar novos projetos ou edificar novas construções, mas o maior problema é a manutenção depois de prontos que acaba não correndo adequadamente por diversos fatores, condenando boas ideias ao fracasso ou limitando seu potencial.

Vamos aplicar isto à Educação Domiciliar. O que é mais difícil? Decidir começar ou conseguir manter a prática ao longo do tempo?

Perguntinhas difíceis estas duas. Sim, porque quem começa a pensar em praticar o homeschooling geralmente tem uma série de temores e dúvidas  a superar, e depois de decidido, o quadro de tensão pode permanece o mesmo ou ainda agravar-se muito com as preocupações sobre como conduzir as atividades diárias. Dependendo do perfil familiar e das circunstâncias ao redor, observam-se desde uma baixa dificuldade em qualquer uma destas etapas, até noites mal dormidas em ambas.

Atrevo-me a dizer que para a maioria das famílias “homeschoolers“, a decisão de retirar os filhos da escola ou de não enviá-los  foi mais fácil do que enfrentar  as dificuldades posteriores que  são enfrentadas praticamente por todos os iniciantes na modalidade. Mas ambas as situações garantem grandes emoções. Algumas nem um pouco agradáveis para a maioria. Existem aquelas famílias que tiraram de letra, expressão fácil de explicar  se tiver assistindo um bom jogo de futebol nestes dias de Copa do Mundo, o que já exige muita sorte. Mas assim como no esporte, não são muitos os que conseguem executar o feito com maestria.

Vejamos então algumas destas possíveis dificuldades iniciais, e outras que podem  permanecer por mais tempo.

Pouca ou nenhuma informação

Como começar com pouca ou nenhuma informação sobre o tema? Sim, porque mesmo sabendo que o número de famílias que adotam o homeschooling cresce muito a cada dia no Brasil, muitas pessoas jamais ouviram falar no assunto. Isso é facilmente detectável em qualquer conversa na qual você tenha que responder sobre a educação de seus filhos. Onde seu filho estuda? Está indo bem na escola? São perguntas comuns que de tão automáticas muitas vezes não trazem consigo uma real intenção de obter respostas muito específicas, pois não significa que o interlocutor está realmente interessado em saber. É somente uma pergunta padrão para “puxar assunto”, e logo estará conversando sobre a possibilidade de ocorrer muito frio no inverno deste ano, ou avaliando as mudanças no corte de cabelo do Neymar. O fato é que se você responder que seus filhos não frequentam a escola e aprendem a partir de casa, muito provavelmente uma expressão de espanto e admiração surgirá instantaneamente no rosto de quem estiver ouvindo, porque é quase certo que nunca antes havia sequer imaginado algo parecido.

Esta falta de informações também é um fator dificultador para quem interessa-se em praticar, mas cujo contato inicial deu-se de forma ocasional através de um filme, matéria jornalística, internet ou em um contato rápido demais com algum conhecedor ou praticante. Mesmo considerando-se que atualmente é possível o acesso imediato a muita informação sobre o homeschooling, apenas com um toque na tela ou comando de voz, para o novo interessado este conteúdo ainda precisará de um bom trabalho de mineração até tornar-se efetivamente válido, aplicável e significativo para o seu caso específico. Isso é muito facilitado através do auxílio de pessoas já  experientes e que vem atendendo  inúmeras famílias através das redes sociais e pessoalmente, prestando um serviço valoroso, mas que certamente não conseguirá atender toda esta demanda. O fato é que o interessado necessita agir como um bom investigador e buscar informações que o auxilie nesta jornada, e o desafio é fazer deste apoio algo relevante à realidade individual de uma família que pode estar distante fisicamente de outros interessados.

Cultura da escolarização

É fato totalmente compreensível que nossa sociedade esteja acostumada a considerar, conhecer e reconhecer o ambiente escolar como a única fonte de formação educacional, pois foi este o modelo aplicado na vida de praticamente todos os que hoje são adultos.

Não é provável que alguém consiga, sem nenhum estímulo externo, apropriar-se da compreensão de que o conhecimento gerador de muitas das grandes descobertas da humanidade não foi obtido exclusivamente através da frequência aos bancos escolares, mesmo porque não existiam à época. A escola como a conhecemos surgiu depois, e para atender a fins não exatamente vinculados ao melhor interesse das famílias, mas muito mais às demandas relacionadas ao crescimento industrial e a outros fins políticos e sociais. Antes de tudo isso, a instrução efetuada no ambiente familiar ocorria de maneira totalmente normal e aceitável.

Também é óbvio que não estamos aqui  pregando o fim da escola, ou afirmando que esta não tenha um papel social relevante. Praticar e defender a educação domiciliar não é sinônimo de combater a escola e pregar sua extinção. Isto seria uma aberração sem limites. Em qualquer local onde observa-se a existência de famílias educadoras,  será constatado que por maior adesão que ocorra a esta modalidade educacional, sempre haverá um numero imensamente maior de famílias desejosas e detentoras do direito de contar com o melhor serviço que possa ser prestado pelas instituições escolares públicas e também privadas. E é assim que deve ser. Liberdade aos interesses familiares que propiciem o devido desenvolvimento dos filhos, garantindo-se a adoção de diferentes métodos e modelos educacionais.

Optar pela Educação Domiciliar é como nadar contra a maré, e isso é um fator dificultador que aumenta em muito a importância e relevância da existência e do envolvimento das famílias em grupos de apoio e associações nacionais.

Insegurança jurídica

Jamais poderia considerar que famílias educadoras devem ter medo da justiça, e por este motivo mudei o título deste tópico. A justiça deve ser temida por aqueles que cometem injustiça, agindo de modo a causar dano a terceiros ou à sociedade como um todo, e definitivamente não é este o caso do homeschooling. Por isso tornamos bem claro que não apoiamos a evasão escolar, caracterizada pelo abandono intelectual. Ao contrário, o que as famílias educadoras praticam é uma rotina diária de dedicação quase exclusiva, especialmente no caso de  mães de crianças menores,  para propiciar a seus filhos o máximo de oportunidades visando o desenvolvimento e a aprendizagem natural e fomentada, seja individual, grupal, intelectual, pessoal, social, espiritual, ou direcionado a interesses específicos de cada família.

Mas é inegável que a ausência de uma regulamentação específica pode causar o constrangimento e a oposição indevida a famílias que efetivamente atendem as necessidades educacionais de seus filhos, a partir de seus lares. Esta regulamentação poderia eliminar os receios e temores que impedem o engajamento aberto de muitas outras famílias, e garantir a liberdade e o apoio para a prática de muitas atividades importantes que poderiam ser realizadas com seus filhos, por exemplo, em locais e órgãos públicos, sem o receio de algum tipo de reprimenda, ou do impedimento em razão da ausência de previsão legal para o efetivo apoio público a estas famílias, que estão colaborando na prática com a evolução da sociedade.

Ainda neste aspecto é importante lembrar que o sobrestamento concedido pelo Ministro Roberto Barroso, no âmbito do Recurso Extraordinário que tramita no Supremo Tribunal Federal, abriu a possibilidade de praticar o homeschooling sem o risco de sofrer processos judiciais, e portanto estamos vivendo momento favorável. Ressalto que o julgamento futuro desta ação terá um caráter importantíssimo, visto que poderá significar um grande avanço ou um retrocesso, motivo pelo qual a Associação Nacional de Educação Domiciliar – ANED, tem atuado diretamente para que ao final a decisão seja o mais favorável possível a todas as famílias educadoras brasileiras. Isso merece nosso apoio e nosso envolvimento.

Oposição familiar

Talvez com o evidente avanço do homeschooling no Brasil, e a publicação e exibição de muitas matérias sobre o assunto, a situação hoje seja diferente, mas até há pouco tempo a maioria das denúncias contra pais que praticavam a educação domiciliar era efetuada por parentes ou vizinhos. Em parte motivados por incompreensão, e também talvez por sincero interesse em defender as crianças contra possíveis prejuízos educacionais, acabavam por considerar a prática como algo negativo e então a denunciavam.

Por todos os outros motivos já expostos aqui, e por outros ainda não analisados,  é possível entender a causa da preocupação das pessoas mais próximas e a motivação das denúncias. E isso é um fator dificultador, porque ninguém quer ter problemas com os parentes e amigos, ao contrário, queremos o apoio de todos para algo que entendemos ser benéfico aos nossos filhos. Então para muitos, torna-se uma tarefa importante convencê-los dos benefícios da educação domiciliar. Mas embora seja possível apresentar estudos, vídeos, depoimentos e até fazê-los conhecer outras famílias educadoras, pode ser muito difícil demovê-los.

Mas anime-se, observamos que após a constatação de que há avanços notáveis no desenvolvimento das crianças, aqueles que poderiam ser fonte de oposição passam a ser ferrenhos defensores.

Outros Fatores

Permanecem ainda outros fatores que precisam ser enfrentados para que o ambiente familiar seja bem sucedido na Educação Domiciliar, como por exemplo o sempre presente mito da socialização, o monstro da sensação de incapacidade, e as dificuldades na definição de um método, currículo ou rotina básica de atividades.

Voltaremos portanto a tratar sobre isso mais à frente, se Deus assim nos permitir. Sinta-se à vontade para compartilhar suas experiências e comentários.

 

 

 

 

 

 

 

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