Conhecida como “terrible two”ou "terríveis dois anos", a fase dos 18 aos 36 meses da criança é marcada por um intenso desenvolvimento emocional e precisa de muito apoio dos pais.
Conhecida como “terrible two”ou “terríveis dois anos”, a fase dos 18 aos 36 meses da criança é marcada por um intenso desenvolvimento emocional e precisa de muito apoio dos pais.| Foto: Bigstock

Vamos apresentar a você o Enzo. Ele entrou no segundo ano de vida com força total e agora, com 18 meses, está descobrindo coisas novas todos os dias, incluindo ideias que ele quer experimentar imediatamente. Na verdade, agorinha mesmo, porque esperar não é uma opção.

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Além dessa sua paixão pela vida, Enzo também fica emocionalmente sobrecarregado e explode em surtos frequentes. Palavras e frases como “não”, “deixa que eu faço” e “meu” são usadas com frequência.

Às vezes, a menor situação termina com ele chutando, mordendo e chorando. Embora ainda esteja desenvolvendo o domínio das palavras, o pequeno grita “Eu não te amo, papai!” com uma precisão devastadora. Essas explosões acontecem em casa e em público.

Pesquisas mostram que as birras ocorrem em 87% das crianças de 18 a 24 meses, 91% das crianças de 30 a 36 meses e 59% das crianças de 42 a 48 meses — praticamente todos os dias.

Essa fase é tradicionalmente conhecida como “terrible two”, ou "terríveis dois anos" e até pode parecer uma forma correta de nomear o período dos 18 aos 36 meses. No entanto, rotular esse momento da criança é uma injustiça, pois a etiqueta não consegue compreender o enorme avanço no desenvolvimento que ocorre nessa idade. Também deixa de celebrar a vida emocional em desenvolvimento de uma criança, ao mesmo tempo complexa, multifacetada e entusiasmante.

O que está acontecendo?

Enzo está em um marco em seu desenvolvimento com duplo significado: um aumento único em suas capacidades está associado a um comportamento em processo de desmoronamento. Nessa idade, as crianças começam a estabelecer sua independência, ao mesmo tempo em que precisam aprender formas de lidar com sentimentos intensos como medo, raiva, frustração e tristeza. Os pesquisadores ainda estão descobrindo como seria uma trajetória normal para o desenvolvimento da regulação emocional e o que poderia ajudar ou atrapalhar.

Sentimentos intensos, descontrolados e a propensão a desafiar os outros são normais nessa idade. Mas pode ser uma tarefa exigente para os pais apoiarem seus filhos, já que concentrar-se apenas nas falhas de comportamento da criança não ajuda a compreender o papel significativo que os pais desempenham no desenvolvimento social e emocional durante esses primeiros anos.

Um componente central da parentalidade sensível e responsiva é a capacidade de se colocar na mente dos filhos, mesmo quando muito pequenos, e entender que o comportamento da criança tem significado e é impulsionado por experiências internas, como sentimentos, pensamentos, desejos e intenções.

Ser capaz de entender o mundo a partir da perspectiva do pequeno contribui para que os pais antecipem, interpretem e respondam ao seu comportamento de maneiras que ajudem a construir a capacidade dessa criança regular suas emoções.

O pai de Enzo não experimentou tantas birras com seu primeiro filho, que tinha uma propensão a ter mais calma, então ele acha difícil tolerar as explosões emocionais do menino. Ele fica com raiva quando Enzo se recusa a fazer o que lhe é dito e grita com ele exigindo que “pare com isso”. A ação assusta Enzo, que às vezes recua e às vezes reage aumentando ainda mais sua perturbação.

O pai de Enzo não tem consciência das experiências internas de seu filho e está confuso com seus próprios sentimentos “fora de controle” que emergem quando exerce o papel de pai. Explosões emocionais frequentes, juntamente com um estilo parental autoritário, colocam as crianças em risco de desenvolver problemas emocionais e comportamentais mais sérios.

O pai de Enzo precisa entender que seu papel principal neste estágio é colocar as experiências do filho no centro de sua mente. Isso exige que ele reflita sobre o que Enzo está comunicando a respeito de si mesmo por meio de seu comportamento e responda de maneira sensível, ajudando up menino a não ser dominado por sentimentos intensos.

3 orientações para os pais lidarem com as birras nessa fase

  1. Esteja ciente de suas próprias respostas - As birras podem desestabilizar os pais emocionalmente. Então, estar ciente e entender seus próprios sentimentos o ajudará a responder com sensibilidade à angústia de seu filho. Quando o pai de Enzo entende suas próprias lutas para controlar a raiva, ele fica mais calmo, permitindo que se concentre nas experiências emocionais do garoto.
  2. Identifique e valide sentimentos difíceis de seu filho - As crianças pequenas precisam da ajuda dos pais para reconhecer que os sentimentos que estão expressando por meio de seus comportamentos são apenas isso: sentimentos que passarão com o tempo. Elas precisam de ajuda para nomeá-los, descobrir a causa e o que pode ajudar.
  3. Procure o significado em cada atitude - Lembre-se de não levar explosões emocionais para o lado pessoal. Ver as birras como um meio de comunicação ajuda os pais a considerar as prováveis causas do sofrimento de uma criança e a pensar em possíveis soluções.

Estar aberto a mudanças

Com novos insights, pais como o de Enzo podem ajudar seus filhos a se recomporem após birras e explosões emocionais, que podem se tornar menos frequentes. Além disso, o apoio consistente ajuda a criança pequena a tolerar frustrações, ganhar uma sensação de controle de sentimentos fortes e a encontrar palavras para expressar o que está acontecendo dentro dela.

Claro que criar uma criança nessa fase não é tarefa fácil. Os pais de hoje têm as vantagens de viver numa época com saltos notáveis no conhecimento neurocientífico e desenvolvimental, mas esses saltos podem ser difíceis de acessar e ainda mais difíceis de se colocar em prática. Então, inconscientemente, podemos acabar voltando para as formas familiares com que fomos criados, ou podemos tentar fazer o oposto apenas para, no fim, descobrir que perdemos o rumo.

O investimento de governos em programas de intervenção precoce para todos ou para um público específico que tenha mais problemas com essa questão pode fornecer os alicerces necessários para um bem-estar emocional duradouro para as famílias e para a sociedade.

*Rochelle Matacz é professora na Edith Cowan University e Lynn Priddis é professora na Universidade da Austrália Ocidental.

© 2022 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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