Recompensar e confortar as crianças com comida aumenta as chances de elas tentarem lidar com suas emoções através do que comem
Recompensar e confortar as crianças com comida aumenta as chances de elas tentarem lidar com suas emoções através do que comem| Foto: Bigstock

Em um momento ou outro, quase todos os pais usam guloseimas para recompensar seus filhos por um bom comportamento ou por alguma conquista – ou para consolá-los quando estão tristes ou decepcionados.

Quando os filhos conquistam algo muito legal, vencem um jogo importante ou perseveram durante alguma dificuldade, os pais podem expressar seu orgulho e alegria com doces ou sorvetes. Da mesma forma, quando as crianças se sentem mal, os estímulos para que elas se animem podem assumir a forma de balas e pirulitos. A razão para isso é simples: o uso de alimentos como incentivo pode gerar resultados – salgadinhos industrializados ou jujubas geralmente são de fácil acesso.

Você pode imaginar que não há mal algum em fazer esse tipo de coisa. Mas como nutricionista especialista em nutrição familiar, considero o uso regular de alimentos como um incentivo para as crianças algo arriscado. Recompensar e confortar as crianças com comida pode levá-las a comer demais mesmo quando não estão com fome. Também aumenta as chances de elas tentarem lidar com suas emoções através do que comem.

Passo boa parte do meu trabalho ajudando as pessoas a quebrarem esse ciclo. Mostro a eles como parar de usar táticas que giram em torno de suborno, julgamento e vergonha – que envolvem alimentos e bebidas que vão de uma tigela inteira de pudim de chocolate a um baita copo de refrigerante. Também ensino aos pais outras maneiras de comemorar e de acalmar que não dependem de comida.

Muitas pesquisas mostram que as crianças consomem diariamente mais calorias totais, carboidratos e gordura quando os pais usam a comida para recompensar o seu comportamento. Por exemplo, quando as mães de crianças em idade pré-escolar usam comida para aliviar as emoções dos filhos, eles comem mais doces quando ficam chateados. E um estudo francês descobriu que as mães que usavam comida como recompensa para seus filhos estimulavam a tendência de comer em excesso – mesmo quando seus filhos não estavam com fome. Obviamente, não são apenas mães e pais que usam comida dessa maneira, mas cuidadores de todos os tipos, de babás a avós. E, embora esse também seja um grande problema na escola, a mudança de padrões em casa é fundamental.

Para ajudar os pais a abandonar esse hábito, eu me concentrei em quatro etapas para eliminar a culpa e abandonar o uso de comida como recompensa.

1. Reconheça cenários comuns

Pense em como você comemora após as conquistas de seu filho ou se você costuma prometer uma guloseima quando seus filhos terminam uma tarefa. Você estimula seus filhos a limpar o quarto deles recorrendo à possibilidade de uma boa sobremesa? Você os leva para comer pizza para ajudá-los a se animar quando não dão conta de alguma atividade? Reconhecer cenários comuns é um primeiro passo essencial para quebrar esse padrão.

2. Não se culpe

Você não está sozinho se a alimentação está enraizada na maneira como você interage com as crianças mesmo quando vocês não estão à mesa. O que importa mais é a sua disposição em explorar um novo caminho sem cair na "autoculpabilização". O uso de alimentos para recompensar as crianças mina aqueles mesmos hábitos saudáveis que você está tentando transmitir a elas. Portanto, qualquer esforço em vista de uma mudança nesse campo pode trazer benefícios duradouros.

3. Identifique o sentimento que você deseja transmitir

Separar sua intenção de suas ações ajudará você a parar de usar os alimentos como uma maneira de acalmar ou elogiar. Para fazer isso, imagine seu filho em uma situação em que você costuma usar os alimentos dessa maneira. Reproduza a cena em sua mente, pausando-a antes de trazer a comida. Ao imaginar seu filho no cenário, pergunte a si mesmo que sentimento você gostaria de transmitir.

Por exemplo, seu filho cai na calçada e rala o joelho. Você se agacha para confortá-lo e cuida da ferida enquanto o choro só aumenta. Você continua consolando-o depois de colar cuidadosamente um curativo na região do machucado, mas ele simplesmente não consegue se acalmar. Se você é como muitos de meus pacientes, ficará tentado a dizer: “Olha, eu vou ajudar você a se levantar e aí a gente vai tomar um sorvete, tá bom?”

Nesse ponto, pergunte-se a si mesmo que sentimento você deseja transmitir a ele. Nesse caso, aposto que é conforto e alívio – o sorvete terá esse significado. Tornar-se consciente de seus sentimentos específicos permite que duas coisas aconteçam. Primeiro, você verá como a comida pode representar várias emoções. Segundo, isso ajudará você a separar seus sentimentos da comida, fazendo com que seja mais fácil expressar aquilo que é realmente necessário no momento.

Você também pode tentar expressar seus sentimentos em voz alta. Por exemplo, quando seu filho não for convidado para a festa de um amigo, diga: “Isso é bem chato. Meu desejo para você é que você saiba o quanto é amado”. Isso pode ajudar você a se lembrar de tentar outra opção além da comida para consolá-los.

4. Faça outra coisa

Há muitas maneiras de confortar seu filho que não envolvem comida, que vão desde um abraço a um banho de espuma. Para comemorar, tente assistir a um vídeo de família juntos e reserve um tempo para dizer o que faz você se sentir mais orgulhoso deles. Se você estiver tentando motivar ou inspirar seu filho, você pode pôr para tocar a música favorita dele, dançar e cantar junto com a música.

Quando você quer persuadir ou incentivar as crianças a, por exemplo, fazer a lição de casa, tente elogiar o esforço. Diga a elas que você vê que elas estão trabalhando duro e pergunte: “Como posso ajudar vocês agora?” Com crianças pequenas, quando se recusam a deixar a brincadeira em que estão ou tomar um banho, tente atraí-las com um bicho de pelúcia ou um brinquedo de apertar. Em qualquer situação, tente fazer com que seu filho ajude a escolher entre algumas alternativas. Eles podem ter boas ideias que podem não ocorrer a você.

Jeitos e palavras

O uso de alimentos para recompensar ou consolar as crianças é difundido o suficiente para que a Academia Americana de Pediatria e cinco outras organizações profissionais recomendem que os pais não usem alimentos dessa maneira. Mas ninguém, incluindo os médicos, sugere que você nunca faça um bolo de aniversário ou use comida como recompensa em qualquer situação. A comida é parte integrante das culturas em todos os lugares e deve ser desfrutada plenamente.

A questão é: se você achar que depende regularmente de comida para expressar emoções aos seus filhos, acredito que você deva tentar mudar de passo. Procure encontrar novos jeitos e palavras, em vez de usar comida, para mostrar aos seus filhos o quanto você os ama.

*Professora de Nutrição na Universidade de Boston.

©2020 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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