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Kathryn Jean Lopez, National Review

Charles Camosy é professor de Teologia e Ética Social na Universidade de Fordham. Membro da diretoria do grupo Democratas pela Vida, ele é autor do livro Resisting Throwaway Culture (“Resistindo à cultura do descarte”, em tradução livre), prestes a ser lançado. Católico, ele não vai deixar os democratas serem derrotados sem lutar: ele vive tentando estabelecer pontes e encontrar consenso entre progressistas e conservadores para salvar a vida humana e criar uma cultura de valorização da vida. Ele também é pai adotivo. Conversamos com ele sobre alguns desses temas, por ocasião da Marcha pela Vida e do aniversário de 46 anos daquela grave decisão da Suprema Corte no caso Roe vs. Wade.

Kathryn Jean Lopez: O que o levou a escrever um artigo sobre aborto e vida no New York Times semana passada?

Charles Camosy: Bom, sendo bem sincero, me senti enojado com a recente série sobre fetos e direito à personalidade publicada pelo conselho editorial do Times. Na série, não só falta diversidade de opiniões como também se usa uma linguagem ofensiva para descrever o feto e se pinçam cinicamente casos isolados para dar a impressão de que um dos objetivos do movimento pró-vida é prender as mulheres – apesar de toda organização pró-vida repetida e publicamente dizer que não quer isso.

Para ser justo, quando escrevi para os editores de opinião do Times e os questionei quanto à falta de diversidade de opinião na série, eles me deram a oportunidade de responder. Optei por enfatizar o uso ofensivo e mentiroso de certa linguagem – expressões como “um punhado de células” – ao se referirem às crianças ainda por nascer. Esse é o método clássico daquilo que o Papa Francisco chama de “cultura do descarte”. As pessoas mais vulneráveis e mais inconvenientes para os que detêm o poder são geralmente rotuladas com palavras ou expressões que as “coisificam”, a fim de que elas possam ser mais facilmente usadas ou descartadas como meros objetos ou lixo.

Lopez: O tema da resistência à cultura do descarte está no âmago do seu livro, não é?

Camosy: Sim, no livro digo que o Papa Francisco parte do posicionamento pró-vida de São João Paulo II (sobretudo na encíclica Evangelium Vitae) e Bento XVI (sobretudo na encíclica Caritas in Veritate) para expor uma consistent life ethic [algo que tem o sentido de “ética consistente a respeito da vida humana”, é um dos posicionamentos que marcam o debate sobre aborto nos Estados Unidos]. Uma das limitações da consistent life ethic, na minha opinião, é que ela é mais uma atitude ou posicionamento do que algo fundamentado e capaz de fazer distinções importantes. Quis tentar escrever um livro que usasse as obras dos papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco, mas que também respondesse a perguntas como: o que, exatamente, é consistent life ethic? Que princípios a governam? Como os temas se relacionam uns com os outros, sobretudo em relação à gravidade moral? Acho a convocação do Papa Francisco para resistir à cultura do descarte – e substituí-la por uma cultura de encontro e acolhida – absolutamente imprescindível para criar uma visão coerente e tangível da consistent life ethic. E publicar o livro pela New City Press, administrada pelo Movimento dos Focolares, não é um acaso. Tenho esperança de que, com uma articulação apr     opriada, tal ética possa ser fonte de diálogo e até unidade entre aqueles atualmente apartados por uma imaginação ética, política e teológica simplista.

Lopez: Esse livro parece mais um esforço seu para estabelecer pontes. Como tem sido isso? Em que casos você viu um avanço? Quais os maiores desafios?

Camosy: Olha, é muito, muito difícil. Sobretudo no mundo acadêmico. Estamos sendo invadidos por certo tipo de discurso intersetorial que geralmente vê com ceticismo esse tipo de pontes que estou querendo estabelecer. Em vez de nos envolvermos na solidariedade intelectual e de explorarmos juntos provas e argumentos, estamos sendo corrompidos pelo ativismo nu e cru e por tentativas de submeter o poder a certo ponto de vista.

Felizmente, como costumo recordar a mim mesmo, no mundo real o binário progressista-conservador está ruindo e não se sabe ao certo o que o substituirá. Isso é uma esperança para aqueles que querem estabelecer pontes entre pessoas que atualmente pensam umas nas outras como inimigas. No binário direita-esquerda, a oposição ao “outro lado” está no centro da identidade. O diálogo sincero, por outro lado, exige solidariedade em relação a quem é visto como oponente político ou ideológico. À medida que se torna cada vez mais difícil identificar no que progressistas e conservadores (se é que tais palavras têm algum sentido estrito hoje em dia) realmente acreditam, isso gera uma importante oportunidade para enxergar os outros de uma forma nova – e abre o caminho para uma unidade que de outra forma não seria possível.

Lopez: Como tem sido sua experiência com a adoção?

Camosy: Simplesmente inacreditável. Há três anos, três irmãos das Filipinas estavam vivendo num abrigo, sem saber qual seria seu futuro. Hoje eles vivem com a gente em Nova Jersey e estão em um caminho próspero como membros da nossa família. Nosso filho mais velho foi aceito em várias faculdades e atualmente está decidindo para onde vai no próximo outono. O irmão e a irmã dele continuam a crescer em sabedoria e amor – incluindo o amor pelo irmãozinho, Thaddeus Michael, que minha esposa deu à luz em maio. Muitas pessoas nos disseram que engravidaríamos após a adoção, mas eu nem dava importância. Não só porque não decidimos adotar por essa razão, mas porque parecia uma coisa agourenta de se dizer na época. Mas agora, depois do que passamos, e ouvindo histórias de muitos outros que passaram por algo semelhante, estou começando a gostar da ideia. Há algo de muito misterioso nisso.

De qualquer forma, somos de certa maneira uma família esquisita, unida de uma forma nada tradicional. E, como todas as famílias, temos nossos desafios. Mas a forma como nos unimos é mesmo linda. Os jantares são bastante alegres. E apesar de os avós das crianças morarem longe, eles são uma parte importante da vida delas, sobretudo graças às possibilidades criadas pela internet. Todo dia me lembro da visão que Jesus tem da família, uma visão que não se encaixa muito bem na versão predominante nos Estados Unidos. Os cristãos são chamados a verem a família como algo, para usar um termo gasto, “confuso”. A adoção é uma forma de termos uma vida familiar plena e autêntica, mas de um jeito que confunde as expectativas simples e claras que muitos de nós temos quanto a como deve ser uma família.

Lopez: Estou louca ou a adoção poderia muito bem ser um campo de consenso moral? Podemos fazer mais a respeito disso?

Camosy: Você não está louca! Tenho pensando nisso há algum tempo e queria que o tema fosse tema de um consenso maior. Há algum tempo admiro seu trabalho nesse sentido. Acho que um dos momentos mais importantes do movimento pró-vida foi nossa pressão para que o Congresso mantivesse as políticas de crédito de adoção em meio ao debate sobre a reforma tributária. Além de demonstrar, para além de qualquer dúvida, que a crítica “pró-nascimento” é uma bobagem, foi um momento político importante perceber que podíamos nos distanciar da ala libertária do Partido Republicano, passando por cima do pressuposto acrítico de que o governo não deve se envolver na decisão quanto a quem ganha incentivos tributários. O movimento pró-vida precisava mostrar que podia enfrentar essa ala do partido e, ao fazer isso, ele mostrou que podemos nos abrir para várias políticas que mitigariam a demanda pelo aborto. A licença-parental deve ser o próximo assunto!

Lopez: A adoção não está também no centro da identidade cristã? Você está entre aqueles que veem o tema assim?

Camosy: Exatamente. Num sentido muito real, todos somos filhos e filhas adotivos de Deus e, assim, somos irmãos e irmãs em Cristo. Alguns amigos próximos, da época em que fui contratado pela primeira vez pela Fordham, adotaram justamente essa visão de identidade cristã. Além disso, eles também se emocionaram com a reação da Igreja primitiva às crianças abandonadas e desprovidas na Antiguidade. Inspirados pela atenção incomum de Jesus às crianças, esses cristãos ficaram conhecidos por resgatarem e adotarem essas crianças (que geralmente eram meninas ou deficientes) e, ao fazerem isso, eles as salvaram de uma vida de escravidão ou prostituição, de serem dadas como alimento a animais ou de morrerem ao relento. Não dá para ignorar o paralelo com o que a adoção pode fazer diante da violência que as crianças de hoje em dia enfrentam.

Lopez: O que a Marcha pela Vida e o aniversário do caso Roe vs. Wade significam para você?

Camosy: Essa memória de um dos dias mais sombrios da república norte-americana faz parte da minha vida há muito tempo. Nessa época do ano, dou palestras ou participo de reuniões relacionadas à Marcha pela Vida (se bem que neste ano vou ficar em casa para cuidar das nossas crianças), mas talvez minhas melhores lembranças sejam do meu tempo como professor de ensino médio, há uns 15 anos, quanto eu levava meus alunos do clube pró-vida para Washington a fim de participar da Marcha. Tenho recordações muito boas: a alegria e os problemas de se viajar saindo de Wisconsin, enfrentando o clima, ouvindo bandas do movimento Rock for Life, participando da missa, mantendo a ordem entre os adolescentes no hotel e me emocionando profundamente com a gravidade dos assassinatos em massa que testemunhávamos.

À luz de algumas das coisas que mencionei, contudo, me preocupo com a presença de Donald Trump e Ben Shapiro em anos consecutivos. Trabalhar com o fim da “oferta” do aborto é fundamental e (por enquanto) combina com a presença de políticos e ativistas direitistas. Mas deveríamos também demonstrar interesse na questão da demanda pelo aborto. Fico feliz ao saber que um democrata pró-vida, Dan Lipinski, vai falar na Marcha este ano, mas espero que, no futuro, o evento traga ativistas pró-vida focados nos objetivos interconectados de salvar a vida dos bebês e dar mais apoio social às mães.

Kathryn Jean Lopez é editora-geral da National Review.

Tradução de Paulo Polzonoff Jr.

©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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