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Crianças não podem comprar um automóvel ou assinar um contrato, mas ainda assim são consideradas pelo mercado publicitário como consumidoras plenas. O problema é que, por não terem ainda desenvolvido o senso crítico, elas pouco podem fazer para resistir às mensagens publicitárias.

Por esse motivo, vários países já possuem legislações que limitam a propaganda infantil. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor considera abusiva toda publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”. E, no ano passado, uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) proibiu o direcionamento à criança de mensagens publicitárias, incluindo anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de áudio, banners e sites, embalagens, promoções e ações em shows.

O texto também considerou abusiva qualquer publicidade e comunicação mercadológica no interior de creches e escolas de educação infantil e fundamental, inclusive nos uniformes escolares e materiais didáticos. Assim, os produtos destinados ao público infantil – brinquedos, jogos, roupas etc – só poderiam usar publicidade adulta, direcionada aos pais e não aos pequenos.

As crianças estão caindo nas armadilhas da maturidade e usando roupas, ouvindo músicas e adotando uma linguagem como se fossem mais velhas do que de fato são.

Há controvérsia sobre o alcance da resolução. O mercado publicitário, por exemplo, considera o documento do Conanda apenas uma recomendação, uma vez que apenas o Legislativo teria o poder de legislar sobre a publicidade. Apesar da polêmica, o texto do conselho parte de uma premissa inquestionável: as crianças são mais sensíveis aos apelos da publicidade que os adultos.

Vulneráveis

A criança acredita no que ouve e vê e por isso acaba achando que os produtos e os serviços anunciados vão lhe proporcionar todos os benefícios e prazeres prometidos pela publicidade. Pesquisas apontam que apenas após os 12 anos de idade as crianças começam a ter uma leitura mais crítica da mensagem publicitária, conseguindo perceber o seu caráter persuasivo. Mas hoje a inserção no mundo do consumo acontece cada vez mais cedo.

Em entrevista para o Projeto Criança e Consumo, publicada pelo Instituto Alana, o psicólogo e educador francês Yves de La Taille, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), explica que hoje as crianças consideram-se “papais-noéis” de si mesmas. Se no passado os pequenos canalizavam as demandas de consumo para os presentes que ganhariam no Natal e no aniversário, hoje elas mesmas “compram” o que querem, pelo menos quando os pais o permitem.

Fantasia roubada

Certamente cabe aos pais frear os impulsos consumistas das crianças. Mas isso deve ser feito com sensibilidade para preservar a inocência dos pequenos. A capacidade de fantasiar é um recurso natural das crianças, necessário para desenvolver a criatividade e uma forma delas lidarem com o mundo nos primeiros anos de vida. Por isso, simplesmente dizer que tudo o que aparece nas mensagens publicitárias é mentira pode ter um efeito negativo.

Uma estratégia melhor é trabalhar valores que protejam a criança de uma visão consumista do mundo. Valorizar brincadeiras que passem longe da necessidade de comprar alguma coisa, por exemplo, pode mostrar à criança que momentos de felicidade em família são tão ou mais gratificantes do comprar ou ter determinado objeto da moda.

A família também deve dar bom exemplo. Se o pai ou a mãe apresenta um comportamento consumista, a tendência é que os filhos sigam pelo mesmo caminho. Ensinar às crianças o valor do dinheiro e a usar bem e conservar os brinquedos e roupas é outra estratégia que ajuda os pequenos a se afastarem do consumismo.

A importância da mesada

Outra atitude fundamental é aprender a dizer “não”. Desde cedo a criança precisa aprender que não poderá ter tudo o que deseja, principalmente quando se tratar de coisas supérfluas. Por mais que os pais tenham condições de oferecer aos filhos o que elas quiserem, ceder aos desejos da criança prejudica em muito o desenvolvimento do seu caráter.

 

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Um recurso utilizado pelas campanhas publicitárias é o apelo ao status e à vaidade do consumidor. Muito mais do que as características do produto em si e os benefícios que o eventual comprador terá ao usá-lo, o que vale na mensagem publicitária é a associação direta da posse do produto – e não o seu uso – com uma ideia de posição social ou felicidade.

A compra de determinado produto não mais apenas pautada por suas qualidades ou adequação à necessidade do consumidor, mas sim porque o produto é associado a algo (um grupo, uma posição social, um estado de ânimo etc.) que a pessoa é ou deseja ser. Não se trata mais de um consumo pragmático, mas orientado pela vaidade de se mostrar que se tem determinado produto – e se pertence ao mesmo grupo dos que o têm.

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No caso das crianças, por exemplo, é natural que elas imitem crianças mais velhas. Sabendo disso, é comum que a publicidade apresente produtos que só seriam adequados a adolescentes ou mesmo adultos.

Para a Susan Linn, autora do livro Crianças do Consumo – A Infância Roubada, isso pode fazer com que as crianças “pulem” etapas importantes do desenvolvimento. “As crianças estão caindo nas armadilhas da maturidade e usando roupas, ouvindo músicas e adotando uma linguagem como se fossem mais velhas do que de fato são. Mas não existem evidências que indiquem que o desenvolvimento emocional e social dessas crianças caminha no mesmo ritmo.”

Numa das cenas do documentário Criança, a alma do negócio, um grupo de crianças não consegue nomear imagens de animais como avestruz e capivara, mas não tem dificuldade alguma para reconhecer as logomarcas de empresas de tecnologia e telefonia. Em uma visita a um supermercado, os pequenos não são capazes de reconhecer uma beterraba, um mamão ou uma batata-doce. Em contrapartida, reconhecem as marcas de salgadinhos apenas pelas embalagens.

Em outra parte do filme, as crianças são questionadas sobre quais são os seus desejos. As respostas são reveladoras: “queria ter dinheiro”, “ser rainha do mundo”, “ter o mundo para mim”, “comprar um monte de roupa”, preocupações que não deveriam fazer parte do repertório infantil.

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