A "síndrome da gaiola" se assemelha à agorafobia, que é o medo de ficar em locais que possam dar sintomas de ansiedade.
A “síndrome da gaiola” se assemelha à agorafobia, que é o medo de ficar em locais que possam dar sintomas de ansiedade.| Foto: Bigstock

Uma vida ativa, com aulas presenciais diárias, atividades físicas e passeios com os amigos não tem sido mais atrativa para alguns adolescentes que mudaram de comportamento durante a pandemia, preocupando pais e especialistas em saúde.

Siga o Sempre Família no Instagram!

Gabriel Lopes, psiquiatra da Infância e Adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria, apelidou como “síndrome da Gaiola”, o medo desenvolvido, principalmente pelas crianças e adolescentes, em sair de casa, depois de ter ficado em confinamento por muito tempo. “Esse fenômeno já existe na medicina e se chama agorafobia, que é o medo de ficar em locais que possam dar sintomas de ansiedade”, explica o médico, que destaca que a síndrome não se trata de uma terminologia médica oficial e se caracteriza como a ocorrência da agorafobia como consequência do confinamento prolongado pela pandemia.

O medo de contrair o Sars-CoV-2 é normal, afinal estamos em uma pandemia e todos nós temos receio de nos contaminar. Porém, nesta “síndrome”, o indivíduo possui prejuízos sociais, profissionais e acadêmicos, pelo medo exacerbado, ainda que se encontre em ambiente seguro. “A agorafobia se diferencia do medo normal de contrair Covid-19 pelo grau de comprometimento no funcionamento e sofrimento do indivíduo. Como uma pessoa que, mesmo vacinada e com todas as precauções adequadas, não consegue sair de casa, trabalhar presencialmente, ir à escola ou fazer qualquer outra atividade fora, por um medo incapacitante e que prejudica seu funcionamento normal”, conta Lopes.

Alessandra Diehl, também psiquiatra, alerta que o principal sintoma vai ser a resistência em sair de casa, principalmente se criança, ou a utilização excessiva dos meios de proteção não farmacológicos, como máscara, álcool e lavagem de mão, em ambientes protegidos, como na sua própria casa. “O medo acarretará insônia no dia anterior, como na verbalização do receio. Nas crianças é comum encontrar sinais de somatização, como dor de barriga e diarreia, somado à verbalização de que não quer sair de casa”, explica a médica.

Se há esse receio, a melhor maneira de distingui-lo de outro transtorno psiquiátrico é com a avaliação psiquiátrica. Isso porque, muitas vezes, crianças e adolescentes não conseguem expressar e verbalizar sintomas como taquicardia, ansiedade antecipatória, dificuldade de respirar e angústia, de modo que a avaliação médica irá contribuir para um diagnóstico precoce e tratamento adequado.

Impactos

Gabriel Lopes conta que há um aumento de transtornos de ansiedade e de sintomas depressivos entre os adolescentes e jovens que têm encontrado maiores dificuldades de retomar ao contato social presencial pelo longo tempo de confinamento. “Além do receio pela contaminação da Covid-19 há muita vergonha das mudanças que ocorreram no corpo no período de confinamento e do julgamento dos colegas sobre a imagem corporal. Já que em um ano, o corpo do adolescente se transforma muito e isso pode trazer uma vergonha exacerbada, principalmente com obesidade ou acne”, acrescenta o especalista.

O impacto no desenvolvimento cognitivo acarretado pela “síndrome” nos adolescentes ainda é desconhecido. Contudo, nesta faixa etária, sabe-se que grande parte do aprendizado e desenvolvimento ocorre por meio do incentivo dos amigos e do comportamento de grupo, questões que foram restringidas pela pandemia. “Estamos tirando deles a oportunidade de lidar e superar frustrações típicas dos conflitos de relacionamento dos adolescentes normais. Isso pode ter consequências muito sérias em termos de autoconfiança e autoestima”, destaca Lopes.

Quanto aos impactos cognitivos e de desenvolvimento nas crianças menores, afastadas do estímulo do mundo externo há estudos alertando certo atraso, principalmente em habilidades psicomotoras e de interação social, conta Alessandra. Por isso, a médica orienta que os pais minimizem possíveis danos promovendo estímulos além das telas, como videogames e filmes, e gratificações com comida, utilizando a criatividade do espaço domiciliar para poder lidar com essas questões.

Família unida

O comportamento dos pais pode influenciar no acometimento da “síndrome” pelos filhos. Principalmente se estiverem muito ansiosos, preocupados ou possuírem um discurso de desesperança com as notícias relativas à pandemia, demostrando muito medo de sair de casa, alerta Gabriel Lopes.

“Uma alta exposição reverberando a morte durante todo o tempo não é recomendado para quem está mais vulnerável, e deve haver uma comunicação de forma assertiva e não amedrontadora para as crianças. Afinal, toda a prevenção que é baseada no amedrontamento tem poucas chances de sucesso”, explica Alessandra. Ela orienta que, além de oferecer ajuda profissional, os pais estejam presentes e atentos ao comportamento dos adolescentes, auxiliando-os a encontrar fontes de alegria e esperança em meio as preocupações.  

Gabriel destaca a importância de serem viabilizadas opções agradáveis de contato social aos jovens, ainda que de forma virtual, ou presencial com amigos que também estejam respeitando o isolamento, com uso de máscara, distanciamento e uso de álcool gel. “Oferecer um local onde possam interagir com liberdade e privacidade para um jogo de tabuleiro, conversar, ver um filme ou até mesmo fazer uma atividade física contribui para melhorar a socialização”, complementa o médico.

Além disso, Alessandra incentiva que seja realizada uma exposição gradual à socialização, começando em pequenos grupos e de maneira protegida, para tornar mais fácil o retorno à escola de forma presencial. “É importante um trabalho conjunto entre pais e filhos, fazendo exposições gradativas da criança e do adolescente no ambiente escolar, somado ao diálogo e conscientização”, finaliza.

Deixe sua opinião