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Joseph Paul Forgas*, The Conversation

O Homo sapiens é uma espécie muito temperamental. Embora a tristeza e o mau humor sempre tenham sido parte da experiência humana, agora vivemos em uma era que ignora ou desvaloriza esses sentimentos.

Em nossa cultura, emoções humanas consideradas normais, como uma tristeza temporária, são frequentemente tratadas como distúrbios. As indústrias manipuladoras de publicidade, marketing e autoajuda afirmam que a felicidade é a resposta para tudo. No entanto, o mau humor continua sendo uma parte essencial da gama normal de humor que experimentamos regularmente.

Apesar do culto quase universal à felicidade e à riqueza material sem precedentes, a satisfação com a vida nas sociedades ocidentais não melhoram há décadas. É hora de reavaliar o papel do mau humor e da tristeza em nossas vidas. Devemos reconhecer que eles são uma parte normal e até útil e adaptativa do ser humano, ajudando-nos a lidar com muitas situações e desafios cotidianos.

Uma breve história de tristeza

Nos tempos históricos anteriores, pequenos períodos de tristeza ou de mau humor (conhecidos como disforia leve) sempre foram aceitos como parte normal da vida cotidiana. De fato, muitas das maiores realizações do espírito humano tratam de evocar, ensaiar e até cultivar sentimentos negativos.

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As tragédias gregas expuseram e treinaram o público para aceitar e lidar com o inevitável infortúnio da vida humana. As tragédias de Shakespeare são clássicas porque ecoam esse tema. E as obras de muitos grandes artistas, como Beethoven e Chopin na música, ou Chekhov e Ibsen na literatura exploram a paisagem da tristeza, um tema há muito reconhecido como instrutivo e valioso.

Os filósofos antigos também acreditavam que aceitar o mau humor é essencial para viver uma vida plena. Até filósofos hedonistas como Epicuro reconheciam que viver bem envolve exercitar o julgamento sábio, ter autocontrole e aceitar adversidades inevitáveis. Outros filósofos como os estoicos também destacaram a importância de aprender a antecipar e aceitar infortúnios como perda, tristeza ou injustiça.

Qual o sentido da tristeza?

Os psicólogos que estudam como nossos sentimentos e comportamentos evoluíram ao longo do tempo explicam como a tristeza e o mau humor têm um papel útil: eles são um sinal de alerta. É que a gama de emoções humanas inclui muito mais sentimentos negativos do que positivos. Emoções negativas, como medo, raiva, vergonha ou desgosto nos ajudam a reconhecer, evitar e superar situações ameaçadoras ou perigosas.

Mas, então, se a tristeza é boa, qual é o nível dela que merece maior atenção e até ajuda psicológica? Uma tristeza intensa e duradoura, como a depressão, é obviamente um distúrbio grave e debilitante. Esses humores negativos também atuam como um sinal social que comunica a necessidade de ajuda. Quando parecemos tristes ou de mau humor, as pessoas geralmente se preocupam e tendem a ajudar.

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No entanto, aquela tristeza que é temporária e amena pode servir a um propósito adaptativo útil e, ajudando-nos a lidar com os desafios cotidianos e situações difíceis. Alguns desses humores negativos, como melancolia e nostalgia, podem até ser agradáveis e parecem fornecer informações úteis para orientar planos e motivações futuras. Além disso, a tristeza também pode aumentar a empatia, compaixão, conexão e sensibilidade moral e estética, podendo ser até um gatilho para a criatividade artística.

Experimentos científicos recentes documentam os benefícios do mau humor leve. Eles costumam funcionar como sinais de alarme automáticos e inconscientes, promovendo um estilo de pensamento mais atento e detalhado. Em outras palavras, o mau humor nos ajuda a ficar mais atentos e focados em situações difíceis.

Benefícios psicológicos da tristeza

Atualmente, existem evidências crescentes de que o humor negativo, como a tristeza, traz benefícios psicológicos.

Para demonstrar isso, os pesquisadores primeiro manipulam o humor das pessoas (exibindo filmes felizes ou tristes, por exemplo) e depois medem as mudanças no desempenho em várias tarefas cognitivas e comportamentais.

Sentir-se triste ou de mau humor produz uma série de benefícios:

  • Melhor memória: em um estudo, um humor negativo (causado pelo mau tempo) fez com que as pessoas se lembrassem melhor dos detalhes de uma loja que acabavam de sair. O mau humor também pode melhorar as memórias das testemunhas oculares, reduzindo os efeitos de várias distrações, como informações irrelevantes, falsas ou enganosas.
  • Julgamentos mais precisos: um mau humor leve também reduz alguns preconceitos e distorções na maneira como as pessoas formam impressões. Por exemplo, juízes levemente tristes formaram impressões mais precisas e confiáveis ​​sobre os outros porque processaram os detalhes com mais eficiência. Descobrimos que o mau humor também reduzia a credulidade e aumentava o ceticismo ao avaliar mitos e rumores urbanos, e até melhorava a capacidade das pessoas de detectar enganos com mais precisão. As pessoas de mau humor moderado também têm menos probabilidade de confiar em estereótipos simplistas.
  • Motivação: outros experimentos descobriram que, quando os participantes felizes e tristes eram solicitados a realizar uma tarefa mental difícil, aqueles de mau humor se esforçavam mais e perseveravam mais. Eles passaram mais tempo na tarefa, tentaram mais perguntas e produziram respostas mais corretas.
  • Melhor comunicação: o estilo de pensamento mais atento e detalhado promovido pelo mau humor também pode melhorar a comunicação. Descobrimos que pessoas de mau humor usavam argumentos persuasivos mais eficazes para convencer os outros, eram melhores em entender sentenças ambíguas e se comunicavam melhor quando conversavam.
  • Maior justiça: outros experimentos descobriram que um mau humor leve fazia com que as pessoas prestassem mais atenção às expectativas e normas sociais, e tratavam os outros de maneira menos egoísta e justa.

Contrariando o culto da felicidade

Ao exaltar a felicidade e negar as virtudes da tristeza, estabelecemos uma meta inatingível para nós mesmos. Também podemos estar causando mais decepção, alguns dizem que até depressão. Sentir-se triste ou de mau humor ajuda-nos a focar melhor na situação em que nos encontramos e, assim, aumenta nossa capacidade de monitorar e responder com êxito a situações mais exigentes. Essas descobertas sugerem que a busca incessante pela felicidade pode ser autodestrutiva. Uma avaliação mais equilibrada dos custos e benefícios do bom e do mau humor é necessária.

*Professor de Psicologia na Universidade de Nova Gales do Sul – Austrália

Tradução de Janaína Imthurm.

©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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