Caso "Bel para meninas" tomou conta das redes sociais e movimentou o debate sobre a exposição de crianças na internet
Caso “Bel para meninas” tomou conta das redes sociais e movimentou o debate sobre a exposição de crianças na internet| Foto: Reprodução/Facebook

Em um dos vídeos divulgados pelo canal “Bel para Meninas”, no YouTube, a garota vomita ao ser incentivada por sua mãe a experimentar um líquido de gosto ruim e aspecto nojento. Em outra publicação, a menina aparece no mar com a água na altura do queixo enquanto é filmada pelos pais em uma tentativa de mostrar os perigos do afogamento. Além desses exemplos, há postagens em que a carioca aparece triste devido a comentários negativos sobre seus vídeos e pelo fato de não escolher a própria mochila para ir à escola, pois, segundo a mãe, o público deve indicar o modelo ideal para ela.

Há quem afirme que essas postagens representam apenas momentos comuns do dia a dia e são maneiras de interagir com os 7 milhões de seguidores do canal. No entanto, parte desses espectadores acostumados a acompanhar vídeos da família de Maricá, no Rio de Janeiro, ficaram indignados com o conteúdo e se preocuparam com a saúde emocional da garota de 13 anos. Por isso, lançaram no Twitter a hashtag “SalvemBelParaMeninas” na última semana com o objetivo de incentivar a investigação do caso.

Como resultado, o Conselho Tutelar denunciou a situação ao Ministério Público por exposição vexatória, a família retirou as publicações do canal, e a mãe Francinete Peres Fraga Magdalena publicou um vídeo afirmando que "nenhum fato veiculado nessa campanha do Twitter condiz com a realidade". Além disso, a situação reabriu o debate a respeito da divulgação de imagens referentes a crianças e adolescentes no mundo online, algo cada vez mais comum e que envolve pequenos de todas as idades.

“Estamos falando de diretos humanos e isso vale para qualquer pai ou mãe que poste um vídeo de seu filho em uma situação ridícula”, afirma Patricia Peck, especialista em direito digital e cibersegurança e consultora do Sistema Positivo de Ensino. Segundo ela, o problema é ainda mais grave, pois “estamos falando de exposição da intimidade e da privacidade justamente por aqueles que deveriam proteger isso”, aponta a advogada.

O Artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, garante a dignidade dos pequenos por meio da proteção contra tratamentos violentos, aterrorizantes ou constrangedores. “E o mesmo estatuto fala do direito que eles têm à integridade física, psíquica e moral, preservando sua imagem, identidade, autonomia e valores”, completa Patricia, que solicita atenção dos pais em relação a isso. “Precisamos lembrar que as crianças vão crescer e que o conteúdo ficará online como um legado. Então, como isso afetará o futuro delas?”, questiona.

Para a doutora em educação digital Kátia Ethienne Esteves dos Santos, o resultado das postagens excessivas e comprometedoras pode fazer com que a criança seja vítima de humilhação na escola ou sofra atos de cyberbullying por meio das tecnologias digitais. Além disso, pode trazer graves consequências psicológicas, o que demanda “um cuidado especial com as crianças e adolescentes neste momento em que o número de jovens com depressão é cada vez maior”, alerta a especialista.

Quais os riscos da exposição infantil online?

Assim, pais e outros responsáveis que apoiam a exposição dos filhos como youtubers, por exemplo, precisam acompanhá-los de perto e ter a certeza de que os pequenos gostam do que estão fazendo. “Essa exposição é uma escolha da criança, algo que ela pede?”, questiona a especialista. “Se não for, pode se tornar um peso e até causar a regressão dela, fazendo com que não queria mais conversar, falar ou estar perto de pessoas”, adverte.

Outro ponto a ser avaliado, segundo Kátia, é o tempo dedicado para a produção desse conteúdo, que não pode afetar os horários de estudo, alimentação, higiene e diversão. “Lembrando que os pais também devem explicar que eles poderão atingir muita gente no começo, mas cair no esquecimento depois”, orienta a pesquisadora, preocupada com as crianças que se tornam dependentes do sucesso e apresentam dificuldades para seguir em frente quando ele passa.

Além disso, é necessário ter cautela a respeito dos assuntos abordados em cada vídeo e também das informações divulgadas neles para evitar a transmissão de conteúdo negativo ou a exposição exagerada. “É comum mostrar a casa, os brinquedos e outras coisas da rotina. Só que os hábitos da criança não devem ser expostos”, orienta a pós-doutora, ao indicar a gravação em um ambiente preparado para isso e sem a citação de lugares frequentados pela família. “Afinal, isso pode ser perigoso e chamar a atenção de pessoas mal-intencionadas”.

Também há benefícios

Com esses cuidados, é possível produzir conteúdo de qualidade e obter benefícios para o desenvolvimento dos filhos, como uso da criatividade, comunicação, aumento da disciplina e até a orientação vocacional. “Isso porque a criança ou adolescente pode gostar desse tipo de produção e se matricular em cursos de teatro, expressão corporal ou na área de multimídia”, comenta Kátia.

Além disso, canais que se destacam costumam ter boa rentabilidade financeira se estiverem dentro da legislação, então é necessário bom senso, respeito e equilíbrio em todas as produções. E, nesse aspecto, é a audiência que manda. “Ou seja, se você perceber algo que se identifique com exploração infantil ou que apresente conteúdo comprometedor e vexatório, denuncie em vez de assistir”, incentiva a advogada Patricia Peck, ao citar a importância de a população fiscalizar os conteúdos disponibilizados na internet. “Afinal, proteger nossas crianças e adolescentes é dever de todos”.

Deixe sua opinião