Como as concepções que temos sobre sexualidade afetam nosso relacionamento conjugal
| Foto: Pablo Heimplatz/Unsplash

Muitas vezes nem nos damos conta, mas carregamos conosco concepções próprias sobre várias realidades. Quando interagimos com nossos filhos, existe no nosso pano de fundo uma concepção do que seja a maternidade ou a paternidade. Na nossa rotina em nosso emprego, existe uma concepção do que seja o trabalho. E também no campo da vida sexual, agimos segundo determinado modo de ver a sexualidade, ainda que não reflitamos sobre isso.

“A sexualidade não diz respeito somente à relação sexual, ao prazer genital, mas à própria forma do sujeito enxergar um conjunto de aspectos que têm relação com o próprio corpo e com a sua identidade”, explica a psicóloga Mariana Pieruccini. “Quando a criança começa a especular sobre de onde vêm os bebês, ela já está se perguntando sobre a sexualidade, assim como quando se mostra curiosa a respeito das diferenças anatômicas entre meninos e meninas”.

Essa visão é formada ao longo de nosso desenvolvimento sob a influência da família, de amigos, da cultura local, da escola, da religião e dos meios de comunicação. Dependendo dos contornos que adquire, essa concepção da sexualidade – e a concepção que o nosso parceiro tem dela – pode nos levar tanto a experiências positivas quanto a experiências negativas no casamento.

“É importante estar com alguém em quem se confie e ter a cumplicidade para dialogar sobre isso tudo em todas as fases do relacionamento, partilhando reflexões e encontrando acordos”, afirma o psicólogo Gabriel Resgala. “Se a forma de enxergar a sexualidade encontra muita diferença entre o casal, isso pode ser um aspecto importante demais para ser ignorado”.

Repressão e negatividade

Diversos fatores podem nos influenciar a enxergar a sexualidade como se ela se tratasse de algo negativo. Experiências próprias ou de pessoas próximas a nós e determinadas concepções morais ou religiosas podem nos fazer sentir vergonha ou repulsa pelo contato sexual. E se não se busca ajuda para resolver isso, é evidente que o impacto no relacionamento como casal será enorme.

“Por um lado, a simples repressão dos desejos pode gerar uma vida sexual insatisfatória, insossa, sem afeto. É comum observarmos jovens que, devido a experiências pessoais ou a influências religiosas, familiares ou culturais, desenvolveram uma visão bastante negativa do sexo durante a adolescência, e depois de casados não conseguem se relacionar sexualmente com o cônjuge de forma saudável, gerando vários conflitos e até separações”, conta Resgala.

Vale atentar ao fato de que essas concepções muitas vezes ficam implícitas e não emergem facilmente. É possível até mesmo que alguém julgue manter determinada visão da sexualidade, mas não a tenha assimilado a ponto de realmente agir e reagir dessa maneira. Assim, uma pessoa pode até reconhecer a sexualidade como algo bom, mas na prática se bloqueia e não consegue lidar bem nem com o próprio corpo nem no relacionamento com o outro.

“É preciso ter em mente que experiências ou influências sexuais, sobretudo na infância e adolescência, podem nos marcar de maneira bastante profunda, tendo consequências bem duradouras”, explica o psicólogo. “Nesse caso, não se deve ter medo ou pudor de analisá-las, reconhecê-las e, se for o caso, procurar ajuda para reencontrar o equilíbrio necessário a uma satisfação plena nesse aspecto”.

Pura autossatisfação

Essa mesma falta de sincronização entre o que julgamos acreditar e o que efetivamente vivemos pode se dar no sentido contrário – ou seja, podemos dizer, até com sinceridade, que estipulamos determinadas regras para a vida sexual, mas na verdade a vivermos de uma maneira um tanto desenfreada. Não ser capaz de regular a própria atividade sexual – acreditando que é isso mesmo que deve ser feito ou não – também pode trazer consequências negativas para a experiência da sexualidade.

A influência dos meios de comunicação, de experiências pessoais ou familiares, de algumas noções de moralidade e até mesmo de uma cultura marcada pelo imediatismo como a atual podem fazer com que idealizemos a vida sexual como uma ferramenta que está sempre a serviço da pura e simples satisfação dos nossos desejos, a despeito de um relacionamento respeitoso – e que, assim, expresse o amor entre o casal – com o outro.

No fim das contas, se vivemos segundo essa concepção, muitos riscos podem vir à tona. Será muito fácil desrespeitar gravemente o nosso cônjuge, impondo – de forma aberta ou sutil – uma relação sexual quando ele não quer. E é aí que se abrem as portas para o abuso, mesmo em sentido estrito, para a manipulação e para a traição, sem contar a indiferença em relação à experiência de prazer do outro.

“Se a simples repressão do sexo nos torna doentes, o oposto – ou seja, a escassez de limites – não seria também verdadeiro?”, questiona Resgala. “A sociedade parece estar refletindo mais sobre isso – prova é que a liberalização sexual que se via na TV dos anos 80 e 90, em horário nobre, hoje receberia críticas até dos setores mais progressistas. A pornografia cada vez mais recebe fortes críticas e a definição de estupro se ampliou bastante, passando a significar qualquer atitude não consentida por uma das partes. Ou seja, foi-se tomando consciência de que estabelecer alguns limites à sexualidade é, sim, bastante necessário”.

Diálogo, diálogo e diálogo

“Se os ideais de como se enxerga a sexualidade impactam negativamente a vida do casal, tornando a relação difícil ou até mesmo impossível, a questão paira sobre o que cada um espera”, diz Mariana. “Quais são os pensamentos e as fantasias do casal a respeito da sexualidade? Há uma ideia de medo, dor ou insegurança? Há vergonha de sentir desejo?” O caminho, segundo a psicóloga, é o diálogo aberto entre o casal.

No entanto, Mariana nota: “Mesmo quando não se fala, também se está falando algo, já que a sexualidade está sempre presente. Se o falar incomoda uma das partes, é preciso se questionar por quê. Há uma timidez, uma inibição, a ideia de que algo está errado?”

A vida sexual, no fim das contas, é sempre comunicação, ainda que nada se diga. É melhor que se diga, porque sentimos a necessidade de esclarecer o que sentimos, mas ainda assim é todo o nosso corpo que se comunica – e isso se dá com uma intensidade específica na relação sexual. É ali que acaba sendo comunicada a nossa dificuldade em lidar com o fato de sermos corpos ou a nossa voracidade autorreferencial que atropela o desejo do outro – ou a unidade, o carinho, a atração e o vigor que marcam o amor de um pelo outro.

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