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Por Ester Athanásio de Matos, jornalista.

Alma gêmea, tampa da panela, metade da laranja, cara-metade. Não faltam metáforas para traduzir a união perfeita de um casal. Guardadas as particularidades de cada relação, pelo menos um ideal é compartilhado por todos os que se aventuram em dividir a vida com alguém: a intenção de que “dê certo” e se perpetue. Embora exista um exército de defensores do “que seja eterno enquanto dure”, o plano A de todo casal é concretizar o “felizes para sempre” dos contos de fadas.

Porém, o percurso entre o “pode beijar a noiva” e “até que a morte os separe” é, em alguns momentos, árduo. Não é à toa que o índice de divórcios parece só aumentar. Segundo o Censo, entre 2000 e 2010, o número de dissoluções de uniões cresceu 20% no Brasil. A lista de motivações é extensa, e passa pela falta de comunicação, infidelidade, temperamentos e estilos de vida distintos.

O segredo de não ter segredos

Na contramão das estatísticas, Seu Antonio Caetano da Silva (79) e Dona Conceição da Silva (76) conquistaram a façanha de envelhecer de mãos dadas. Em novembro de 2015 o casal, que exibe a coleção de cinco filhos, 12 netos e 13 bisnetos, comemora 60 anos de matrimônio. Quando perguntados sobre o segredo de uma união tão firme, são breves. Para ele, o respeito à individualidade e o esforço mútuo são importantes. “Tem que ser da parte dos dois. Não pode proibir as vontades do outro nem ficar colocando defeito. Tem que ser amigo.” Ela reforça o valor da espiritualidade e acredita que o amor dos dois já estava escrito nas estrelas. “Tem que ter Deus desde o começo porque acho que Ele nos escolheu para ficarmos juntos. E tem que ter tolerância e conversa, porque nós nunca dormimos separados”, conta.

Para garantir a boa convivência e a continuidade da relação, há quem se apegue a uma lista infinita e ritualística, que exige paciência, tolerância, diálogo, confiança, sinceridade, cumplicidade, companheirismo, amizade e por aí vai. Não dá para saber onde termina essa lista de ingredientes que, combinados, materializam o casamento perfeito; contudo já se sabe que não existe receita que torne um casamento infalível. Apesar de situações semelhantes se repetirem em endereços diferentes, relacionamento envolve uma infinidade de variáveis e situações adversas de modo que cada obstáculo enfrentado pelos cônjuges deve ser resolvido de modo particular.

Em busca de ajuda

Bianca Sulamita e Eduardo dos Santos, casados há quatro anos, são voluntários do curso Casados para Sempre, que se propõe a orientar casais na vida conjugal durante 13 encontros semanais. A cada semana os casais debatem temas específicos sobre o relacionamento e são aconselhados pelo casal líder. Dados do grupo demonstram que a maior parte dos interessados procura o curso quando as coisas não vão bem, mas a intenção é que todo casal procure esse tipo de instrução antes que os problemas comecem a aparecer. Segundo Bianca, a boa convivência está fundamentada na paciência e na dedicação à pessoa amada. “Paciência ao falar, ao ouvir e ao agir, e sempre lembrar que você casou para fazer a outra pessoa feliz, e, para isso dar certo, é preciso que você esteja feliz consigo mesmo”, afirma. Já para Eduardo, a palavra-chave é acordo. “O casal deve estar sempre em acordo ao tomar as decisões, nunca dizer ‘isso é meu’ ou ‘isso é seu’ porque no casamento dividimos tudo e, além disso, deve-se resolver as pendências diariamente, sem acumular mágoas”, explica.

O projeto de construir uma vida a dois é refletido pelas religiões; não é à toa que a maior parte delas promove uma cerimônia marcada por uma série de rituais para sinalizar a união. De acordo com a doutrina cristã, por exemplo, o “sim” do altar sela uma aliança eterna e homem e mulher passam a ser “uma só carne”. Além de uma clara referência à junção carnal, a visão cristã propõe que, por meio do compromisso matrimonial, homem e mulher decidem não apenas repartir toda sua vida terrena, mas também tornam-se figuras tão íntimas e próximas que suas identidades se confundem em uma só, incapaz de se desligar (fisicamente ou espiritualmente). Para os cristãos, ainda que um casal decida romper, a posse da individualidade enquanto solteiros não será devolvida, já que, no casamento, a convivência é tão intensa que transforma seus integrantes. Já não existe “eu” ou o “outro” e sim “nós”.

Bodas de felicidade

Casais com mais de 50 anos de união são uma raridade. Primeiro, pela idade avançada dos cônjuges. Depois, e principalmente, pela tendência de separação. Seu Antonio Caetano da Silva (79) e Dona Conceição da Silva (76) são uma exceção à regra.

Tudo começou em Minas Gerais, onde ambos nasceram. A irmã mais velha dela e o irmão mais velho dele se casaram e se mudaram para Siqueira Campos, no interior do Paraná, em busca de uma vida mais confortável. O resultado é que toda a família seguiu o mesmo caminho, e Seu Antonio, na época com seus 13 anos, se tornou vizinho de Dona Conceição, menina de 9 anos.

A paixão começou cedo. “Eu ficava na janela só para ver ele na outra janela, mas minha mãe era feroz!”, conta Conceição. A família dela relutou muito contra o romance. “Meu pai não falava nada, mas minha mãe queria que eu casasse com outro, que era rico.” No popular, Seu Antonio não tinha onde cair morto, mas Dona Conceição decidiu arriscar e investir no perfil trabalhador e dedicado do rapaz. Ela tinha certeza de que, com esforço, conseguiriam construir a vida juntos. A saída foi constrangedora: era namorico escondido e certo dia o pai da Conceição pegou os dois abraçados. Não deu outra: mandou casar logo os dois.

Apesar de situações semelhantes se repetirem em endereços diferentes, relacionamento envolve uma infinidade de variáveis e situações adversas de modo que cada obstáculo enfrentado pelos cônjuges deve ser resolvido de modo particular

Conceição tinha 15 anos e Antonio, 18. Ambos não tinham registro civil e tiveram que emitir a certidão de nascimento com um ano a mais de idade para poder casar. “Eu disse que tinha 19 e ela, 16”, revela Antonio, com aquele olhar de menino que aprontou alguma. Seu Antonio vendeu o cavalo que tinha e comprou um terno. Casaram e foram viver no paiol. “No começo foi sofrido, porque vida na roça não é fácil, mas nunca faltou nada”, se orgulha.

Cansados da vida na lavoura, vieram para Curitiba em 1971 e se instalaram em um terreno no Capão Raso. Conceição estudou até a 4.ª série, mas Antonio mal sabia escrever o nome. Ainda assim, arranjou um emprego na capital e deu conta de sustentar a família. Desavença só tinham uma: Antonio gostava muito de jogar bola, apostar e bailar. Dona Conceição ficava furiosa. “Eu era brava e ruim, mas ciúme dele eu nunca tive”, garante. Apesar das discussões, ela diz que o marido a faz muito feliz. Hoje, com apenas 50% da visão, ela depende dele para cozinhar, limpar e principalmente passear. “Ele sempre foi muito, muito bom para mim; ele é meu amado.” Para seu Antonio, as coisas só ficam melhores. “Nossa vida foi muito boa, mas agora está 100%.”

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