Estátua de Heloísa e Abelardo feita pelos escultores Sylviane Courgeau e Bilal Hassan, no campo histórico de Sainte-Anne, em Pallet.
Estátua de Heloísa e Abelardo feita pelos escultores Sylviane Courgeau e Bilal Hassan, no campo histórico de Sainte-Anne, em Pallet.| Foto:

A tragédia de Abelardo já é conhecida pelos que se interessam por história: um professor de filosofia, o maior de seu tempo, que se apaixona por uma jovem moça, Heloísa, com a qual se relaciona em segredo. O tio da jovem fica furioso, e na tentativa de apaziguar a sua fúria, Abelardo decide que devem casar-se. No entanto, a proposta se torna inútil, uma vez que após o casamento o tio se vinga ao mandar castrá-lo. Marcados pelo episódio, tomam os hábitos religiosos e seguem caminhos diversos, embora troquem correspondência.

Esse acontecimento sui generis da Idade Média terminaria por aí se esta correspondência não tratasse de alta teologia e alta filosofia. Abelardo e Heloísa discutem moral e religião, ao mesmo tempo em que conversam sobre suas vidas. Para Gilson, compreender este casal é compreender o espírito do século XII, ao menos em seus desafios.

Do que trata esta correspondência? Do acontecido? Também, mas num nível surpreendentemente profundo. Ao discutirem o que ocorreu, ao apresentarem os novos dilemas, ambos se aprofundam num sistema moral que, como insiste Gilson, é a moral do casal. Heloísa se vê profundamente apaixonada por Abelardo, mesmo anos após a distância, e seu marido insiste para que ela volte o pensamento e o coração para Deus. Aparentemente, Abelardo, a esta altura monge e padre, tem uma profunda conversão e vive na compunção do coração. Destarte, se Heloísa é sinal do amor puro, do mais elevado que podemos encontrar no plano humano, Abelardo aprofunda este amor com o mistério da salvação em Jesus Cristo.

Se a história deste casal já é, por si, digna de ser estudada, o que valoriza-a ainda mais é o talento literário de Gilson. “Heloísa e Abelardo” trata de temas bastante intrincados com fluidez encantadora, e alta riqueza antropológica. Este célebre historiador da filosofia, autor de obras referenciais para os estudos contemporâneos, não se deixa levar pelos preconceitos, mas é capaz de colocar-se ao lado de seus personagens como um verdadeiro amigo, para então descrevê-los. Por isso seus retratos são lúcidos e também perspicazes.

Heloísa e Abelardo Heloísa e Abelardo
Éttiene Gilson
São Paulo: Edusp, 2007
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